Tristão e isolda com a poção,  John William Waterhouse
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Nove grandes duetos de amor na ópera

A definição de ópera de George Bernard Shaw – “um tenor e uma soprano querem ir para a cama, mas são impedidos de o fazer por um barítono” – tem algum fundamento, mas é uma base que permite imensas variações

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Nove grandes duetos de amor na ópera

“Pur ti miro”, de L’Incoronazione di Poppea, de Monteverdi

L’Incoronazione di Poppea (1643) foi uma das primeiras óperas a trocar os enredos da mitologia greco-romana pela história da Antiguidade Clássica – e uma história pouco edificante, por sinal, uma vez que trata da ascensão de Popeia Sabina, esposa de Otão, a consorte de Nero e imperatriz, o que é conseguido à custa do afastamento de Cláudia Octávia, a primeira esposa de Nero, e da nomeação de Otão para governador da pobre e remota Lusitânia. Popeia e Nero surgem como criaturas sem escrúpulos, que não olham a meios para satisfazer os seus caprichos e ambições, mas, contrariando as convenções morais da ópera daquele tempo, o libreto pune os virtuosos e recompensa os canalhas, pelo que a ópera encerra com o dueto “Pur Ti Miro, Pur Ti Godo”, em que Nero e Popeia, superados os obstáculos e descartados os seus legítimos consortes, celebram o seu amor.

[“Pur Ti Miro, Pur Ti Godo”, pela soprano Danielle de Niese (Poppea) e pelo contratenor Philippe Jaroussky (Nerone), com Les Arts Florissants e o maestro William Christie, ao vivo no Teatro Real de Madrid, em 2010 (DVD Virgin/Erato)]

“Io t’Abbraccio”, de Rodelinda, de Handel

Rodelinda, estreada em Londres em 1725, é uma ópera transbordante de belíssimas melodias e apurado sentido dramático. A acção decorre na Lombardia no século VII, que acaba de ser conquistada por Grimoaldo. Não satisfeito em ter privado o infeliz Bertarido do reino, o infame Grimoaldo deita agora olho à sua esposa, Rodelinda, que se crê viúva. Rodelinda evoca a memória do seu amado esposo e resiste aos avanços de Grimoaldo, mas quando este ameaça matar o seu filho, Rodelinda acede em casar com ele. Porém, Rodelinda acaba por descobrir que Bertarido afinal está vivo e os dois abraçam-se apaixonadamente – é então que surge Grimoaldo que ordena aos seus soldados que prendam Bertarido. É neste momento, no final do II Acto, que parece marcar o fim da esperança para o par Bertarido/Rodelinda – ele condenado à morte, ela forçada a casar-se com um homem odioso – que cantam o pungente dueto de despedida “Io t’Abbraccio”.

[“Io t’Abbraccio”, pela soprano Patrizia Ciofi (Rodelinda) e pela mezzo-soprano Joyce DiDonato (Bertarido), com o Complesso Barocco e o maestro Alan Curtis; faz parte do álbum Amor e Gelosia (CD Virgin Classics, agora na Erato)]
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“La ci darem la mano”, de Don Giovanni, de Mozart

O dueto “La ci darem la mano”, do dramma giocoso Don Giovanni (1787), com libreto de Lorenzo da Ponte, é frequentemente citado como um dos mais belos duetos de amor da história da ópera. Se é, do ponto de vista musical, indiscutivelmente soberbo, é legítimo questionar a sinceridade e constância do amor que as duas personagens aqui exprimem: Don Giovanni limita-se a aplicar a Zerlina as estratégias de sedução que emprega com qualquer rabo de saia que lhe apareça pela frente, e a ingénua Zerlina, cuja experiência com homens estava, até aí, circunscrita ao seu noivo Masetto, um rústico camponês, está momentaneamente deslumbrada com a sofisticação e galanteria de um cavalheiro como Don Giovanni.

