Leonard Bernstein
©Al Ravenna/World Telegram staff photographerLeonard Bernstein
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Nove compositores clássicos que trabalharam para o cinema

De sexta-feira a domingo a Gulbenkian permite ver a III parte de "O Senhor dos Anéis" com banda sonora ao vivo. É ocasião para recordar alguns compositores de renome do universo erudito que puseram o seu talento ao serviço da Sétima Arte

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Nesta lista consideram-se apenas compositores que começaram por conquistar reputação no meio “erudito” e depois estenderam as actividades ao cinema, não aqueles que, embora empregando uma linguagem “sinfónica” clássica, são conhecidos sobretudo como compositores de música de filmes, como é o caso de Bernard Herrmann, Max Steiner, Miklos Rosza, Alfred Newman, Elmer Bernstein, John Williams ou Howard Shore (autor da banda sonora da trilogia O Senhor dos Anéis e de mais 80 filmes).

O Senhor dos Anéis com banda sonora ao vivo, em Lisboa

Projecção de O Regresso do Rei, 3.º capítulo da adaptação cinematográfica de Peter Jackson da saga de J.R.R. Tolkien, com execução ao vivo da banda sonora de Howard Shore pelo Coro & Orquestra Gulbenkian, com direcção de Ludwig Wicki.

Fundação Gulbenkian, sexta-feira 5 e sábado 6, 20.00, e domingo 7, 17.00, 30-60€.

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Nove compositores clássicos que trabalharam para o cinema

Sergei Prokofiev (1891-1953)

Prokofiev tinha reputação bem firmada como compositor vanguardista e uma carreira de sucesso no Ocidente (deixara a Rússia depois da Revolução de 1917) quando foi aliciado a providenciar a banda sonora para O Tenente Kijé (1934), uma inócua comédia soviética tendo por cenário a corte do czar Paulo I. Esta obra marca um recuo em relação à linguagem relativamente “vanguardista” do compositor e é possível que Prokofiev tenha aceitado a encomenda no âmbito da “negociação” com as autoridades soviéticas para o regresso ao país natal – que se concretizaria em 1936. Dois anos depois providenciaria outra banda sonora, também ela banal, para o épico Aleksandr Nevsky (1938), de Sergei Eisenstein, com quem voltaria a colaborar em Ivan, o Terrível (1942-45).

[“Troika”, da banda sonora de O Tenente Kijé, pela Royal Philharmonic Orchestra, com direcção de Anatole Fistoulari (Guild Historical). Nota: esta troika não tem relação com a que, há uns anos, esteve por Portugal a supervisionar o governo da Nação; é a original: um trenó russo puxado por três cavalos]

Arthur Bliss (1891-1975)

No meio musical britânico pós-I Guerra Mundial, Bliss era visto como um compositor ousado, mas a partir de certa altura a sua linguagem deixou de registar progressos, o que, conjugado com a rápida evolução das vanguardas musicais, acabou por retirar-lhe protagonismo. A verdade é que, aos ouvidos de hoje, muita da sua música não se distingue do Romantismo tardio – se exceptuarmos a música de câmara, em que deixou obras mais duradouras – o que ajuda a explicar que seja quase desconhecido fora da Grã-Bretanha.

A sua actividade no cinema iniciou-se com o clássico de ficção científica Things to Come (1934), de William Cameron Menzies, a partir de H.G. Wells. Em 1945 compôs a banda sonora para Caesar and Cleopatra (com Claude Rains e Vivien Leigh nos papéis principais), mas esta seria rejeitada e seria encomendada outra a Georges Auric (ver abaixo), no que foi um dos muitos incidentes de um filme com rodagem e produção atribuladas.

