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Um sapo é um sapo. Será? Em Portugal, há milhares de sapos de cerâmica à entrada de diferentes estabelecimentos comerciais. Para uns são fonte de azar, para outros instrumento de segregação. Em nenhum dos casos servem só para decorar. “Por isso é que o sapo tem de morrer”, dirá uma filha ao seu pai, com receio de que, qualquer dia, o seu amigo Alberto e a família passem a vida do lado de fora de todas as portas. Com dramaturgia de Fernando Giestas e encenação de Rafaela Santos, Engolir Sapos – que estreou em 2019, no Teatro Viriato, em Viseu, e chega agora a Lisboa, com sessões para escolas e famílias – choca de frente com o preconceito e convida a reflectir sobre a problemática através dos olhos de uma miúda rebelde e justiceira e de um adulto que julga coisas, quer as coisas venham ter com ele ou ele tenha de ir ter com as coisas.
“O leitmotiv para esta peça foi a nossa dificuldade em explicar à Amélia [Giestas], que é nossa filha e interpreta a personagem da Filha, a razão por trás dos sapos de loiça à entrada de vários estabelecimentos na nossa vila [Canas de Senhorim, em Viseu]. É um símbolo presente de uma forma bastante cobarde, porque nunca está escrito ‘é proibida a entrada de ciganos’, mas a mensagem, de que não são bem-vindos, está sempre implícita. Apesar das novas gerações não serem muito ou nada supersticiosas, o significado por trás dos objectos é o mesmo. Queremos confrontar essa realidade e promover uma discussão”, desvenda Rafaela Santos sobre o espectáculo escrito pelo marido, que esteve em residências artísticas junto de comunidades ciganas em diferentes territórios. “É importante reflectirmos, por um lado, sobre como nasce o preconceito, de onde vem e como se afirma, e, por outro, sobre o que cada um de nós pode e deve fazer para encontrar uma forma de vivermos todos juntos.”
Em palco, um pai – interpretado por Ricardo Vaz Trindade – dá início ao capítulo 1. Prepara-se para esclarecer o mundo à filha, dizendo “é um caminho de ir”. Quando começamos, já não podemos parar nem voltar atrás. Não, não é verdade. Podemos, mas quando voltamos atrás, a sítios onde já estivemos, nós próprios já estamos noutro ponto do caminho. “Não posso prometer que não vou partir nada. Prometo que vou. E indo, já estou a partir”, responde a filha no capítulo 2. De repente, no mesmo sítio, mas em diferentes pontos do caminho, pai e filha julgam diferentes culpas, encenando um tribunal para vários objectos, como um telemóvel “acusado de ocupação abusiva” ou uma peça cilíndrica de cartão, encontrada no suporte da sanita sem se fazer acompanhar de papel higiénico. Estão, no fundo, a julgar o lugar das coisas. E, de forma subtil, a abrir caminho para um diálogo concertado sobre o lugar de cada um de nós.
O que é que nos faz ser assim, viver assim, fazer assim? Numa carta pública endereçada a Ringo Lourenço, pai de uma jovem cigana a estudar na Universidade do Porto, com quem conversou a propósito deste espectáculo, o dramaturgo Fernando Giestas sugere atribuir as culpas à “história” e aos “anos de encaixotamento social”. Ainda assim, escreve, acredita na “acção política individual” – se temos “cabeça para pensar, tronco para tomarmos lugar e membros para espernear”, podemos parar de engolir sapos. Mas não só. Temos o dever de compreender que, ao contrário do que se costuma apregoar, a nossa liberdade não termina onde começa a do outro, é antes o nosso lugar na relação com as liberdades e os lugares dos outros. Que ser humano somos nós se, perante o sofrimento de outro ser humano, mantemos ou toleramos o lugar de um sapo de loiça? Se um sapo de loiça incomoda pessoas de carne e osso, devia incomodar-nos a todos, declara a companhia de teatro Amarelo Silvestre, da qual Fernando e Rafaela são co-fundadores.
Integrado no Festival Amostra, Engolir Sapos será apresentado no Teatro Nacional D. Maria II em três sessões para escolas, de 12 a 14 de Janeiro, e uma para famílias, a 15 de Janeiro.
Teatro Nacional D. Maria II. Escolas: 12-14 Janeiro, mediante marcação prévia (escolas@tndm.pt). Famílias: 15 de Janeiro, Sáb 14.30. 11€. M/10.
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