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Canções que falam de canções de amor

São 12 canções que falam de si mesmas ou de outras canções, evitando falar directamente daquilo que toda a gente sabe que querem falar. Aqui, o fingimento é a alma do romance.

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A autorreferência é um mecanismo relativamente banal na arte. Por exemplo, poemas que se queixam de como as palavras não lhes bastam para dizerem tudo o que precisam dizer, é mato. Nos textos cantados é especialmente frequente encontrar esse tipo de truque estilístico, em particular em canções que se põem a falar sobre canções de amor para, de forma mais ou menos discreta, fingirem que não são elas próprias canções de amor, bajoujas e piegas como todas as canções de amor devem ser.

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Canções que falam de canções de amor

1. “Book of Love”, Magnetic Fields

Stephin Merritt terá dito sobre 69 Love Songs (1999), o monumento lo-fi que ele e os seus Magnetic Fields erigiram à arte de cantar o amor, que este não era de todo um álbum sobre o amor, mas antes um álbum sobre canções de amor. Se o levássemos à letra, teríamos aqui, portanto, 69 exemplares perfeitos para esta lista. Mas concentremo-nos neste “Book of Love”, que se assume como uma tentativa de sinopse da longa e enfadonha enciclopédia de todas as demonstrações de paixão. O resultado é uma comovente ode ao amor, sublimando por igual os seus insondáveis mistérios e a sua gloriosa banalidade.

“The book of love has music in it / In fact that's where music comes from / Some of it's just transcendental / Some of it's just really dumb.”

2. “Songs of Love”, The Divine Comedy

Aqui, Neil Hannon escreve sobre canções de amor sem falar do sentimento em si. Em “Songs of Love” (Casanova, 1996), um narrador entediado com a atitude pubescente e alienada de uma tribo de gente que vagueia pelas ruas em busca de prazer imediato, contrapõe a sua escolha de permanecer sossegado no seu canto, uns andares acima, a compor canções de amor. Dito assim, pode soar apenas a um sermão pretensioso de um party pooper. Mas na realidade o que o homem dos Divine Comedy faz é criar um hino à alegria de viver com poesia na cabeça, música nos ouvidos e os olhos abertos para o mundo. E, com isso, escreve uma espécie de carta de amor ao amor, sem outro destinatário certo.

“So let's sing while we still can / While the song hangs high up above / Wonderful songs of love”.

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3. “Silly Love Songs”, Paul McCartney & Wings

Fernando Pessoa garantiu-nos que todas as cartas de amor são fatalmente ridículas. Paul McCartney propõe mais ou menos a mesma tese para as canções de amor. Vai daí, para exaltar a piroseira dos cantos de amor, tenta compor o mais piroso de todos eles. E chega lá perto. “Silly Love Songs” é uma espécie de meta-”Love Me Do”, uma canção lamechas que reflecte sobre a sua própria lamechice e, de caminho, declara o seu amor a alguém da forma mais lamechas possível. Está guardada no álbum At The Speed of Sound, dos Wings, de 1976.

“You'd think that people would have had enough of silly love songs / But I look around me and I see it isn't so, oh no / Some people wanna fill the world with silly love songs / What’s wrong with that?”.

4. “Your Song”, Elton John

Reza a lenda que bastou o tempo do pequeno-almoço para que esta canção fosse concebida. Bernie Taupin escreveu o texto à mesa (a folha original, conta ele, ainda tem nódoas de café) e Elton John demorou 20 minutos a colocar-lhe música. Foi há pouco mais de 50 anos e esta acabaria por ser a primeira canção da dupla a trepar aos tops (está no álbum Elton John, de 1970, o segundo do músico nascido Reginald Kenneth Dwight). Escrito com uma candura desarmante (Taupin era então um rapazinho de 17 anos), o texto vai perorando sobre as várias formas de arte com que o narrador gostaria de expressar o seu amor, assim tivesse talento para isso. Conclui que apenas tem jeito para a música e por isso fez esta singela canção (“my gift is my song and this one’s for you”) que acabou eternizada no Grammy All of Fame.