[“Marcha”, da banda sonora de Things to Come, com a Philharmonia Orchestra dirigida pelo próprio compositor]

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Erich Wolfgang Korngold (1897-1957)

Foi uma criança-prodígio e o seu bailado Der Schneeman, composto aos 11 anos, e a sua Sonata para piano, composta aos 13, causaram sensação na sua Áustria natal e pela Europa fora. Aos 19 anos, viu duas óperas suas serem estreadas em Munique sob a batuta de Bruno Walter. As suas óperas e as suas recriações de operetas de Johann Strauss (filho) valeram-lhe o aplauso de Richard Strauss e Puccini. Em 1931 tinha um confortável posto como professor na Academia de Viena mas, em 1934, a combinação da sua ascendência judaica e da ascensão de Hitler ao poder no país vizinho pesou na decisão de aceitar um convite para compor para Hollywood. Estreou-se reorquestrando a música de Mendelssohn em Sonho de uma Noite de Verão (1935) e nunca mais parou. A relutância em compor música para um filme de piratas – Captain Blood (1935) – foi rapidamente superada e nos seis anos seguintes assinaria bandas sonoras para mais nove filmes do mesmo género, sendo o último, O Gavião dos Mares (The Sea Hawk, 1940) a que lhe trouxe mais fama (e um Oscar).

[Tema principal da banda sonora de O Gavião dos Mares, com direcção de André Previn (Deutsche Grammophon)]

Entretanto, a guerra e a barbárie anti-semita tinham tomado conta da Europa, pelo que Korngold acabou por ficar por nos EUA, e aí se manteve mesmo depois de, em 1947, ter deixado as bandas sonoras e regressado à composição de “música séria”.

[Mais dois excertos da banda sonora de O Gavião dos Mares – “Elizabeth and the Monkey” e “The Rose Garden” –, na versão original, com a Warner Bros. Studio Orchestra dirigida pelo próprio compositor]

Georges Auric (1899-1983)

Auric é uma das figuras mais apagadas de “Les Six” (o “Grupo dos Seis”), um grupo de compositores franceses – Durey, Honegger, Milhaud, Poulenc, Tailleferre – de estilos diversos e méritos desiguais, que apenas estavam vinculados pela rejeição das luxuriantes atmosferas do impressionismo e pela atracção gravitacional de Jean Cocteau, o seu “ideólogo”. A obra “erudita” de Auric é hoje pouco tocada e a verdade é que os bailados, músicas de cena e peças para piano que compôs são pouco memoráveis. Se Auric não despareceu hoje do mapa foi graças à música para filmes: estreou-se com Le Sang d’un Poète (1930), de Jean Cocteau, e À Nous la Liberté (1931), de René Clair, e acabaria por concentrar a sua actividade neste domínio, colaborando em clássicos como Orphée (1950), Le Salaire de la Peur (1953), Roman Holiday (1953), Du Rififi Chez les Hommes (1955) ou Lola Montès (1955) e chegando a assinar oito bandas sonoras num só ano.

[Excertos de À Nous la Liberté]

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Aaron Copland (1900-1990)

O americano Aaron Copland já produzira duas das suas partituras mais célebres – El Salon México e o bailado Billy the Kid – quando, em 1939, criou a sua primeira banda sonora, para o documentário The City. Nesse mesmo ano compôs a banda sonora para Of Mice and Men, de Lewis Milestone, a partir do romance homónimo de John Steinbeck, e em 1949 providenciou a música para The Red Pony, também de Milestone e a partir de Steinbeck.

[Tema de abertura da banda sonora de Of Mice and Men]

William Walton (1902-1983)

A recepção à obra de William Walton tem semelhanças com a de Arthur Bliss (ver acima): passou de respeitado e inovador na década de 1930 a antiquado na década de 1950 e raramente é ouvido fora das Ilhas Britânicas, onde a oratória Belshazzar’s Feast, o bailado Façade, as duas sinfonias e a música coral são tidas em apreço.

Compôs 14 bandas sonoras para filmes, em que se destacam três adaptações de Shakespeare realizadas e protagonizadas por Laurence Olivier – Henry V (1944), Hamlet (1948) e Richard III (1955) – e filmes de guerra como Next of Kin (1942), The Foreman Went to France (1942) e, sobretudo, The First of the Few (1942), realizado e protagonizado por Leslie Howard e tendo por assunto o desenvolvimento do caça Spitfire. Walton extraiu da banda sonora de The First of the Few o Spitfire Prelude & Fugue.

