Fenne Lily
©Hollie FernandoFenne Lily
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12 bandas indie pop a ter debaixo de olho em 2019

São bandas ou songwriters, alguns deles muito jovens, que se estrearam recentemente em disco e possuem talento e identidade própria. Só precisam que alguém repare nisso.

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O mundo do pop-rock foi unipolar durante muitos anos, mas ao abeirar-se a terceira década do século XXI, a hegemonia dos EUA e da Grã-Bretanha está estilhaçada. Os americanos e britânicos continuam, claro, a ser relevantes, mas hoje há talento a brotar de todo o lado. Assim, nesta escolha de músicos que lançaram recentemente o seu primeiro álbum e poderão vir a ter o seu imenso talento reconhecido em breve, há um trio do Michigan, uma rapariga da Florida que assentou base no Kentucky, uns rapazes de Seattle que não têm nada a ver com grunge, um canadiano em Los Angeles, um grupo multinacional que opera a partir de Nova Iorque, e uma britânica de Bristol e outra de Londres; mas também um quinteto de Melbourne e outro de Kyoto, um quarteto de Hong Kong, um belga de ascendência egípcia e uma pixie norueguesa.

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12 bandas indie pop a ter debaixo de olho em 2019

1. Aurora

A norueguesa Aurora Aksnes (que se apresenta, como Björk, só com o primeiro nome, para poupar embaraços aos habitantes de terras mais meridionais), começou por editar um EP em formato digital em 2015 – Running with the Wolves – e estreou-se em álbum, no ano seguinte, com All My Demons Greeting Me as a Friend. A menção a Björk feita acima não decorre apenas da opção de nome e da proveniência escandinava – Aurora tem afinidades com Björk na forma de cantar, na versatilidade de registos vocais, no inglês matizado por tonalidades escandinavas, na magistral fusão de pop, electrónica e músicas tradicionais (bem audíveis em “Churchyard”) e no dom de ser, ao mesmo tempo, sensível e zombeteira. Mas embora Björk seja uma excelente performer, não tem metade do azougue da pixie Aurora – All My Demons Greeting Me as a Friend é de aquisição obrigatória, mas não pode restituir a electricidade que é libertada nas suas actuações.

[“Churchyard”, uma nova canção, ao vivo no Kex Hostel, Reikjavik, no festival Iceland Airwaves/Live in KEXP, Novembro de 2018]

2. Tomberlin

Sarah Beth Tomberlin, que se apresenta só com o seu último nome e tem base em Louisville, Kentucky, nasceu numa família de estritos preceitos religiosos, que a mantiveram na ignorância de toda a música que não fossem hinos baptistas até aos 16 anos, quando comprou, à socapa, um disco dos Bright Eyes, de Conor Oberst, e a sua vida mudou radicalmente.

At Weddings, o disco de estreia, de 2018 (não por acaso na editora de Oberst), é um disco descarnado, feito só de voz e um dedilhado de guitarra ou um ostinato de piano, a que o produtor Owen Pallett adicionou arranjos cuja discrição e singeleza fazem a atenção focar-se nas reflexões e inquietações que vão sendo desfiadas. O tom desesperançado, magoado e auto-depreciativo – “Ser mulher é viver na dor”; “O amor é uma maldição e uma mentira”; “Não confio em pessoas que gostam de mim” – faria pensar em Julien Baker, mas as ruminações lúgubres – “O coração é um pesado caixão/ Onde sepulto todos os que amo” – podem estar coladas a irrupções de ironia – “Usei o livro de auto-ajuda/ Para matar uma mosca/ Acho que funcionou, mãe/ Acho que estou bem”.

[“Seventeen”, de At Weddings]

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3. Ex:Re

A britânica Elena Tonra não é uma recém-chegada às lides musicais, uma vez que é a frontwoman dos Daughter, com o guitarrista/baixista suíço Igor Haefeli e o baterista francês Remi Aguilella, banda que já nos brindou com dois excelentes álbuns, If You Leave (2013) e Not To Disappear (2016). Ex:Re é o nome que Tonra escolheu para o seu projecto a solo, em que as guitarras perdem protagonismo para os teclados, mas o songwriting e a expressividade da voz de Tonra continuam a ser enfeitiçantes. O álbum de estreia, homónimo, dos Ex:Re, sai no início de Fevereiro.

