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Por que razão os chafarizes monumentais de Lisboa, ligados ao sistema do Aqueduto das Águas Livres e que foram as bases de abastecimento de água da cidade durante décadas, deixaram de nos servir? Disfuncionais, vandalizados, sujos ou partidos, uma vez sem água, passaram a ser assumidos como monumentos, até que diferentes movimentos vieram a público quebrar o conformismo. Numa acção de protesto original, a 7 de Abril, o grupo Infraestrutura Pública foi um deles, ao encenar a inauguração do Chafariz do Intendente, com o ex-jornalista do Público, Vítor Belanciano, no papel do presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Carlos Moedas. Do discurso fizeram parte as seguintes palavras: “Este chafariz, há demasiado tempo fechado, volta agora a fornecer água aos seus cidadãos. Porque a água é um direito e não um negócio. E, por isso, os dias da indústria da água engarrafada, que em nada ajuda esta desgraça climática, acabaram. A partir de hoje o sol brilhará e as fontes escorrerão.”
A água ainda não corre em todas as bicas da arquitectura monumental lisboeta, mas já regressou a mais de metade do conjunto de 20 chafarizes que constam do protocolo de conservação e reabilitação destes equipamentos, assinado em 2020 entre a EPAL e a CML. Curiosamente, o Chafariz do Intendente (ou do Desterro) foi um dos 11 alvos de reabilitação no município, mas quem por lá passar agora, em plena Avenida Almirante Reis, pode pressionar os botões das torneiras que dali água não sairá. Questionada pela Time Out, a EPAL explica que, já depois de uma intervenção recente, "o Chafariz do Intendente tem vindo a ser alvo de vandalismo, sistematicamente, verificando-se na maioria das vezes o furto das torneiras instaladas". "A retirada violenta das torneiras", prossegue a empresa, "danifica a canalização, deixando a água a correr até que seja feito o corte de água ao circuito de abastecimento e a sua reparação". E o Intendente não é caso único. "Os vários equipamentos patrimoniais intervencionados têm sido alvo de acções de vandalismo que provocam inúmeros danos por vezes irreversíveis e com custos expressivos associados", acrescenta a mesma entidade.
A par dos imprevistos, também o processo de reabilitação tem sofrido atrasos. Como criticou há mais de um ano o Fórum Cidadania Lx, o Chafariz do Arco de São Mamede, vandalizado em 2014 e que deveria estar de cara lavada em 2021, logo a seguir à assinatura do protocolo, ainda em 2023 mostrava aos vizinhos o seu ar de abandono. Tanto este equipamento como o do Largo do Carmo, por exemplo, estavam num “estado lastimável” em 2023, denunciava o mesmo movimento. Noutra ponta da cidade, menos visível e turística, os chafarizes da Buraca (Benfica) e o de Santo António da Convalescença (São Domingos de Benfica) mantêm-se pontos secos à passagem, mas tudo aponta para que em 2025 ganhem nova vida. O balanço é este: dos 20 chafarizes listados no protocolo de 2020, 11 foram alvo de reabilitação e nove têm-na prevista para o próximo ano, estima a EPAL. Nem todos, no entanto, trarão água potável à cidade.
Desta água não beberei
Depois de o aqueduto ter deixado de funcionar, em 1973, muitos dos chafarizes de Lisboa foram alvo de vandalismo, destruindo-se estruturas ou deixando-lhes marcas de graffiti. Ao mesmo tempo, os sistemas degradaram-se. Mas a água, essa, sempre se quis. Se hoje andamos entre garrafas de plástico e térmicas de metal? Andamos. No entanto, são cada vez mais os movimentos e as políticas em diferentes cidades europeias de defesa da água pública e pela recuperação do seu uso quotidiano, para beber, para nos refrescarmos e para brincarmos com ela. As cidades italianas são talvez um dos maiores exemplos disso, mas também em França ou Espanha as fontes públicas são consideradas essenciais na resiliência das populações urbanas perante o aumento das temperaturas.
Entre os séculos XVIII e XX, era nos chafarizes monumentais que a população lisboeta, das famílias às quintas, se abastecia e, a partir da construção do aqueduto (que terminou em 1799), cada cidadão passou a aceder a mais do dobro da água que tinha disponível até então. Uns mais do que outros.
Consta, por exemplo, que há uma passagem subterrânea entre o Palácio Pombal (onde viveu ele mesmo, Marquês de Pombal) e o chafariz em frente, na Rua de O Século, Bairro Alto, um dos 11 reabilitados nos últimos anos. Em 1780, o homem da grande reformulação lisboeta foi acusado de desviar água para a sua propriedade. Hoje, quem for às bicas, novamente com água a correr, da Rua de O Século não pode, no entanto, bebê-la. À Time Out a EPAL explica que a maioria dos chafarizes monumentais reabilitados “está apta” a disponibilizar água potável. Mas a operação não foi possível em todos, por limitações das estruturas originais, projectadas “para abastecer cântaros e bilhas de água, numa altura em que não existia abastecimento domiciliário”, lembra a empresa.
Dos 11 chafarizes devolvidos a Lisboa, o da Rua de O Século fica de fora das possibilidades de consumo e outros três gozam de um sistema misto — o do Rato, o de São Paulo e o da Praça das Flores —, com “uma zona adequada ao consumo e outra com função ornamental através de um sistema de recirculação de água”. Permanecem, nestes casos, “a forte presença estética, arquitectónica, histórica e patrimonial das infra-estruturas hidráulicas na envolvente urbana, conferindo às mesmas a presença do elemento água no sentido de enriquecer a função ornamental dos equipamentos, bem como facultar à cidade a presença de um microclima hídrico”. Sobram, já intervencionados, o do Arco de São Mamede, o do Arco do Carvalhão, o do Campo de Santana, o da Esperança, o das Garridas, o do Intendente e o das Terras.
Dos nove chafarizes por reabilitar (o da Armada, da Buraca, do Carmo, de Entrecampos, das Janelas Verdes, de Santo António da Convalescença, de São Domingos de Benfica, de São Sebastião da Pedreira e o da Mãe d’Água à Praça da Alegria), a EPAL não especifica quais serão as bicas de onde poderemos beber a partir de 2025. Mas será, seguramente, a maioria delas, garante a empresa.
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