[Spitfire Prelude & Fugue, por The Halle Orchestra, dirigida pelo compositor]

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Aram Khachaturian (1903-1978)

O compositor arménio é conhecido sobretudo pelos bailados – a sua peça mais famosa, a “Dança do Sabre", provém de um deles, Gayane (1942) – mas a parte mais volumosa (não necessariamente a mais substancial) da sua obra são as 25 bandas sonoras para cinema. Khachaturian fez parte dos compositores que, como Shostakovich e Prokofiev, levaram “puxões de orelhas” das autoridades soviéticas por a sua música não se conformar aos padrões do “realismo socialista”. Para estes criadores, fornecer bandas sonoras para filmes que exaltavam os valores da Revolução Bolchevique, o povo soviético e os seus preclaros líderes era não só uma das poucas fontes de rendimentos que não lhe eram vedadas como uma forma de se redimirem dos seus “desvios burgueses” e “contra-revolucionários” e poderem ser reabilitados.

O grave pecado de “formalismo” de que Khachaturian foi acusado em Janeiro de 1948 (sobretudo por causa da sua Sinfonia n.º 3) e que resultou em ser enviado para uma espécie de exílio na Arménia, acabou por ser expiada através das banalíssimas bandas sonoras que compôs para o biopic Vladimir Ilich Lenin (1949) e para A Batalha de Stalingrado (1949), tendo-lhe esta última valido o Prémio Stalin.

[Suíte sinfónica de A Batalha de Stalingrado, pela Orquestra Filarmónica da Arménia]

Dmitri Shostakovich (1906-1975)

Ser um dos mais originais compositores em actividade na URSS valeu a Shostakovich ásperas reprimendas do regime, a primeira em 1936, por causa da ópera Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk, a segunda em 1948, numa ensaboadela geral que também apanhou Prokofiev, Myaskovsky e Khachaturian (ver acima). Encurralado pelas autoridades e sem poder apresentar publicamente as suas criações, Shostakovich teve de sujeitar-se a compor música de circunstância para eventos e comemorações oficiais e bandas sonoras para filmes – produziu um total de 34, o que faz dele o compositor de primeiro plano que mais contribuiu para este género. Claro que, embora o compositor seja de primeiro plano, a música não o é e faz pífia figura ao lado das sinfonias, concertos e quartetos de cordas de Shostakovich.

A colaboração do compositor no cinema começara, todavia, antes das reprimendas oficiais, com a banda sonora para Nova Babilónia (Novy Babylon, 1929), de Grigory Kozintsev e Leonid Trauberg, sobre a Comuna de Paris. Não sendo uma das suas melhores obras, tem uma vitalidade e um humor zombeteiro que dificilmente se detectam em bandas sonoras posteriores.

[Excerto de Nova Babilónia]

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Leonard Bernstein (1918-1990)

Na qualidade de compositor, Bernstein ficou mais conhecido pelos musicais, mas também providenciou música para um dos grandes filmes da década de 1950, Há Lodo no Cais (On the Waterfront, 1954), protagonizado por Marlon Brando e com realização de Elia Kazan. A este devem somar-se as versões cinematográficas dos seus musicais On the Town (1949) e West Side Story (1961).

[Suíte sinfónica extraída da banda sonora de Há Lodo no Cais]

Mais clássica

  • Música
  • Clássica e ópera
A ovina sujeição do nosso mundo hiper-mediatizado ao ritual das “efemérides” tem, no caso da música clássica, a vantagem de, por vezes, permitir chamar a atenção para compositores que não fazem parte da rotina das salas de concertos nem dos hábitos de escuta. Em 2017 assinalaram-se três efemérides que tiveram algum impacto nas edições de discos e que ajudaram a reavaliar o papel decisivo de três nomes fulcrais: Heinrich Isaac (c.1540-1517), Claudio Monteverdi (1567-1643) e Georg Philipp Telemann (1681-1767).
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