[“Romance”, uma canção de Ex:Re, ao vivo na BBC 6 Music Live Room, 2019]

4. Rhye

Entre o primeiro álbum, Woman (2013), e o segundo, Blood (2018), os angelinos (por adopção) Rhye viram-se amputados de 50% dos seus efectivos, na pessoa do produtor e multi-instrumentista dinamarquês Robin Hannibal, e a metade restante do duo, o cantor canadiano Mike Milosh, separou-se da sua esposa, a actriz Alexa Nikolas, a musa que inspirara Woman. Se a criação artística se regesse por uma lógica estritamente racional, as agências de rating musical desaconselhariam que se investissem grandes expectativas em Blood, mas Milosh converteu as perdas em forças e o novo disco galgou vários patamares: a matriz de R&B aveludado mantém-se, mas o songwriting apurou-se, a voz tornou-se mais expressiva e magoada, a componente synth pop ganhou peso, o groove funk ganhou elasticidade e subtileza e a atmosfera ensombrou-se. Os arranjos deixaram de ser um ornamento polido e convencional e são agora parte integral das canções, com as cordas a dar um contributo decisivo para o dramatismo de canções como “Waste”. É provável que à metamorfose não seja alheio o facto de Woman ser um disco de “laboratório” e de Blood ter sido construído em tournée, com o contributo activo da banda que acompanha Milosh.

A voz andrógina e narcoléptica de Milosh evoca, nas faixas lentas e despojadas, os Cigarettes After Sex e também se sente a sombra crepuscular dos The Blue Nile, mas as afinidades maiores de Blood são com o álbum de estreia dos Lo Moon – que também têm base em Los Angeles –, lançado com escassos dias de intervalo. L.A. foi, durante as décadas de 1940 e 1950, a capital do film noir e em 2018 parece perfilar-se como capital do R&B noir.

[“Song For You”, de Blood]

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5. Among Authors

Apesar de os anos 90 terem convertido Seattle num sinónimo de grunge, a oferta musical da cidade sempre foi muito variada, como atesta um dos seus rebentos mais recentes, os Among Authors, liderados pelo vocalista e teclista Ian Ketterer, que se estrearam em 2017 com I Am Become, álbum surpreendentemente maduro em gente tão nova. A voz acrobática de Ketterer transpõe em cada canção um longo arco emocional e revela um sentido dramático que faz pensar no veterano Peter Hammill.

[“Noble Eyes”, uma canção de I Am Become, Live in KEXP, Agosto de 2018]

6. Underground System

A questão identitária levantada pelo título do álbum de estreia dos Underground System - What Are You (2018) – é da maior pertinência num mundo onde colidem as forças da globalização e do nacionalismo, do multiculturalismo e da tradição, da miscigenação e da pureza. Os Underground System são pela mestiçagem: ao afrobeat de Kuti juntaram o funk/new wave dos Talking Heads (as irresistíveis “Go”, “Rent Party” e “What Are You” não destoariam no alinhamento de Remain in Light), música de dança electrónica (que domina “What’s It Gonna Take”), o world jazz dos londrinos The Heliocentrics (em “State of Mind”) e o tribalismo estratosférico do Fourth World de Jon Hassell. Domenica Fossati canta em inglês e espanhol e em “Sebben (La Lega)” escolhe o italiano para proclamar, sobre percussões e coros de sabor africano, que “Ainda que sejamos mulheres/ Não temos medo” e não será descabido supor que o desafio é dirigido ao xenófobo e sexista Matteo Salvini, líder da Lega que co-governa Itália.

