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O fim não precisa de ser sempre igual. Não precisa de ser trágico, nem solitário. Não precisa de ser esperado, nem chorado. Pode ser caótico, ou engraçado, ou inesperado. Pode acabar num circo pegado, ou num incêndio, ou numa orgia. Em O Fim, é um pouco isto que se pode esperar quando não se está à espera. A peça, criada e encenada por Diogo Freitas, parte do texto A Velhice de Gonçalo M. Tavares e está em cena no São Luiz, entre 2 e 4 de Fevereiro.
O branco invade o espaço. As luzes tornam-no frio e impessoal. Os cortinados brancos prolongam-se de um lado e de outro do palco. No fundo, há uma parede de cimento cinzenta e, na frente, quatro cadeiras brancas esperam quem se sente nelas. Uma mulher, de cabelo grisalho e a quem a velhice já não é estranha, ocupa um destes lugares. Vestida de branco e acompanhada de uma urna, a mulher começa a falar. É a história acerca de um velho solitário e do seu cão, chamado Morte, que ela passa a contar, até ao fim da peça.
Quando Diogo Freitas pediu a Gonçalo M. Tavares que escrevesse o texto, sabia que não queria um texto dramático, nem que envolvesse um conflito ou que fosse pensado para várias personagens. Porém, sabia que “queria trabalhar sobre a questão do fim, deste fim ligado à velhice, à solidão, aos velhos, e sobre esta questão muito importante para nós que é a perda da memória, a perda da identidade, porque a memória é o que nos mantém ligados, mantém-nos sãos, ligados uns com os outros e mantém-nos conscientes”, explica, após um ensaio no São Luiz.
Em cena, entra um rapaz com balões brancos e um bolo nas mãos, ao qual se segue uma rapariga grávida, prestes a dar à luz. Nas cadeiras da sala de espera, juntam-se à mulher que lá permanece desde o início. A narrativa acerca do velho homem continua central e, agora, é completada por todas as personagens. Sob este universo, em que o homem se vai degradando e morrendo simbolicamente, também assistimos ao desenvolvimento das narrativas das personagens. Estas, que entram neste espaço com claros propósitos para estar ali, acabam por ver uns nos outros a razão que não os deixa ir embora.
A sala de espera do hospital – que “é um lugar de passagem, que é uma espécie de não-lugar, no sentido em que as pessoas não permanecem lá, vão para passar ou para estar à espera” –, de certa forma, espelha o mundo, o facto de “estarmos aqui de passagem, de estarmos aqui à espera de alguma coisa.” Mas, apesar da crua realidade que é representada, em que tópicos como a morte, a velhice e a solidão são trazidos à luz, a imagem que é composta em palco é algo de surrealista.
Quando as luzes vermelhas luzem desenfreadamente, quando a música toca, quando uma figura irrompe em palco por várias vezes, a dançar, ou a fazer acrobacias em trapézios improvisados, ou a gritar, ou a correr, é quando percebemos que aqui o tempo não é real. Esta ideia é reforçada no fim, à medida que a acção se vai tornando cada vez mais distante da realidade. Uma máquina de venda automática arde, duas das personagens envolvem-se enquanto dançam tango, outra continua a dar piruetas e todas acabam por juntar-se numa orgia.
Por outro lado, ao longo de toda a peça, não deixa de estar presente a comicidade inerente à vida e às interacções humanas. Desde o balão que rebenta sem querer, à pessoa que se senta em cima do bolo, passando pelo incómodo que é cumprimentar ou não uma pessoa que não conhecemos, mas que partilha o mesmo espaço, físico e não só. Este imaginário torna-se, assim, propício a abordar a efemeridade da vida num tom diferente.
Já depois de ter acontecido tudo o que se podia pensar que acontecesse, o cão do velho morre e, agora, este homem está “sozinho, finalmente sozinho, absolutamente sozinho, esmagadoramente sozinho, alucinadamente sozinho, cruelmente sozinho, desesperadamente sozinho”, pode ouvir-se do palco.
São Luiz Teatro Municipal. 2-4 Fev. Sex-Sáb 20.00, Dom 17.30. 12€-15€
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