“And you can tell everybody / This is your song / It may be quite simple, but now that it's done / I hope you don't mind / That I put down in the words / How wonderful life is while you're in the world.”

Curiosidade: a canção “We All Fall In Love Sometimes” (do álbum Captain Fantastic & The Brown Dirt Cowboy, 1975) fala sobre a composição de “Your Song”. O que significa que existe uma canção a falar sobre uma canção que fala sobre outra canção de amor. Mas isso é capaz de já ser rebuscado.

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5. “A Song For You”, Leon Russell

Eis uma canção que tem pelo menos 179 covers recenseados no portal AllMusic (contámos à unha, pode ter escapado algum) e o mais provável é que a maioria dos estimados ouvintes a associe à versão definitiva que valeu a Ray Charles um Grammy em 1994. Acrescente-se que também merece ser escutada nas versões de Jaye P. Morgan (1971), Donny Hathaway (1971), The Carpenters (1972), Willie Nelson (1973), The Temptations (1975), Herbie Hancock com Christina Aguilera (2005), Simply Red (2005), Amy Winehouse (2011) ou até numa versão italiana e meio erótica de Mina (“Quasi Come Musica”, 1975), todas elas com comprovadas propriedades afrodisíacas. O original, porém, pertence a Leon Russell e está guardado no seu álbum homónimo e de estreia, de 1970. É umas das mais famosas canções autorreferenciais de amor e desde 2018 que também repousa no Grammy Hall of Fame.

“I've been so many places in my life and time / I've sung a lot of songs / I've made some bad rhymes / I've acted out my life in stages / With ten thousand people watching / But we're alone now / And I'm singing this song to you.”

6. “Chanson d’Amour”, Manhattan Transfer

Aqui não vamos pelo original. A canção foi composta em 1958 por Wayne Shanklin e originalmente gravada pela dupla Artie & Dottie Todd, mas só 20 anos mais tarde conheceu êxito com a versão dos Manhattan Transfer.  Incluída no álbum Coming Out, de 1976, alcançou o primeiro lugar na tabela de singles do Reino Unido. É uma chanson d’amour em que o narrador confessa que fica mais e mais eivado de amour a cada vez que escuta uma certa chanson de amour. E é isto, com a graça de ser cantado ao estilo Edith Piaf.

“Chanson d'amour (ra da da da da) / Je t'adore / Each time I hear (ra da da da da) / Chanson, chanson d'amour”.

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7. “Song for Whoever”, Beautiful South

Quando os Housemartins se separaram em 1989, Dave Hemingway, o baterista, e Paul Heaton, a voz e principal compositor da banda, seguiram juntos como os Beautiful South. E é deles a entrada mais cínica desta lista. Eis uma canção que fala sobre o valor catártico de escrever canções de amor, sem descurar a importância financeira da coisa. O narrador canta para todos os amores que serviram de inspiração às suas toadas românticas (“Oh Shirley, oh Deborah, oh Julie, oh Jane / I wrote so many songs about you / I forget your name”), e a todos eles agradece, do fundo do coração, nunca lhe terem deixado ver o fundo à carteira (“Oh Cathy, oh Alison, oh Phillipa, oh Sue / You made me so much money / I wrote this song for you.”). E mais pede que, em nome de novos êxitos e de futuros royalties: “Deep so deep / The number one I hope to reap / Depends upon the tears you weep / so cry, lovey, cry”.

8. “Sung Song Blue”, Neil Diamond

Esta não é bem uma canção de amor a falar de canções de amor. É uma canção que fala da capacidade que uma canção tem de nos fazer sobreviver às tristezas do amor. Pertence a Neil Diamond, profícuo cantautor, tão conhecido por dezenas de hit singles popularizados na sua voz como desconhecido por uma catrefada de outros que muita gente nem se lembra que são seus. Não será o caso desta canção (apesar de também ter sido gravada por gente como Sinatra), que na voz de Diamond acampou uma semana inteira na posição máxima do Billboard Hot 100, em Julho de 1972. Faz parte do álbum Moods, e é assumidamente inspirada no segundo andamento do Concerto para Piano n.º 21 de Mozart. Ora escute e veja lá se não é.