[“Rent Party”, ao vivo nos Paste Studios, Nova Iorque]

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7. Jyocho

O fim precoce dos Uchu Conbini, em 2015, após apenas três anos de vida e dois mini-LPs, deixou muita gente inconsolável. O que vale é que Daijiro Nakagawa, o guitarrista e dínamo criativo daquela banda de Kyoto, fundou pouco depois os Jyocho, que retomam algumas das coordenadas dos Uchu Conbini – uma voz feminina leve e macia, malhas rítmicas incrivelmente intricadas, atmosferas luminosas e límpidas, e, claro, a assombrosa (mas nunca gratuita) técnica de double-handed tapping de Nakagawa – agora com a adição de uma flauta e um teclado à tríade guitarra + baixo + bateria e com um pendor mais bucólico (favorecido pela troca frequente da guitarra eléctrica pela acústica).

Após dois mini-LPs (A Prayer in Vain e Days in the Bluish House) e um EP (A Parallel Universe), os Jyocho estrearam-se na longa duração em Dezembro passado, com A Beautiful End Cycle (títulos em tradução aproximativa a partir do japonês), que inclui o 1’56 de pura efervescência musical de “Sugoi Kawaii”.

[“Sugoi Kawaii”, de A Beautiful End Cycle]

8. Fenne Lily

“Porque preciso disto/ Mais do que julgava/ Mais do que gostaria/ Mais do que tu precisas?// Dói-me saber/ Que irás partir/ Mas tenho medo de mostrar/ Quanto isto representa para mim/ Mas eu sei o que quero/ E sei o que irei perder/ Descobrir isto é duro/ Lutar com isto é novo/ Diz-me por que razão/ As coisas boas morrem”. Podia ser uma letra de Julien Baker mas pertence a “What’s Good”, de On Hold, o álbum de estreia de Fenne Lily, uma rapariga de 22 anos, de Bristol.

As semelhanças entre Baker e Lily não se ficam pela tenra idade e pela perspectiva trágica das relações amorosas. Lily tem também em comum com a autora de Turn Out the Lights o tom confessional, um songwriting apuradíssimo e despojado, sustentado em guitarra e teclados minimais, e a voz repassada de mágoa – embora sem atingir o registo de sofrimento excruciante de Baker. Para Lily e Baker, o amor, pelos tormentos que gera, acaba por não estar associado a prazer mas a dor – uma dor sem a qual, todavia, não é possível viver. Lily fala de “uma dor de que tenho necessidade” (“Three on Nine”), ideia reiterada em “For a While”: “Explica-me por que me habituei/ A precisar desta dor”. Não é uma perspectiva nova – basta lembrar o “contentamento descontente” do mais famoso soneto de Camões – mas raramente foi vertida no formato canção pop de forma tão vulnerável, angustiada e tocante.

[“What’s Good”, de On Hold]

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9. The Accidentals

Aos 16 anos, Savannah Buist já tratava por tu violinos, violas (de arco), guitarras, baixos, banjos e bandolins, além de cantar com desenvoltura. Quando se aliou a Katie Larson, também ela dotada multi-instrumentista (violoncelo, guitarra, baixo) e cantora, nasceram The Accidentals. Foi em duo que gravaram Bittersweet (2013), mas o grupo só ficou completo quando, em 2014, ao duo se juntou o baterista Michael Dause. O EP Parking Lot (2016), lançado, como os anteriores em edição de autor, e só com o álbum Odyssey (2017), chegaram a uma grande editora (a Sony) – ainda assim, mal lograram sair do anonimato. Têm base em Traverse City, no Michigan.

[“Heavy Flag”, uma nova canção, ao vivo nas sessões Audiotree Live, Chicago, Dezembro de 2018]

10. GDJYB

Este quarteto de raparigas de Hong Kong – Soft Liu (voz, guitarra), Soni Cheng (guitarra), Wing Chan (baixo) e Heihei Ng (bateria) – formado em 2014 descreve a sua área como “math folk” (outros preferirão “math pop”) e a língua em que cantam como “Honglish” (o inglês de Hong Kong). As GDJYB exibem a elevada proficiência usual nas bandas do Extremo Oriente – veja-se a baixista Wing Chan, que tem apenas mais alguns centímetros do que o seu instrumento, mas cuja técnica e inventividade fazem empalidecer muitos baixistas de bandas consagradas – e alinhavam canções com uma forte componente socio-política, inesperada numa banda de Hong Kong, cidade que apesar de desfrutar de um estatuto especial dentro da República Popular da China, não deixa de estar sujeita a vigilância apertada.

