Filme, Cinema, Comédia, David Brent: Life on the Road (2016)
©DRDavid Brent: Life on the Road de Ricky Gervais
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Dez grandes músicas para rir

Há poucas coisas mais contagiosas que a música e o riso. Juntos, são capazes de contaminar o dia mais sisudo. Em tempo de confinamento, isolamos algumas das estirpes mais eficazes.

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Muito haveria a dizer sobre os elementos humorísticos que se podem encontrar na composição musical. Um timbre mais exótico, um som disparatado, uma incongruência na melodia, uma surpresa no arranjo – são muitos os recursos capazes de enxertar galhofa numa pauta. Depois, claro, há a voz e o texto, os dois gatilhos mais rápidos da comédia. Nesta lista, tentámos reunir uma dezena de exemplos de músicas que nos querem fazer rir, esquecendo outras que o conseguem fazer involuntariamente. E acabámos num regabofe de risota e cantoria.

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Dez grandes músicas para rir

1. “Trololo”, Edward Khil

É difícil conter o riso frente a uma bisarma soviética, com voz de barítono e a cremalheira arreganhada, a cantar uma ladainha de la-las, dah-dahs e lolololols. No essencial, é o que há para dizer sobre esta maravilhosa peça nonsense gravada em 1976, depois ressuscitada na era da Internet e tornada viral nos idos de 2010. “Trololo” é cantado por Eduard Anatolyevich Khil (1934–2012), também conhecido como Eduard Khil, cantor russo que chegou a ser condecorado com o Prêmio de Artista do Povo da URSS. Na versão original, este “Trololo” tem letra e chama-se “Я очень рад, ведь я, наконец, возвращаюсь домой” (qualquer coisa como “Estou Muito Feliz por Finalmente Regressar a Casa”).

2. “Living with a Hernia”, Weird Al Yankovic

Aqui, difícil mesmo é escolher. Desde 1983, Weird Al semeou dezenas de músicas humorísticas em 15 álbuns de estúdio, uma generosa parte delas a parodiar grandes sucessos da música pop. “Like a Surgeon” (a zombar de “Like a Virgin”, de Madonna”), “Smells Like Nirvana” (“Smells Like Teen Spirit”), “Eat It” (“Beat It”, Michael Jackson), “Perform This Way” (Born This Way”, Lady Gaga”) ou “Amish Paradise” (“Gangsta’s Paradise”, Coolio e L.V.) são exemplos possíveis. Mas temos um fraquinho por este “Living With a Hernia”, um notável divertimento sobre “Living in America”, de James Brown. Em todos estes casos, o trabalho de sátira vai muito além do texto. Weird Al é um cantor dotado e um farsante camaleónico, capaz de mimetizar os maneirismos de cada músico, e dedica-se a criar réplicas absurdas dos seus videoclipes, baralhando tudo com referências cruzadas da cultura pop norte-americana.

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3. “My Ding-a-Ling”, Chuck Berry

John Lennon disse uma vez que, se o rock'n'roll precisasse de outro nome, podia bem chamar-se Chuck Berry. Foi um pioneiro do género desde inícios dos anos 50, assinou jóias do rock e do rhythm and blues como “Johnny Be Good” ou “You Never Can Tell (C'est la vie)”, foi influência reconhecida e acarinhada por Beatles e Rolling Stones. No entanto, o único tema interpretado por Chuck Berry a alcançar o número um da lendária tabela de singles Billboard Hot 100 foi este, que nem sequer é seu. “My Ding-a-Ling”, composto em 1952 por Dave Bartholomew, foi recuperado por Berry 20 anos depois e tornou-se um sucesso imediato. É um exemplar do irrecusável poder de um humor naïf, de gosto popular, feito de duplos sentidos malandros. O texto fala de um rapazola que gosta muito de brincar com o seu ding-a-ling, brinquedo que consiste de dois sinos pendurados por um fio (“silver bells hanging on a string”), e de como ele procura proteger o dito instrumento de diversão em diferentes situações, durante uma queda ou quando nada em águas perigosas. Uma risota pegada.

