Como é que se lembraram de fazer um concerto juntos?
Sérgio: Queríamos qualquer coisa juntos de mais consistente.
Jorge: De raiz.
S: Já tínhamos entrado no quintal um do outro várias vezes. N'O Irmão do Meio ele está presente, eu toquei no “Na Terra dos Sonhos” com ele. Já o convidei e ele já me convidou para concertos.
J: Aniversários...
S: Baptizados...
J: Até funerais...
S: E somos muito amigos, isso é indiscutível. Desde há muitos anos.
J: Aquela amizade que não exige almoçar todas as semanas. Há uma cumplicidade, de facto. Eu ando a seduzir este gajo há 40 anos. Ainda ele não me conhecia.
S: “Há 40 anos a seduzir o Sérgio”. É um slogan, não é?
J: Estou farto de contar isto, mas quando fui para a Dinamarca, antes do 25 de Abril, por causa da tropa e da guerra, já tinha ouvido os dois primeiros discos do Sérgio. E quando em Copenhaga sou convidado para ir à rádio cantar as minhas coisas, uma das canções foi a “Pode alguém ser quem não é?”, do Sérgio. E só nos encontrámos já depois do 25 de Abril.
Foi uma versão não autorizada, portanto. O Sérgio já recebeu direitos por isso?
J: Huh... vou pagando em géneros. O Sérgio e o Zé Mário [Branco], na altura, tinham uma maneira de cantar em português que eu nunca tinha ouvido. Tinha muito mais a ver com as minhas raízes.
S: É que as minhas raízes também se misturam muito com as raízes folk-rock, com a canção francesa da altura e também com certas coisas da música brasileira, que pega na palavra de uma maneira diferente. Se o Bob Dylan não tivesse existido eu também não comporia da mesma maneira.
J: E o Paul Simon, o Neil Young, o James Taylor... Depois eu apaixono-me pelo Brel, sobretudo, e o Ferrer.
S: Vi o Brel ao vivo na altura em que ele estava no top, quando fui para Genebra, tinha eu 21 anos.
J: Adorava ter visto.
S: Era uma bomba, não era? Ele entrava no palco a correr.
J: O gajo tinha um saco de boxe no camarim.
S: Tinha, era para aquecer.
Vocês nunca tiveram nada do género? Sacos de boxe?
S: Não, foram outros sacos.
J: Não. Uns matraquilhos, às vezes.
Nunca tiveram um ritual desses?
S: O único que tenho, que nem é ritual, é ser incapaz de ir para o palco exactamente com a roupa que trago no dia-a-dia. Não quer dizer que seja diferente, é ser uma alternativa.
J: Eu já cheguei tão atrasado que fui como estava.
S: Também não se pode chamar a isto ritual, é só porque há uma transformação da persona. Em palco, no fundo, somos nós, mas não somos exactamente nós.
Como é que escolheram as canções que andam a cantar?
J: Houve um consenso implícito. Há canções minhas que não ia meter o Sérgio a cantar.
S: E vice-versa. Muitas delas foram escolhidas porque há um universo comum, baseei-me muito no conceito da errância. No repertório dele encontro correspondências com as minhas próprias canções... Tens a palavra “encruzilhada”, que o Jorge usa, que eu uso também.
J: O encontro, desencontro.
S: E também há uma ou outra que está lá propositadamente para o Jorge sair da sua zona de conforto. Como “Os Conquistadores”, que é outro território.
J: Eu não saio da minha zona de conforto. “Lá vais tu, caravela, lá vais” é o tipo de palavra, de frase, de que eu gosto muito.
S: A expressão “zona de conforto” está outra vez livre. Esteve sequestrada desde aquela palermice do Miguel Relvas, quando ele disse que os jovens deviam sair da sua zona de conforto e ir para o estrangeiro, mas agora está outra vez livre. As palavras às vezes são aprisionadas por um acontecimento qualquer.
Quão bem conheciam as canções um do outro?
J: Eu nos espectáculos do Sérgio cantarolo sempre, mas estar a estudá-las é diferente. Deu algum trabalhinho. Há um exemplo que nunca ninguém sabe cantar direito, que é o “Grândola, Vila Morena”. Porque há aquelas voltas, companheira, etc.
S: É circular.
J: Já estive no palco do Coliseu, uma vergonha...
S: Ninguém sabe.
J: Nem o Zeca sabia.
S: Havia alguém que dizia que esse devia ser o hino nacional. E eu pensei “bolas, isso é que ia ser pior, que ninguém ia saber aquelas voltas”. Não é que não merecesse. Eu acho que merecia, mas não resultaria muito bem.