As GDJYB lançaram até agora um EP (homónimo) e um álbum (Before Tomorrow), apenas em formato digital, e fizeram três ou quatro incursões pontuais em festivais extra-asiáticos (Austrália, EUA, Islândia). Não deixa de ser estranho que os produtos industriais do Extremo Oriente nos entrem pela vida dentro a todo o momento – mesmo que não sejamos clientes regulares de bazares chineses – e o “património imaterial” tenha tantas dificuldades em transpor barreiras geográficas.

[“Backspace”, single de Outubro de 2017]

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11. Rolling Blackouts C.F.

A verdade é que, em plena era da globalização, a geografia continua a ser um obstáculo até para a música anglo-saxónica que provém do outro lado do planeta e as bandas australianas ainda têm dificuldade em afirmar-se num meio dominado pela Europa e pelos EUA. É provável que o génio dos Rolling Blackouts C.F. (as iniciais são de “Coastal Fever”) não ganhasse público exterior ao Down Under, não fosse o quinteto de Melbourne ter despertado o interesse da Sub Pop, decana das editoras indie americanas, que reeditou o seu EP de estreia, Talk Tight (cujo lançamento original, em 2016, pela australiana Ivy League, passara despercebido), bem como o segundo EP, The French Press (2017).

Todas as promessas contidas nos EPs (na verdade, mini-álbuns, com 6-7 faixas) desabrocham em pleno no álbum de 2018 Hope Downs, a estreia na longa duração (e que, na verdade não é muito mais extenso que os EPs: 35 minutos para dez canções exemplarmente concisas).

A desolação melancólica da foto da capa, que sugere uma estância turística em época baixa, assentaria bem nos seus compatriotas The Triffids, mas o som dos Rolling Blackouts C.F. filia-se noutros australianos, The Go-Betweens, na vertente mais nervosa, jangly e enérgica, com os jogos entre as três guitarras e a pulsação imparável do baixo e da bateria a evocar, por vezes, o rock’n’roll cintilante de The Feelies.

[“Talking Straight”, de Hope Downs]

12. Tamino

O belga Tamino-Amir Moharam Fouad (n. 1996) apresenta-se com o seu primeiro nome – o mesmo do “herói” de A Flauta Mágica – por conveniência e não por não ter orgulho no seu avô Moharam Fouad, estrela da pop e cinema egípcios da década de 60. Do avô, herdou não tanto a voz mas a intensidade do canto; na adolescência, Tamino alimentou-se de Nirvana, Beatles, Radiohead e Leonard Cohen e os dois últimos nomes parecem ter deixado marca: quando sobe aos agudos, Tamino evoca os falsetos e o tom lamentoso de Thom Yorke, enquanto nas canções em que a voz desce para o registo baritonal (a sua agilidade vocal tem suscitado comparações com Jeff Buckley) e a música assenta num dedilhado de guitarra obsessivo (ouça-se “Persephone”) tem afinidades com Cohen.

Nas canções de Tamino há espaço para a indie pop mais confessional e atormentada, para as atmosferas sombrias e os grooves preguiçosos do trip hop e para as cordas dolentes e as percussões encantatórias da música árabe; as suas linhas vocais conjugam a canção popular ocidental com inflexões da música árabe e em “Indigo Nights” pode até ouvir-se um eco (intencional ou não) de fado.

Desta disparidade de referências podia ter nascido apenas uma manta de retalhos, mas Amir, o álbum de estreia, de 2018, é um tapete de cores e padrões variegados e sedutores que revela uma maturidade inesperada num músico de 22 anos.

[“Persephone”, de Amir]

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