4. “Mah Na Mah Na”, Piero Umiliani

Foi originalmente composta por Piero Umiliani para o pseudo-documentário Svezia, Inferno e Paradiso, que em 1968 oferecia aos italianos um olhar abelhudo sobre a invejável vida sexual dos suecos. Sabendo isso, torna-se mais fácil explicar o tom maroto que sempre se pressentiu naquele diálogo entre entre a voz grave do ponto (“Mahna Mahna…) e o coro feminino que lhe responde (“Do doo be-do-do…”), e que de resto a tornou perfeita para ser mais tarde usada em The Benny Hill Show. Mas "Mah-Na Mah-Na" passaria à posteridade como um dos mais celebrados sketches de sempre de Os Marretas e uma das músicas mais famosas entre a abastada banda sonora da série criada por Jim Henson. A estreia na voz de um marreta aconteceu logo em 1969, num episódio da Rua Sésamo, e ganhou a versão definitiva no episódio de estreia de The Muppet Show, em 1976.

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5. “Valse au Beurre Blanc”, Ed Motta

Não sabemos até que ponto Ed Motta nos quis pôr a rir com este encantador divertimento musical, mas o efeito cómico de toda a composição é contagioso. “Valse au Beurre Blanc” encontra-se entre os 14 temas de Dwitza, de 2002, um dos melhores álbuns na carreira deste cometa brasileiro que muitos apreciavam mais quando se dedicava a fazer uma música mais pop e era referido pelo parentesco “sobrinho do Tim Maya” (de quem assumidamente herdou influências). Motta é um compositor cerebral e, neste disco pouco unânime entre a crítica, cozinha influências jazz e soul, funk e rock progressivo, com várias referências eruditas. Em algumas faixas substitui os textos por vocalizações que mimetizam os sons de uma língua estrangeira. Na maioria dos casos deixando-nos com a sensação de que estamos a ouvir cantar num inglês meio chunga ou, como acontece pontualmente neste “Valse au Beurre Blanc”, num francês muito pomposo. A verdade, porém, é que nem uma só palavra é dita e de repente descobrimos nisso um poderoso elemento de paródia. Juntem-se as vozes líricas de um barítono a balir e de uma soprano com afrontamentos e temos o baile armado.

6. “There Ain't But One Way (Kickin' Ass)”, Hugh Laurie & Stephen Fry

Tivesse sido gravada 30 anos mais tarde, e poderia bem passar por uma caricatura da turba cavernícola que trepou as escadas do Capitólio a 6 de Janeiro de 2021. “There Ain't But One Way” traz-nos Hugh Laurie e Stephen Fry vestidos a rigor como dois irmãos rednecks, patriotas inflamados à boa maneira sulista, que nos explicam que há uma e só uma forma de lidar com todos os grandes problemas deste mundo, desde o buraco do ozono à fome no terceiro mundo. A saber: “kick some ass”. A canção fica por conta de Laurie, que toca e canta guitarra, enquanto Fry interpreta o irmão que sofre de problemas mentais (sequela de um infortunado acidente musical”) e se limita a gritar “yee-hah” e a repetir "kickin' AY-ass!", ligeiramente fora de tempo. É uma das melhores peças de uma longa colectânea que Hugh Laurie, actor de afamadas virtudes musicais, foi semeando nos 26 episódios de A Bit of Fry and Laurie, belíssima série de humor que a dupla escreveu e interpretou entre 1989 e 1995.

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7. “Please Don't Make Fun Of The Disableds”, David Brent (Ricky Gervais)

Ricky Gervais é especialista naquele humor de embaraço, que primeiro nos aflige com vergonha alheia e só depois nos permite o alívio do riso (em alguns casos, apenas para nos penitenciarmos em seguida por rir de alguma coisa de que não é bonito rir). Acontece que Gervais é também um belo exemplar de uma ilustre linhagem britânica de comediantes fadados para a música (Eric Idle, Hugh Laurie, apenas para citar outros convocados nesta lista). Por diversas ocasiões, vimos isso através de David Brent, o inefável chefe em The Office, que ocasionalmente se vende junto da sua equipa como um compositor prendado. Essa faceta do personagem seria mais tarde explorada em David Brent: A Life on the Road, filme de 2016 que nos mostra Brent a tentar afirmar-se no mundo da música. Traz 15 canções originais compostas por Gervais, com textos sempre a jogar no limite, capazes de encabular até uma besta desprovida de qualquer sensibilidade. “Please Don't Make Fun Of The Disableds” será o exemplo extremo. Uma sátira sobre o poder devastador da falta de noção e a prova de que o inferno pode mesmo encher-se de boas intenções.

