[title]
Seis autocarros da Carris circulam a partir desta quarta-feira à base de combustível totalmente livre de energia fóssil. Projecto-piloto da Prio e da empresa de transporte público pretende alargar operação a outros veículos da frota.
De uma qualquer cozinha portuguesa para o tanque de combustível de um autocarro da Carris, em Lisboa. Pode parecer-lhe invulgar, mas a empresa de transportes públicos tem veículos a circular pela cidade com combustível totalmente livre de energia fóssil. Não se tratam de autocarros movidos a gás natural, mas sim de viaturas que funcionam a biocombustível produzido a partir de óleo alimentar usado, que reduz em 83% as emissões de gases de efeito de estufa emitidos por combustíveis fósseis como o gasóleo.
A partir desta quarta-feira, os seis autocarros da carreira 702, que liga a Serafina ao Marquês de Pombal, passam a circular somente à base de biodiesel, fruto de um projecto-piloto entre a Prio e a Carris, que pretende dinamizar a descarbonização e a economia circular. Ao longo de um ano, a gasolineira e a empresa de transporte realizaram um trabalho conjunto para identificar os possíveis impactos da utilização de óleos alimentares reciclados nas viaturas.
Numa primeira fase, três dos autocarros que integram a frota começaram a ser abastecidos com biodiesel sem que nada fosse dito aos motoristas. Só depois foram informados da mudança e foram recolhidas as suas observações sobre a prestação dos veículos. Os resultados, até ao momento, apresentam bons indicadores. Registou-se apenas um ligeiro aumento no consumo, que é compensado pela significativa diminuição de emissões de CO2.
Tiago Farias, presidente da Carris, acredita que a empresa “tem a obrigação e a ambição" de apresentar uma "estratégia ambiental de caminhar para a descarbonização”. No caso deste projecto, a sua análise poderá permitir a operação de outros autocarros com o mesmo sistema de combustível, sem necessidade de adquirir novos equipamentos.
“Os seis autocarros vão passar a operar 100% a biodiesel para se conseguir ter uma avaliação mais completa de consumos e efeitos práticos”, nota. “Correndo bem, estamos a falar de centenas de veículos a circular. A Carris está numa rota de descarbonização com vista a emissões zero em 2040. Estamos a apostar num transição para o gás natural, que representará quase um terço da frota. Estamos a começar a entrar no mundo dos autocarros 100% eléctricos e a ideia é alargar o número de autocarros movidos a biodiesel”, reforça.
Emanuel Proença, presidente da Prio, explica junto à estação de Campolide, de onde um dos autocarros saiu para uma viagem de apresentação, que a gasolineira tem trabalhado afincadamente nas soluções de transição energética. Um dos objectivos do projecto-piloto é desconstruir a ideia de que este combustível “não precisa de ser utilizado em baixas percentagens e que pode usado como substituto total do gasóleo em algumas frotas”.
“Usamos um resíduo alimentar recuperado de casas e de restaurantes. Pegamos nele e colocamo-lo num processo produtivo com tecnologias complexas”, diz. O resultado final é um produto equivalente ao gasóleo. Este biodiesel trabalha nos autocarros que actualmente funcionam a combustíveis fósseis mas que estão prontos de raiz para este resíduo alternativo.
“Substituímos um derivado de gasóleo por um derivado de processo de reciclagem. Ao fazer isto, há reduções de emissões acima dos 80%. Na ordem dos 83 ou 88. São reduções muito significativas. Na prática, por cada litro de gasóleo que estes autocarros consumiam antes, agora podem consumir mais seis litros e emitir o mesmo para o ambiente. É uma poupança drástica, difícil de conseguir em qualquer solução de transição energética.”
Há um processo de limpeza, de filtragem, de purificação antes do produto final. “É mais limpo e puro do que o petróleo”, explica o responsável da gasolineira. “ Depois de se obter esse óleo, passa por um processo de transesterificação, um procedimento químico através do qual se produz biocombustível”.
Rui Berkemier, membro da associação ambientalista Zero, esteve presente na apresentação do projecto, e chamou a atenção para a necessidade de o Governo incluir no próximo Orçamento do Estado (OE), a ser apresentado na próxima semana, medidas que contribuam para a incorporação dos biocombustíveis. Só assim, reitera, será possível cumprir a meta de 10% de incorporação destas energias renováveis nos transportes até 2020 pela União Europeia.
No OE referente a 2019, o Governo reduziu a incorporação deste biocombustíveis nos transportes terrestres de 7,5% para 7%, com o argumento de que essa redução contribuiria para uma baixa do preço do gasóleo. Contudo, nota o ambientalista, a utilização de biocombustíveis não teve influência no preço desse combustível fóssil. O IVA e os impostos sobre produtos petrolíferos são o factor que aumentam os preços por litro, quando comparado por exemplo com Espanha, onde estes valores são bastante inferiores aos praticados em território nacional.