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Taiwan foi o primeiro país asiático a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, em 2019. O primeiro e para já o único (a Tailândia está na vertigem de se tornar o segundo). Mas nem o progresso social acompanhou no imediato os avanços legislativos, nem só com festa e felicidade reagiram as pessoas LGBT+ a esse marco histórico naquele país. Para quem já havia cedido ao medo e à vergonha, para quem não pôde esperar, para quem comprometeu a sua identidade para cumprir com o que delas se esperava sem questionar – que casassem e constituíssem família, homem com mulher, mulher com homem –, para essas pessoas houve um misto de frustração e desorientação. A lei chegou tarde e pareceu ser para os outros. Já a realidade era irremediável, já a mentira tinha perna longa, marido, filhos, obrigações. Já sair do armário implicava exponencialmente mais complicações.
A Fragrância da Primeira Flor é sobre isso, sobre uma geração que teve de se esconder e agora vive no purgatório das consequências. No caso, Yi-Ming (Zai Zai Lin) e Ting-Ting (Lyan Cheng), que se conhecem e apaixonam no liceu, mas cujo processo de descoberta desse amor é abruptamente travado quando são vítimas de um crime e os adultos à sua volta começam a questioná-las sobre o que estavam a fazer sozinhas na rua àquelas horas. As duas amigas sentem-se imediatamente no banco dos réus e a mais velha, Yi-Ming, menos à vontade com a ideia de uma relação lésbica, decide cortar laços e seguir com a sua vida. Até ao momento em que reencontra Ting-Ting, muitos anos depois. Combinam um café e Ting-Ting não perde a oportunidade para se reaproximar do seu primeiro amor. Yi-Ming permite-o, de forma velada, mas é casada e tem um filho autista de quem cuidar. Além do mais, nunca esteve com uma mulher. Ting-Ting, sim. E instala-se o medo do desconhecido.
Produção taiwanesa de 2021, esta minissérie, com seis curtíssimos episódios, estreia-se em Portugal em pleno mês Pride, através da Filmin. É realizada pela semi-estreante Angel I-Han Teng, jovem cineasta de Taiwan radicada em Los Angeles, cujo único filme que tem no currículo, como argumentista, é Bao Bao (2018). Este era sobre dois casais homossexuais, duas mulheres e dois homens, que decidem entreajudar-se para terem filhos em Londres, mas são forçados a regressar a Taiwan, onde têm de enfrentar as respectivas famílias. Não anda longe de A Fragrância da Primeira Flor, para a qual fomos alertados no final do ano passado, quando a imprensa andava entretida a fazer as listas dos melhores do ano e era numa outra série asiática que a esmagadora maioria estava concentrada: Squid Game (nós, na Time Out, também). Nessa altura, a Variety fez saber que uma das séries “internacionais” do ano era este A Fragrância da Primeira Flor. Seis meses depois, ei-la.
Angel I-Han Teng deixa a câmara quase permanentemente em Zai Zai Lin e Lyan Cheng, e é através delas que percebemos como Yi-Ming e Ting-Ting estão tolhidas pelo preconceito. Quase não há mais personagens dignas desse nome. Só o marido de Yi-Ming, o homem trabalhador e inapto para as lides domésticas com um verniz de aparente compreensão para as falhas da mulher, e sem grande paciência para as necessidades especiais do filho. Está ali para cumprir com o seu papel – e ela, afinal, também. É Ting-Ting quem a faz desentorpecer, que lhe mostra que a felicidade não é um conjunto de obrigações. Mas será demasiado tarde? Ou será isto apenas uma aventura juvenil fora de tempo? Esta atracção, este desejo. Não será melhor voltar a cortar tudo pela raiz outra vez? E o que dirão delas se não lhes faltar a coragem? Dirão que estão perdidas? Talvez estejam mesmo.
Filmin. Ter (estreia)
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