Nem sempre temos noção de quão pacata tem sido a história desta fracção rectangular da Península Ibérica. Veja-se, por comparação, o caso da Arménia: existiu como reino independente entre os séc. IV e I a.C., mas após a morte do rei Tigran II, o Grande, raramente foi senhora do seu destino, ficando, alternadamente, sob controlo de romanos e partos, depois de bizantinos e sassânidas. Após um período sob domínio persa, foi incorporada no Império Otomano, embora, no final do séc. XIX, o Império Russo, feroz rival dos turcos, conseguisse abocanhar a sua parte oriental. Quando estalou a I Guerra Mundial, turcos e russos ficaram em campos opostos e os nacionalistas arménios começaram a alimentar a esperança de reconquistar a independência. Os turcos, receando que os arménios tomassem partido pelos russos, decidiram cortar o mal pela raiz, eliminando o povo arménio, pela execução de líderes e intelectuais pelo do extermínio da população, através de fuzilamentos em massa e “marchas da morte” no deserto da Síria. Estas atrocidades, que se estenderam entre 1915 e 1917, resultaram em milhão e meio de mortos e em milhões de refugiados, que foram engrossar as já significativas comunidades de arménios expatriados.
Foi numa dessas comunidades da diáspora, em Beirute, que nasceu em 1947 Tigran Mansurian. Quando tinha nove anos, a sua família regressou à Arménia, que, após fugaz período de independência no final da I Guerra Mundial, se tornara numa república da URSS, e foi no conservatório da capital, Yerevan, que fez os seus estudos musicais e se tornou professor. Mansurian é hoje o mais famoso compositorarménio,muito graças às gravações que a ECM tem feito das suas obras – a mais recente, pelo Coro de Câmara da RIAS e pela Orquestra de Câmara de Munique, sob a direcção de Alexander Liebreich, foi a do Requiem (2011), que agora será interpretado por Cecília Rodrigues (soprano), Armando Possante (barítono) e o Coro & Orquestra Gulbenkian, com direcção de Tonu Kaljuste. O evento insere-se nas comemorações do 150.º aniversário do nascimento de outro ilustre arménio: Calouste Gulbenkian (também ele nascido na diáspora, em Istambul).
O Requiem de Mansurian é dominado por uma toada elegíaca, entrecortada por breves trechos agitados e angustiantes, e foi concebido como homenagem às vítimas do genocídio de 1915- 17, um evento cuja ocorrência as autoridades turcas se têm empenhado em negar–e com redobrada veemência desde que Erdogan se convenceu de ser o herdeiro espiritual dos sultões de antanho e de que teria a missão de devolver à Turquia o prestígio e poderio do Império Otomano. Ainda que o termo “genocídio” seja por vezes empregue a despropósito, o milhão e meio de mortos e a forma deliberada e metódica com que as autoridades o planearam não deixa dúvidas à maioria – embora na Turquia seja crime reconhecer a sua existência.
O Requiem é emparelhado, com acerto, com O Lamento de Adão (2009), de Arvo Pärt, uma sombria obra para coro e orquestra em que Adão vê os seus pecados como uma prefiguração dos muitos desmandos que a humanidade viria a cometer. A estreia em disco desta obra, na ECM, em 2012, teve por maestro precisamente Tonu Kaljuste e foi distinguida com um Grammy.