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A “disrupção virtuosa” do Festival de Sintra

O festival de música erudita tem um novo programador. Martim Sousa Tavares quer estabelecer diálogos com pessoas que normalmente não se interessam pelos clássicos.

Luís Filipe Rodrigues
Editor
Festival de Sintra
DRApresentação do Festival de Sintra no Palácio de Seteais
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Basta entrar no site do Festival de Sintra para perceber que algo mudou para aqueles lados. A nova identidade gráfica, concebida pela agência NOSSA, arrojada e com cores vivas, é uma lufada de ar fresco. E as boas surpresas continuam quando se olha para o programa desta 57.ª edição, que se realiza entre 15 e 25 de Junho. Os concertos de orquestras e ensembles de música erudita sucedem-se e preenchem o calendário, mas também há sessões de cinema, conversas com escritores, e até mesmo apresentações a solo de alguns dos mais interessantes nomes da música contemporânea e experimental portuguesa.

O principal responsável por este facelift é o novo director artístico, Martim Sousa Tavares. Um filho dos 90s que, nos últimos anos, paralelamente ao seu trabalho como maestro e director da Orquestra Sem Fronteiras e, mais recentemente, da Orquestra Clássica do Sul, gravou um disco com os Capitão Fausto e organizou concertos no Lux Frágil, deu aulas, criou podcasts e programas de rádio e televisão – até foi júri de um concurso de talentos. É um homem da música clássica, e vai a Sintra ver concertos “desde que era adolescente” – destaca um recital de piano de Grigori Sokolov, talvez em 2007, que foi “fundamental para a [sua] relação com o piano”. No entanto, tem os horizontes abertos. Foi ele que concebeu o programa e, coordenado com o executivo municipal, pediu ajuda aos criativos da NOSSA.

Martim garante, porém, que está apenas a executar a visão do presidente da Câmara Municipal de Sintra, que já sabia muito bem o queria quando o convidou para ocupar o cargo que, nos últimos anos, pertenceu à ex-ministra da Cultura e também intérprete clássica Gabriela Canavilhas. “O Dr. Basílio Horta pretendia aquilo a que chamou uma ‘disrupção virtuosa’, mantendo o compromisso com a excelência mas ao mesmo tempo dotando o festival de renovados factores de atracção para públicos mais jovens, numa tentativa de expansão na sua oferta e ao mesmo tempo ganhando maior sustentabilidade de audiências”, detalha o director. É apenas e precisamente isso que ele está a tentar fazer: um festival de música erudita desempoeirado, que se esforça por incluir toda a gente.

Toda. A. Gente. Não é por acaso que, quando se aponta o facto de esta edição não ter nomes com a visibilidade e o currículo de um Grigori Sokolov e outros que estamos habituados a encontrar na Fundação Gulbenkian, ele parece discordar. “A verdade é que continuamos a ter vários nomes muito sólidos da música clássica, só que integrados numa programação quiçá mais única, fruto de convites específicos do nosso festival”, contrapõe. “Um exemplo é o contratenor alemão Alois Mühlbacher, que de certeza viria a Portugal mais cedo ou mais tarde convidado por uma dessas grandes instituições. O convite que lhe fizemos foi para que ele se juntasse à orquestra Real Câmara, especializada em música barroca, e que juntos preparassem um concerto que vai dialogar com o filme Farinelli [de Gérard Corbiau], que conta a história dos castrati no século XVIII. Neste contexto, trata-se de um formato que é único para todos os envolvidos, e muito estimulante para o convidado.”

E não teme que estas propostas e a intenção de conquistar novos públicos – que descrevemos como “putos que calçam ténis” – alienem o público tradicional destas iniciativas. “Pelo contrário. Temos a maior vontade que pessoas com todo o tipo de calçado se sintam interessadas pelo festival”, brinca. “Há programação boa para quem usa meias brancas e sandálias de caminhada, tal como para quem usa mocassins ou All Star. Que é como quem diz, queremos que todos se sintam em casa e que haja algo que possa agradar a cada um, independentemente do seu background.” Não é por acaso que o programa junta nomes promissores da música clássica, como Raul da Costa, Kristine Balanas ou Jonatan Alvarado; também músicos com provas dadas e reputação internacional, por exemplo o violoncelista Pavel Gomziakov; até um fadista como Ricardo Ribeiro; ou compositores e intérpretes mais próximos da música experimental e até de um certo rock marginal, como Joana Gama, Angélica Salvi ou Filho da Mãe, para referir apenas três novas apostas.

O pontapé de saída para esta edição é dado pelas 18.30, de quinta-feira, 15 de Junho, na Sala do Trono do Palácio Nacional de Queluz, com uma conferência de David Cranmer, musicólogo, professor e organista britânico, radicado em Portugal desde antes de o director do festival ou do autor desta prosa terem nascido. Segue-se, pelas 19.00, na mesma sala, um concerto do Ensemble Bonne Corde. Um pouco mais tarde, às 21.00, Anabela Mota Ribeiro, Carlos Vaz Marques, Martim Sousa Tavares e Mia Couto botam faladura no Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra. O mote da conversa? “Musa, vai chatear o Camões”. E, ao longo dos dez dias seguintes, vai ver-se e ouvir-se de tudo um pouco. Desde filmes como O Pianista, de Roman Polanski, ou De Olhos Bem Fechados, o derradeiro opus de Stanley Kubrick; a caminhadas-concerto pela Serra de Sintra, musicadas por Catherine Morisseau, João Barradas ou Sérgio Carolino e Postcard Brass Band; passando por “duelos” entre pianistas clássicos; ou concertos mais e menos convencionais e eruditos. 

Intui-se uma vontade de fazer o público andar e descobrir diversos locais, não apenas as salas mais institucionais. “Foi uma opção consciente”, reconhece Martim Sousa Tavares. “A verdade é que o território do concelho de Sintra é fantástico e oferece imensas possibilidades. Este ano o festival decorre em 16 locais diferentes mas tenho a certeza de que para o ano serão ainda mais.” Para o ano? Martim termina o seu raciocínio. “A circulação do público será benéfica em vários sentidos, ajudando a que Sintra respire um espírito festivaleiro que vai além de um conjunto de concertos de música clássica aqui e ali.”

Mas, sim, ainda nem inaugurou a 57.ª edição e o director já está a pensar na próxima. “Honestamente, a maior dificuldade foi deixar de fora boas ideias e nomes de artistas que desejo convidar, porque não se pode fazer tudo de um dia para o outro. Essas ficarão guardadas para 2024”, promete. “Para já, o festival costumava decorrer no fim do Verão mas este ano decidimos antecipá-lo para Junho, o que fez com que tivéssemos menos tempo para completar a programação. Além disso, houve todo o trabalho de rebranding e a vontade de o apresentar ao público com três meses de antecedência, o que fez com que trabalhássemos com deadlines muito apertados. Ainda assim, o resultado é um festival muito ecléctico.” Confere. “Fico contente que isso transpareça.”

Vários locais (Sintra). 15-25 Jun

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