[“La ci darem la mano”, pela soprano Susanne Mentzer (Zerlina) e pelo barítono Thomas Allen (Don Giovanni), com a Orquestra do Teatro Alla Scala, de Milão, e o maestro Riccardo Muti, 1987]

“Un di, felice, eterea”, de La Traviata, de Verdi

Em 1852, Verdi assistiu em Paris a uma representação de A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas (filho), e logo cogitou em adaptá-la à ópera, que estreou no La Fenice, de Veneza, no ano seguinte. A licenciosidade do libreto fez com que a direcção do teatro impusesse que a acção não decorresse no tempo presente mas “por volta de 1700”. Violetta, uma cortesã de luxo, dá uma festa em casa para celebrar a recuperação da saúde – que rapidamente perceberemos ter sido ilusória – e uma das convidadas traz consigo um amigo, Alfredo Germont. Após um brinde, deverá seguir-se a dança, mas Violetta é travada por uma indisposição e fica para trás; enquanto escrutina a palidez do seu semblante num espelho, Alfredo aproxima-se e faz-lhe uma declaração de amor, confessando que há muito a idolatra, à distância, a que Violetta reage com evasivas, embora, lá no fundo, tenha ficado apaixonada por Alfredo.

[“Un di felice, eterea”, pela soprano Angela Gheorghiu (Violetta) e pelo tenor Frank Lopardo (Alfredo Germont), com a Orquestra da Royal Opera House, Covent Garden, e o maestro Georg Solti, 1994]

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“Nuit d’ivresse”, de Les Troyens, de Berlioz

Transpor para o palco a Eneida nunca seria tarefa fácil e a inclinação de Berlioz para a megalomania também não ajudou, de maneira que, em vida de Berlioz, Les Troyens apenas conheceu uma estreia parcial em 1863 e só foi ouvida na íntegra em 1890.

“Nuit d’ivresse” surge no final do IV acto. Após a queda de Tróia e variadas peripécias, Eneias chegou a Cartago, sob disfarce, mas acabou por ter de revelar a sua identidade para salvar Dido, rainha de Cartago, de uma investida de Iarbas, rei bárbaro que pretende casar-se com ela. A paixão nasce entre Dido e Eneias e ambos se abstraem das suas missões: Dido negligencia o governo do reino, Eneias demora-se por aquela terra, embora saiba que é Itália o seu destino. O dueto “Nuit d’Ivresse” parece prometer amor eterno – “Noite de embriaguez e êxtase infinito! Louro Febo e grandes astros da sua corte, derramai sobre nós o vosso esplendor bendito, flores dos céus, sorri ao amor imortal” – mas é o último momento a dois, pois, na sombra, o idílio dos amantes é espreitado por Mercúrio, que vem lembrar a Eneias as suas obrigações.

[“Nuit d’ivresse”, pela soprano Susan Graham (Didon) e pelo tenor Gregory Kundehe (Énée), com a Orchestre Révolutionnaire et Romantique e o maestro John Eliot Gardiner, em Paris, 2004]

“O Sink Hernieder Nacht der Liebe”, de Tristão e Isolda, de Wagner

O libreto da ópera Tristão e Isolda (estreada em 1865), que adapta uma lenda medieval, é requintadamente tortuoso e sombrio: Tristão foi enviado por Mark, o seu tio e rei da Cornualha, para ir buscar a noiva, Isolda, e descobre que ela é a mulher que, em tempos, tratou, com desvelo e artes mágicas, das suas graves feridas sem saber que ele, Tristão, tinha morto em combate Morold, o seu noivo. Quando Isolda descobre a identidade de Tristão ergue uma espada para o matar, mas, quando ele a olha nos olhos, a determinação fraqueja. Está visto que estão unidos pela paixão e que esta é da variedade mais funesta. Tristão leva Isolda até Mark, mas depois o amor entre eles leva a melhor e, a meio de uma caçada real, Tristão e Isolda têm um encontro secreto – e é aí que cantam o extáctico dueto “O Sink Hernieder Nacht der Liebe” (“Desce, oh noite de amor, traz o esquecimento para que eu viva, acolhe-me no teu seio, liberta-me do mundo”).

