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A caminho da reabertura, CAM celebra 40 anos dentro e fora de portas

O edifício deve reabrir no primeiro semestre de 2024. Até lá, comemoram-se os 40 anos do Centro de Arte Moderna com uma exposição retrospectiva e extensa programação.

Raquel Dias da Silva
Jornalista, Time Out Lisboa
Histórias de uma Coleção
© Pedro Pina“Histórias de uma Coleção. Arte Moderna e Contemporânea do CAM"
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Desde a sua criação, em 1956, que a Fundação Calouste Gulbenkian começou a adquirir obras de arte contemporânea para, por um lado, apoiar os artistas e, por outro, dar a conhecer às pessoas as manifestações artísticas do seu tempo. Mas o que é e como se constitui uma colecção? De que histórias é feita, que histórias nos conta? É o que somos convidados a descobrir a propósito do 40.º aniversário do CAM – Centro de Arte Moderna. Em obras desde o ano passado, o edifício deve reabrir portas no primeiro semestre de 2024. Até lá, a Fundação Calouste Gulbenkian antecipa o futuro com uma retrospectiva. Na exposição “Histórias de uma Coleção. Arte Moderna e Contemporânea do CAM” – que inaugura esta sexta-feira, 5 de Maio, na Galeria Principal da Sede, onde fica patente até 18 de Setembro –, recordam-se não apenas 40, mas 65 anos de um percurso de aquisições que tem vindo a dar forma a uma das mais conceituadas colecções de arte moderna e contemporânea em Portugal.

“Ao percebermos que íamos estar fechados por alguns anos, primeiro por causa da [pandemia de] covid-19 e depois para as obras [de remodelação do CAM], percebemos que era preciso criar um momento de contacto do público com a nossa colecção. Surgiu-nos então a ideia de contar a história das aquisições. No fundo, a forma como a colecção foi constituída ao longo do tempo”, esclarece a curadora Leonor Nazaré, antes de chamar a atenção para a multiplicidade de histórias contidas nas obras em exposição, que não só reflectem o estado da arte em momentos específicos como despertam novos pontos de vista sobre as inúmeras maneiras de contar algo, expondo o modo como a subjectividade contribuiu para a construção da colecção.

Dividida em quatro núcleos, organizados cronologicamente, “Histórias de uma Coleção” abre com um mural a lembrar as montagens oitocentistas e, ao mesmo tempo, o modo como se guardam obras nas reservas dos museus. Sucinta demonstração do que pode ser uma colecção, trata-se de uma espécie de aperitivo erguido numa estrutura de madeira, onde confluem cerca de 73 obras de artistas nacionais e estrangeiros, adquiridas quer nos primórdios do acervo quer em anos recentes, e que espelham muito da história do país, dos seus protagonistas e dos diferentes movimentos e práticas artísticas que se foram impondo ao longo dos anos. Com curadoria de Ana Vasconcelos, Leonor Nazaré, Patrícia Rosas e Rita Fabiana, destacam-se desde logo – num espaço que se revela por entre as ripas com as quais o mural à entrada é construído – algumas das obras mais representativas da história da colecção, como Arcanjo, de João Cutileiro (1937-22021), Retrato de Fernando Pessoa, de Almada Negreiros (1893-1970), ou Ripple, de Phillip King (1934-2021). Todas juntas ditam o tom de um percurso que não se faz de uma história única, mas de “um conjunto de histórias que se complementam”.

Histórias de uma Coleção
© Pedro Pina“Histórias de uma Coleção. Arte Moderna e Contemporânea do CAM”

Não fazendo parte do seu desígnio inicial, a aquisição de um núcleo de obras pela Fundação deve-se sobretudo à vontade do seu primeiro director, José de Azeredo Perdigão, que fez questão de contribuir para a “educação do gosto e da cultura artística do país”, como se lê no catálogo da exposição, onde se aprofunda, entre outras problemáticas, as exposições itinerantes da Gulbenkian. A primeira – intitulada “Arte Portuguesa Contemporânea. Pintura, Desenho e Gravura da Colecção Calouste Gulbenkian” – realizou-se em 1962, nos Açores e na Madeira, e reuniu 45 obras, a maioria de matriz figurativa, de 45 artistas portugueses em actividade. A selecção foi resultado das primeiras aquisições, que ocorreram na sequência, por exemplo, da I Exposição de Artes Plásticas na Sociedade Nacional de Belas Artes (SNB), em 1957, e de várias exposições temporárias como a do grupo KWY, também na SNB, em 1960. Desde então, e reforçado o orçamento do Serviço de Belas Artes, em 1962, o que viria a ser a colecção do CAM foi ganhando forma com cada vez mais aquisições em exposições e com o apoio, directo e indirecto, aos artistas, que incluía bolsos e subsídios.

É importante notar que foi ainda durante os anos 1960 que a Fundação adquiriu os primeiros conjuntos de obras de artistas que viriam a ser incontornáveis no panorama artístico nacional e internacional, inclusive vários pintores e desenhadores modernistas portugueses como Amadeo de Souza-Cardoso, José de Almada Negreiros ou Maria Helena Vieira da Silva. Em consequência e como seria de esperar, tornou-se clara – mais do que a vontade – a necessidade de construir um espaço capaz de albergar as aquisições feitas até à data e em curso. Com um programa inovador, que vinha colmatar a inexistência de um museu em Portugal dedicado à difusão da arte do século XX, o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian inaugurou a 20 de Julho de 1983, com 540 obras de arte portuguesa e internacional de 252 artistas. O arquitecto José Sommer Ribeiro foi o seu primeiro director. A partir daí, a colecção cresceu exponencialmente e conta actualmente com obras de uma grande diversidade de artistas, meios e suportes, como prova a exposição que temos agora oportunidade de percorrer.

