Mozart Jovem
Mozart aos seis anos, por Pietro Antonio Lorenzoni (1721-1782)

Sete obras clássicas compostas por miúdos

Eis alguns exemplos de obras compostas por miúdos sem idade legal para comprar cerveja

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Num cartoon de Calvin & Hobbes, a dupla está a ouvir música e o tigre, lendo a contracapa do LP, informa Calvin de que Mozart teria composto a peça que estão a ouvir aos quatro anos. Calvin fica perplexo e responde que essa foi a idade com que ele tinha aprendido a fazer as suas necessidades na casa de banho.

A forma como o cérebro humano se relaciona com a música é um enigma e uma fonte de prodígios e permite que crianças e adolescentes imaturos nos restantes aspectos da vida sejam capazes de criar obras musicais de sofisticação e profundidade comparáveis às de um compositor adulto.

Sete obras clássicas compostas por miúdos

Sacrae Cantiunculae, de Monteverdi

Ano de composição: 1582
Idade de composição: 15 anos

Claudio Monteverdi (1567-1643) não terá sido o primeiro menino-prodígio da História da Música, mas é o primeiro de que há provas concretas da precocidade. Até ao século XVII, a informação sobre a juventude dos compositores é muito escassa ou nula e a publicação de partituras, um processo complexo e dispendioso, estava reservada a compositores que já detivessem algum prestígio, pelo que é tarefa vã tentar identificar as datas de composição das primeiras obras.

As Sacrae Cantiunculae, uma colecção de breves canções sacras a três vozes sobre as vidas de santos publicada em Cremona em 1582, são um caso excepcional, pois Monteverdi tinha apenas 15 anos, não desempenhava cargo algum e era ainda aluno de Marc’Antonio Ingegneri (c.1535-1592), mestre de capela na catedral de Cremona. Supõe-se que as Sacrae Cantiunculae terão sido favoravelmente acolhidas, pois aos 16 anos Monteverdi publicou uma colecção de Madrigali spirituali a quatro vozes e aos 17 anos, uma colecção de Canzonette a três vozes.

[“Lapidabant Stephanum”, de Sacrae Cantiunculae, por Il Seminario Musicale, com Gérard Lesne (contratenor), Josep Benet (tenor) e Josep Cabré (barítono)]

Minueto em sol maior K.1, de Mozart

Ano de composição: c.1760-61
Idade de composição: 4-5 anos

Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) tinha três anos quando a irmã Nannerl (Maria Anna), então com sete anos, começou a receber aulas de cravo do pai. Wolfgang assistia às aulas e não tardou que também ele começasse a querer pôr as mãos no teclado. Aos quatro-cinco anos começou a inventar as primeiras peças de sua lavra, que tiveram de ser postas em partitura (e, eventualmente corrigidas) pelo pai, Leopold, que as registou no caderno de música de Nannerl. O número de catálogo K.1 foi atribuído a um conjunto de seis peças para cravo muito breves e embora não se saiba qual a sua cronologia exacta, há quem defenda que o Andante em dó maior K.1a poderá ter sido a primeira. Estes primeiros ensaios estão longe de ser uma obra-prima, mas, pouco a pouco, as peças de Wolfgang foram ganhando sofisticação e passou a ser ele mesmo a notá-las (com os borrões e salpicos inevitáveis nas crianças). E, à medida que o talento do filho se foi tornando evidente, Leopold, um reputado violinista e competente compositor, foi deixando de compor.

[Andante em dó maior K.1a]

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Quartetos de cordas n.º 3, de Arriaga

Ano de composição: 1822
Idade de composição: 16 anos

Juan Crisóstomo de Arriaga (1806-26) nasceu em Bilbao, recebeu lições do pai, que era organista, e com três anos já tocava violino. Aos 11 anos já compusera um octeto, aos 13 uma ópera (Los Esclavos Felices), aos 15 uma abertura orquestral, aos 16 três quartetos de cordas (publicados dois anos depois) e um Stabat Mater, aos 17 uma sinfonia. Aos 19 foi levado pela tuberculose. Ficou conhecido como o“Mozart Espanhol”, por ter em comum com o austríaco o génio precoce, a morte na juventude, a data de nascimento de 27 de Janeiro e os dois primeiros nomes próprios (não nos esqueçamos de que o nome completo de Mozart era Johann Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart).