[“O Sink Hernieder Nacht der Liebe”, pela soprano Violeta Urmana (Isolda) e o tenor Robert Dean Smith (Tristão), com a Ópera Estatal de Viena, dirigida por Simon Rattle]
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“O Soave Fanciulla”, de La Bohème, de Puccini

O que seria da ópera romântica sem a tuberculose? É ela que sela o destino da sofisticada cortesã Violetta em La Traviata e também é a ela que sucumbe a simples e pura proletária Mimi (ocupa-se do fabrico de flores de papel), de La Bohème (1896). Mas para já tudo vai bem: Mimi bateu à porta de Rodolfo, poeta boémio e sem cheta, para pedir lume, uma vez que a sua vela se apagou, mas o lume que se acende é outro, de que dá testemunho o dueto “O Soave Fanciulla”.



[“O Soave Fanciulla”, pela soprano Renata Scoto (Mimi) e pelo tenor Luciano Pavarotti (Rodolfo), com o Orquestra da Metropolitan Opera de Nova Iorque e o maestro James Levine, 1977]

“Mir Ist die Ehre Widerfahrer”, de O Cavaleiro da Rosa, de Strauss

O Cavaleiro da Rosa (Der Rosenkavalier, 1911) marca uma inflexão na carreira de Richard Strauss: após óperas expressionistas, cruas e sanguinolentas como Salome e Elektra, criou um universo neo-mozartiano feito de elegância aristocrática e contenção.

O conde Octavian, o jovem e ardoroso amante da madura Marschallin, é incumbido de apresentar a proposta de casamento – sob a forma de uma rosa de prata – do grosseiro e canastrão barão Ochs, primo de Marschallin, à cândida e jovem Sophie. Octavian fizera juras de amor eterno a Marschallin, mas assim que os seus olhos pousam em Sophie, a turbação toma conta do seu espírito e as suas certezas são varridas. “Mir Ist die Ehre Widerfahrer” dá conta do coup de foudre entre os dois jovens.

[“Mir Ist die Ehre Widerfahrer”, pela soprano Lucia Popp e pela mezzo-soprano Brigitte Fassbaender (Octavian), com a Bayerisches Staatsorchester e o maestro Carlos Kleiber (DVD Deutsche Grammophon)]

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“Time To Hit the Hay, Cowboy”, de Brokeback Mountain, de Wuorinen

Embora o amor seja o assunto por excelência da ópera, a paixão homossexual raras vezes assoma nos palcos líricos. Britten foi o primeiro compositor de primeiro plano a abordar o tema, ainda que de forma velada ou sublimada, em Billy Budd (1951) e Death in Venice (1973), às quais se juntou, em 2014, Brokeback Mountain, de Charles Wuorinen (n.1938), agora de forma perfeitamente explícita. O libreto é de Annie Proulx a partir de um conto seu, que já tinha dado, em 2005, um premiadíssimo filme de Ang Lee.

“Time To Hit the Hay” não é exactamente um “dueto de amor”, pois Ennis del Mar resiste a admitir a sua homossexualidade e o seu amor por Jack Twist, e também é discutível que seja “grande”, pois Wuorinen não pertence ao campeonato de Handel, Mozart ou Wagner. Mas é ilustrativo dos novos caminhos que a ópera toma no século XXI. 

[“Time To Hit the Hay, Cowboy”, pelo tenor Tom Randle (Jack Twist) e pelo barítono Daniel Okulitch (Ennis del Mar), com a Orquestra Sinfónica de Madrid e o maestro Titus Engel, no Teatro Real de Madrid, 7 de Fevereiro de 2014, nas récitas de estreia de Brokeback Mountain (DVD BelAir)]

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