Márcia tem aquele talento – mais raro do que se supõe – de partir da sua intimidade para criar objectos de valor universal. E ao quarto álbum, a escritora de canções expõe-se mais do que o costume.
Rosa é o quinto disco de Luísa Sobral, mas o primeiro depois de “Amar pelos Dois”, a canção que escreveu para o irmão Salvador, ter vencido a Eurovisão. Ligámos-lhe para saber como é que isso afectou o álbum e a sua vida. Spoiler: não mudou grande coisa.
Como é ser, parafraseando Marcelo Rebelo de Sousa, uma das embaixadoras mais qualificadas e eficientes de Portugal?
Não me sinto nada assim. Quanto muito sinto que todos os músicos que vão tocar lá fora são embaixadores da música e da cultura portuguesas. E nem é só os músicos. Todos nós somos embaixadores do nosso país quando saímos daqui, porque acabamos sempre por mostrar alguma coisa aos outros. Mas é só isso.
Este é o primeiro álbum que lanças desde que a “Amar Pelos Dois” ganhou a Eurovisão. Mudou alguma coisa?
A única coisa que mudou foi que recebi vários convites para compor para outras pessoas. Portanto, ao contrário dos outros discos, que fui compondo em tournée, desta vez não consegui fazer nada para mim nesses momentos, porque estive sempre a escrever para outras pessoas. Então só comecei a compor mesmo quando já queria gravar o disco, e isso nunca me tinha acontecido antes.
Foi difícil fazer as coisas assim, mais à pressa?
Não. Eu trabalho muito bem sob pressão. É pior quando tenho muito tempo para escrever. Portanto até acho que foi melhor assim.
Por outro lado, agora quase toda a gente em Portugal sabe quem és e há um interesse maior no que fazes. Essa outra pressão afectou o teu trabalho?
Não. Tenho muita confiança em mim. E tenho confiança que aquela canção, “Amar Pelos Dois”, não é sequer a melhor que já escrevi.
Mas agora há mais gente a falar em ti. O teu primeiro disco saiu em 2011, e de repente uma canção que fizeste para outra pessoa fez de ti uma estrela.
Até já apareces na TV Guia. Isso não muda nada?
Isso foi pior para o meu irmão, que foi quem apareceu mais. Admito que não gosto disso, mas foi tudo muito passageiro, muito rápido. Por isso, nem senti grande diferença. Se calhar há mais gente que me conhece, mas é só isso.
Vamos lá mudar de assunto. Li que o novo álbum foi gravado ao vivo em estúdio. É verdade?
Mais ou menos. Eu e o Raül [Refree] gravámos os dois juntos, numa sala grande. Fomos só nós os dois, três dias de estúdio e poucos takes. Queríamos fazer uma coisa muito verdadeira, quase como um concerto. A última canção, por exemplo, tem as suas imperfeições. Mas foi o take mais sincero para mim e, por isso, ficou.
Então isso quer dizer que os outros instrumentos foram gravados à parte?
Isso foi depois. Nos três primeiros dias estivemos só eu e o Raul com o técnico, em estúdio, a gravar as canções sem sopros. Depois nos outros três dias vieram os sopros e veio o Antonio [Moreno] gravar a percussão.
No single O Melhor Presente cantas sobre os teus filhos. Li que tinhas pensado em não incluí-la no disco “por ser tão pessoal”. Essa canção é assim tão mais pessoal do que o resto?
Tudo é pessoal para mim. Só que esta canção falava dos meus filhos, de uma parte da minha vida que eu tento não expor, porque eu tenho a obsessão de não partilhar a minha vida privada. E era tudo muito nítido. Mas depois comecei a pensar e a verdade é que a partir do momento em que as pessoas ouvem uma canção, ela deixa de ser minha. E entretanto houve mesmo uma senhora que escreveu que a canção era sobre ela e as filhas dela. Ela ouviu e apoderou-se da canção e não há nada mais bonito do que isso. Agora percebo isso.
E porque é que deste o nome da tua filha ao disco?
O disco chama-se Rosa porque durante a gravidez inteira fiquei super-rouca. Escrevi as canções todas durante a gravidez, e como estava rouca compus tudo de uma forma que encaixasse na minha voz. Isso condicionou muito. E depois quando fui para estúdio foi com ela, portanto ela fez parte de todos os momentos do disco. Condicionou tudo.
Aliás, estou agora a ouvi-la ao teu lado.
Pois, ela está aqui comigo.
Esperas chegar a mais gente com este álbum?
É sempre algo que quero. E, de facto, acho que pode chegar a mais pessoas, primeiro por ser todo em português, e também por ser mais conhecida agora. E as letras são muito fáceis de acompanhar, são histórias. Mas não é um disco comercial. Não vai tocar nas rádios mais mainstream, apesar de ser muito fácil de ouvir.
Porque decidiste fazer este disco todo em português?
Foi natural. Como comecei a compor para outras pessoas, sempre em português, comecei a apaixonar-me cada vez mais pela língua e a ter mais vontade de escrever nela. De tal maneira que agora não tenho sequer vontade de escrever em inglês. Isto não quer dizer que não me apeteça para o ano, mas por agora quero cada vez mais escrever em português.