[I andamento do Quarteto de cordas n.º 3, pelo Cuarteto Quiroga, no Espace Saint-Rémy, Bordéus, a 9 de Maio de 2008]

“Gretchen am Spinnrade”, de Schubert

Ano de composição: 1814
Idade de composição: 17 anos

A partir dos seis anos, Franz Schubert (1797-1828) começou a ter aulas de música com o pai, um mestre-escola com alguns conhecimentos musicais, o irmão mais velho. Cedo suplantou a capacidade dos familiares e do organista local para o ensinar. Já adolescente, receberia aulas particulares de Antonio Salieri, em Viena. O primeiro vestígio conhecido da sua actividade como compositor é um Lied, deixado inacabado, datado de 1810. A primeira sinfonia (D.82) foi composta aos 16 anos e revela já surpreendente maturidade. Por esta altura, Schubert já tinha composto dezenas de peças para piano solo, quartetos de cordas, cantatas e obras de música sacra, mas a carreira musical não lhe oferecia grandes perspectivas e parecia fadado a seguir a mesma profissão do pai. Com efeito, exerceu funções de mestre-escola durante dois anos, mas nunca deixou de compor. A sua primeira obra a ser apresentada em público, em 1814, foi a Missa em fá maior (D.105) e a sua primeira obra-prima no domínio do Lied – no qual viria a produzir seis centenas de peças – foi “Gretchen am Spinnrade” (Margarida na roca), composta nesse mesmo ano e publicada como op.2 em 1821. O Lied usa um texto extraído do Fausto de Goethe e representa um momento em que Margarida dia numa roca e medita nas promessas que Fausto lhe fez (o moto continuo na mão direita do piano figura o girar da roca).

[“Gretchen am Spinnrade”, por Jessye Norman (soprano) e Philip Moll (piano), num registo de 1984]

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Concerto para violino em ré menor, de Mendelssohn

Ano de composição: 1822
Idade de composição: 12-13 anos

Quando se fala do Concerto para violino de Felix Mendelssohn (1809-1847), pensa-se inevitavelmente no Concerto op.64, terminado em 1844. Poucos melómanos estarão conscientes de que este é o segundo concerto para violino do compositor. Mendelssohn compusera outro em 1822, na mesma época em que compôs 12 sinfonias para cordas, de cuja existência nem todos os apreciadores das suas cinco sinfonias “de maturidade” estão a par. Mendelssohn não começou a compor tão cedo quanto Mozart, mas as suas obras da pré-adolescência pedem meças aos compositores de renome do seu tempo e nem ele próprio viria a superar as duas obras-primas que compôs aos 16-17 anos, o Octeto de cordas e a abertura Sonho de uma Noite de Verão.

[Excerto do III andamento (Allegro) do Concerto para violino em ré menor, por Patricia Kopatchinskaja (violino) e a Orquestra de Câmara de Saint Paul, num registo de 21 de Novembro de 2014]

Sinfonia em lá maior, de Saint-Saëns

Ano de composição: 1850
Idade de composição: 15 anos

Quando Camille Saint-Saëns (1835-1921) tinha dois anos, a tia, que estava a iniciá-lo ao piano, descobriu que ele tinha ouvido absoluto. Aprendeu a ler e escrever aos três anos, compôs a primeira peça pela mesma altura e aos sete desenrascava-se com o latim. Deu o primeiro concerto aos cinco anos, altura em que começou a estudar a fundo o Don Giovanni, e estreou-se na prestigiada Salle Pleyel, em Paris, aos dez, com o Concerto para piano n.º 15 de Mozart. Quando o público, rendido, pediu um encore o rapazito disse que tocaria uma sonata de Beethoven – a escolha caberia ao público, já que a ele tanto fazia: tinha as 32 sonatas memorizadas. Aos 13 anos entrou para o Conservatório de Paris e entre as obras que aí compôs, por volta dos 15 anos, está a Sinfonia em lá maior e a peça coral Les Djinns.

[I andamento (Poco adagio – Allegro vivace) da Sinfonia em lá maior, pela Orquestra Nacional da ORTF, dirigida por Jean Martinon (EMI/Warner)]

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Quatre Chansons Françaises, de Britten

Ano de composição: 1928
Idade de composição: 14 anos

Benjamin Britten (1913-1976) recebeu as primeiras lições de piano da sua mãe e fez as primeiras tentativas de composição aos cinco anos de idade. Aos 13 anos foi apresentado ao compositor Frank Bridge, que se ofereceu para lhe dar lições particulares e foi nos anos de estudo com Bridge (a quem mais tarde dedicaria as Variações Sobre um Tema de Frank Bridge) que compôs o Quarteto de cordas em fá maior e as Quatre Chansons Françaises, para soprano e orquestra. A escolha dos poemas – Victor Hugo (“Nuits de Juin” e “L’Enfance”) e Verlaine (“Sagesse” e “Chanson d’Automne”) – revela uma maturidade surpreendente e a sofisticação da música, com podem ouvir-se afinidades com Debussy, rivaliza com qualquer obra dos melhores compositores então no activo.

[“Chanson d’Automne”, das Quatre Chansons Françaises, por Anna Maria Sarra (soprano) e a Orquestra do Teatro La Fenice, dirigida por Jonathan Webb]

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