O compositor Richard Rodgers e o letrista Oscar Hammerstein II compuseram dezenas de musicais para a Broadway – alguns dos quais foram adaptados ao cinema – mas apenas compuseram uma banda sonora directamente para o grande ecrã: State Fair (1945), realizado por Walter Lang.
O filme começa numa quinta numa zona rural do Iowa, com a família Frake a preparar-se para o grande evento anual que é a Iowa State Fair, em Des Moines, com expectativas bem diversas: enquanto o pai, Abel, sonha obter um primeiro prémio com o seu porco Blue Boy e a mãe, Melissa, se afadiga com o prato que submeterá ao concurso de culinária, a filha, Margy, entediada com a modorrenta vida na quinta, vê a feira como uma bem-vinda quebra na rotina.
É nesse estado de excitação e expectativa que Margy Frake canta “It Might As Well Be Spring”. A letra (uma das mais conseguidas de Hammerstein) transmite o desassossego sem causa nem forma definida que formiga em Margy e que, como o desenrolar do filme revelará, resulta em parte do enfado com o seu baço e provinciano namorado, Harry – na feira irá conhecer Pat, repórter de um jornal de Des Moines e homem viajado e cosmopolita, que rapidamente expulsará do seu coração o campónio Harry (que ficara na sua quinta a tratar das vacas).
[Excerto de State Fair em que Jeanne Crain, no papel de Margy Frake, “canta” “It Might As Well Be Spring” (dobrada por Louanne Hogan)]
O que deixa Margy desinquieta não é a “febre da Primavera” – tradução literal da “Spring fever” inglesa, essa nebulosa “perturbação afectiva sazonal” –, até porque a Iowa State Fair tem lugar em Agosto, mas a aspiração a algo que transcenda a sua vida entorpecente, previsível e de horizontes fechados:
“As coisas de que costumava gostar, já não me satisfazem/ E quero muitas coisas que nunca tive antes/ [...]// Estou tão irrequieta como um salgueiro num vendaval/ Tão nervosa como uma marioneta suspensa dos fios/ Dir-se-ia que estou com a febre de Primavera/ Mas bem sei que não é Primavera// Estou com disposição sonhadora e insatisfeita/ Como um rouxinol sem canção para cantar/ Mas porque falo eu de febre de Primavera/ Se bem sei que não é Primavera?// Estou sempre a desejar ser outra pessoa/ Caminhando por uma rua estranha e nova/ Ouvindo palavras que nunca ouvi/ De um homem que ainda não conheci// Estou tão atarefada como uma aranha a tecer sonhos acordados/ Tão esfuziante como uma criança num baloiço/ Não vi ainda desabrochar flores/ Ou um pisco ou um tordo/ Mas sinto-me tão alegre, de uma forma melancólica,/ Que é como se fosse Primavera”.
A canção ganhou o Óscar para Melhor Canção Original – por uma vez, a Academia acertou em cheio. E caso tenham ficado com curiosidade: o porco Blue Boy também ganhou o primeiro prémio na feira.