8. “Jesus Thinks You're A Jerk”, Frank Zappa

O humor é um traço constante nas letras de Frank Zappa e o título do seu álbum de 1985 Does Humor Belong in Music? deve ser visto como uma pergunta retórica. A primeira coisa que é preciso considerar quando falamos de Frank Zappa, porém, é que ele é acima de tudo um compositor. O centro da sua obra é composta para ser tocada ao vivo com um rigor obstinado pelo que está escrito, mesmo que não seja suposto olhar para a pauta. A ideia é ensaiar compulsivamente até que a banda seja capaz de tocar sem pensar nisso e a liberdade de cada músico fica confinada a momentos de improviso perfeitamente delimitados. O resultado é um fenómeno musical absolutamente genial para que nem toda a gente tem paciência. Quanto aos textos, a marca de água é realmente o humor, sempre provocador, normalmente com um pendor de crítica social, cheio de absurdos e frequentes obscenidades. A escolha não é fácil, desde logo pela extensão do repertório (foram 57 álbuns editados em vida, mais 23 póstumos). Mas optamos por este “Jesus Thinks You're A Jerk”, retirado de Broadway the Hard Way, álbum ao vivo de 1988. Uma paródia sobre a idiotia religiosa e o tele-evangelismo dos anos 80.
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9. “We Love Sheep”, Eric Idle

O património musical criado por Eric Idle para os Monty Python merece toda uma imensa lista à parte (lá iremos mais tarde). Este é um entre muitos destaques possíveis e foi um dos pontos altos das celebrações do 40.º aniversário do grupo. Em Outubro de 2009, foi gravada ao vivo no Royal Albert Hall a versão completa da oratória Not The Messiah (He's a Very Naughty Boy), estreada dois anos antes no Festival de Artes de Toronto. Composta por Idle e John Du Prez, colaborador de longa data do grupo, a peça foi resultado de uma encomenda do festival canadiano e inspirou-se em A Vida de Brian para fazer um pastiche musicalmente absurdo de O Messias, de George Friedrich Haendel. "Uma obra de baroque 'n' roll", nas palavras de Idle. Mais que isso, uma palermice blasfema em grande escala, que reuniu os Python em palco com a Orquestra Sinfónica e o Coro da BBC, mais duas mãos cheias de músicos convidados. São 90 minutos de puro gozo musical, dos quais destacamos este delicioso “We Love Sheep”, releitura da peça coral “All We Like Sheep Have Gone Astray”.

10. “Gloria Hosanna That's the Question”, Les Luthiers

Se os Monty Python se dedicassem apenas a fazer música e só falassem castelhano, provavelmente chamar-se-iam Les Luthiers. O grupo formou-se em 1967 em Buenos Aires, é um fenómeno de popularidade transversal a muitas gerações em tudo quanto são países de língua oficial espanhola, esgotam noites seguidas de salas apinhadas com meses de antecedência, e em 2011 receberam o Prémio Príncipe das Astúrias. Ainda assim, permanecem quase desconhecidos por cá. São compostos por um sexteto de músicos notáveis, com um dom especial para o stand-up e uma piada dos diabos. Do seu prolífico repertório, escolhemos este “Gloria Hosanna That's the Question”, creditado a Johann Sebastian Mastropiero, o mais famoso entre os personagens ficcionais que o grupo inventou (seguido, talvez, por Günther Frager, outro compositor ficcional que acusa o primeiro de plágio). Hossana, o grito de louvor ou adoração feito em reconhecimento do Messias, transforma-se aqui numa sucessão absurda de termos desconexos em latim (“Gloria, superavit, gloria / Referendum, gloria / Sui generis, gloria, gloria”). Abençoados sejam.

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