Das itinerantes às temporárias e permanentes

Depois de “O início”, que abrange os anos 1958 a 1978, ainda antes da inauguração do edifício do CAM, o segundo núcleo – “É indispensável inaugurá-lo”, uma frase atribuída a José de Azeredo Perdigão – concentra-se nos anos 1979-1989 e é marcado sobretudo por obras surrealistas, como O Menino Imperativo de Marcelino Vespeira (1925-2022), um manequim, sem braços e com um búzio (metáfora do vento e da liberdade) como cabeça, que foi adquirido ao artista em 1982, 30 anos depois de ter sido criado, em 1952, na sequência de mais um discurso de Salazar sobre os imperativos da nação.

Histórias de uma Coleção
© Fernando Lemos (1926-2019)A mão e a faca, 1949-1952 Gelatina de sais de prata Clorobrometo sobre papel 50,7 x 40,7 cm Inv. FP235/1

Mais tarde, pós-25 de Abril e com a mudança de direcção do CAM, que em 1990 passou a ser assumida por Jorge Molder e Rui Sanches, decidiu reforçar-se a colecção de arte britânica, por um lado, e assumir-se a ruptura com os géneros convencionais, por outro, tal como sugere o terceiro núcleo, “Depois das Belas-Artes”, que abrange os anos 1990-2005 e apresenta obras de uma nova geração de escultores, pintores e desenhadores, que se encontravam facilmente à volta da Fundação, na movida do ACARTE e do Bairro Alto e, claro, na efervescência de uma certa pós-modernidade. Entre 17 peças, encontramos trabalhos de nomes como Fernando Lemos (1926-2019), Alexandre Conefrey, Ana Hatherly (1929-2015) e Noé Sendas.

Já no terceiro e último núcleo, “Permanentes e Temporárias”, somos convidados a redescobrir os anos 2006 e 2020 e, em consequência, três direcções diferentes, inclusive a de Isabel Carlos, que marcou uma nova fase do CAM, com um intenso ciclo anual de exposições temporárias, focadas na produção artística contemporânea e na revisitação da obra de artistas portugueses. Além de colmatarem lacunas históricas, com uma atenção especial a artistas emergentes, mulheres e dos PALOP, as aquisições passaram a ter igualmente em conta as características do edifício, em particular a grande nave central, entendida como desadequada para a exposição de obras bidimensionais, como pintura e desenho. Neste sentido, começaram a investir-se também em obras mais diversificadas a nível de suportes e técnicas, como a videoinstalação Lagoa, da série “Frutos Estranhos”, de Rosângela Rennó, e a instalação Bunis, em esmalte acrílico sobre fibra de vidro em comunicação com espelho, de Joana Vasconcelos.

Os anos de 2021 e 2022 não estão representados na colecção, mas a colecção do CAM continua a crescer num ritmo que se relaciona com a programação e com iniciativas apoiadas pela Fundação. No ano passado, por exemplo, além de quatro doações e um legado, foram adquiridas 12 obras de arte, incluindo uma videoinstalação que Julião Sarmento criou, em co-autoria com o cineasta Atom Egoyan, para a Bienal de Veneza de 2001.

CAM em Movimento: Ciclo Histórias de uma Coleção
DRCAM em Movimento: Ciclo Histórias de uma Coleção

Fora de portas também há arte

A par da exposição retrospectiva, a Fundação promove ainda uma extensa programação, que procurará abrir espaço à reflexão sobre modelos de coleccionismo e não só, e que inclui desde conversas com as curadoras até actividades para crianças e famílias, como oficinas de experimentação. Entre as várias propostas, destaca-se desde logo a agenda para o dia e noite dos museus, que se assinala ao longo do dia 18 de Maio, e a inauguração, no dia 25, do percurso expositivo “Rui Chafes e Alberto Giacometti. Gris, Vide, Cris”, que mergulha no imaginário de dois escultores de tempos diferentes e linguagens diversas.

Vale a pena referir também o ciclo de filmes “Histórias de uma Coleção”, que se relaciona com a exposição homónima e se realiza com entrada livre, entre as 10.00 e as 18.00, num contentor marítimo instalado no Jardim Gulbenkian. Entre os títulos em exibição, inclui-se por exemplo Revolução, de Ana Hatherly, que foi filmado nas ruas de Lisboa, com uma câmara Super 8 após o 25 de Abril de 1974, e documenta os cartazes da propaganda política, sobrepostos e rasgados, os graffiti e os murais de ideologia revolucionária inscritos nas paredes da cidade.

“Desde o encerramento do CAM que continuamos a programar e a inventar formas de chegar a novos públicos, organizando projectos fora do campus da Fundação Gulbenkian, mas também de exposições [na Galeria Principal da Fundação e na Galeria de Exposições Temporárias do Museu Calouste Gulbenkian]. Fora destas paredes, lançámos também o CAM em Movimento [uma iniciativa que leva a arte ao encontro do público com intervenções em vários pontos da cidade]. Todo esse trabalho é uma prefiguração do que vai acontecer no CAM quando reabrirmos no próximo ano. Não nos limitaremos aos muros da instituição”, assegura o actual director do centro de arte e cultura, Benjamin Weil, que nos convida a celebrar o compromisso da Fundação com os artistas contemporâneos.

Galeria Principal da Fundação Calouste Gulbenkian. 5 Mai-18 Set, Dom-Seg e Qua-Sex 10.00-18.00, Sáb 10.00-21.00. 6€ (grátis aos domingos a partir das 14.00)

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