“Me and you are subject to the blues now and then / But when you take the blues and make a song / You sing them out again”.

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9. “Sexto Andar”, Clã

Também aqui não se pode dizer que a canção fala especificamente de uma canção de amor. Sabemos que uma tal canção passou no rádio e “encontrou no sexto andar / alguém que julgou / que era para si / em particular / que a canção estava a falar.” Sabemos também que essa dita canção trouxe “um sopro, um calafrio / raio de sol num refrão / um nexo enchendo o vazio.” É-nos dito ainda que “quando a canção morreu / na frágil onda do ar / ninguém soube o que ela deu / o que ninguém / estava lá para dar”. Perante estas evidências, a nossa aposta é que no sexto andar habitava alguém enfermo de um valente desgosto de amor. Mas é apenas uma suposição. A única certeza é a de que estamos perante mais uma pérola de uma das melhores bandas portuguesas de sempre. Está guardada em Cintura, de 2007.

10. “Já Não Há Canções de Amor”, Rui Veloso

Prosseguimos em português com um toque de nostalgia. Há mais de 20 anos, Rui Veloso já se queixava de que não havia canções de amor como antigamente, por não haver quem acredite. Ora, não é crível que o homem a quem o rock português insistentemente tem pedido um teste de paternidade achasse mesmo que a canção de amor estava morta. Na verdade, tudo não passa de um artifício montado pelo inevitável Carlos Tê, que nos explica que, sempre que um amor nos morre, é preciso atravessar um deserto. E que, no lado de lá, há-de haver qualquer coisa nova. Está no álbum Lado Lunar, de 1995.

“Vou investigar o caso / Com o máximo rigor / Tirar a limpo a verdade / Que há nas canções de amor / Vou saber se ainda é possível / Escrever canções de amor.”

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11. “As Melhores Canções de Amor”, André Henriques

Agora uma canção que tanto podia figurar nesta lista como noutra, que eventualmente nos desse na gana produzir, sobre canções humildes. André Henriques começa por introduzir um tópico retórico de modéstia, reconhecendo que “as melhores canções de amor / já foram escritas / verso limpo, regular / palavras eruditas”, e que, embora ele quisesse escrever uma nova canção sobre a paixão que o trouxe até à guitarra, acha que não tem talento para tanto. Ora, como diriam os ingleses, isto é fishing for compliments. O rapaz dos Linda Martini sabe perfeitamente que acaba de fazer uma bonita canção de amor, de verso limpo e regular, felizmente sem palavras eruditas, mas com belíssimos piropos: “As melhores canções de amor / São as mais tristes / Se não choro no refrão / Nem vale a pena / Mas tu fazes-me sorrir / Olha que mau jeito / Para nos cantar a nós / Tu precisas de um defeito”. Está em Cajarana, de 2020, o seu primeiro álbum a solo.

12. “Qualquer Canção”, Chico Buarque

Por falar em tópicos retóricos, melhor enxertar já aqui um e dizer que quando se trata de falar Chico Buarque, o bom senso aconselha à economia de palavras. Esta canção é de 1980 e está no álbum Vida. Explica-nos como as canções não curam o desamor, mas sempre ajudam a sobreviver-lhe, e podem até ajudar a brotar um novo amor mais cedo do se poderia imaginar

“Qualquer canção de dor / Não basta a um sofredor / Nem cerze um coração rasgado / Porém ainda é melhor / Sofrer em dó menor / Do que você sofrer / Calado”. É Chico. Ponto.

Música para os seus ouvidos

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Ah, as manhãs. Esse pedaço de discórdia da humanidade, ora pendendo para os que de nós acordam em euforia ora pendendo para os que odeiam tudo no começo do novo dia. Mas não se inquiete porque, ao contrário dos nossos antepassados, temos muitas e boas soluções musicais para superar a pior das manhãs.

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Por mais anos que passem, os concertos no banho continuarão a ser fenómenos. Isto porque, se pensar bem, há poucas coisas mais hilariantes do que aquele mini concerto à porta fechada que todas as manhãs – ou tardes ou noites, somos inclusivos nos horários – acontece sem pudores.

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