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A Gleba já não é a mesma? “É melhor”, garante Diogo Amorim

O que começou com uma pequena padaria em Alcântara é hoje um negócio de milhões com espaço para crescer ainda mais. Sentámo-nos com o CEO da Gleba para uma conversa de balanço.

Cláudia Lima Carvalho
Diogo Amorim, Gleba
Francisco Romão Pereira
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Quando, há oito anos, Diogo Amorim abria a Gleba, em Alcântara, sabia ao que ia (ou o que queria), mas talvez não imaginasse que o pão de fermentação natural, feito à verdadeira moda antiga, ficasse tão em voga. A caminhar para o fim de 2024, Diogo Amorim conta encerrar o ano com 25 lojas – até Dezembro, a Gleba ainda vai ganhar moradas no Restelo, na Parede e no Saldanha – e uma facturação de 13 milhões de euros, o dobro do último ano. Só uma nova fábrica, já planeada, permitirá que a empresa continue a crescer e se possa expandir para lá da Grande Lisboa e, quem sabe, se internacionalize até. O fabrico artesanal, admite o CEO, há muito que não é uma realidade, “se como artesanal falarmos [de processos feitos] exclusivamente à mão, em pequena escala”. “Mas se artesanal significar realmente isso, então o nosso objectivo não é ser artesanais”, defende.

Príncipe Real, Alvalade, Campo de Ourique, Telheiras, Cascais, Parque das Nações… A lista de bairros na Grande Lisboa onde a Gleba tem loja é vasta e só não vai aumentar consideravelmente como aconteceu nos últimos meses “porque a fábrica atingiu o limite da sua capacidade produtiva”. “Vamos aproveitar para estabilizar”, diz-nos Diogo, à mesa da mais recente padaria, na Avenida António Augusto de Aguiar, onde chamou também Juliana Penteado para ocupar uma montra com os seus doces delicados. Chamou-lhe Gleba 2.0, embora esse nome não surja em qualquer lado. “Queremos ser cautelosos para não passarmos por pretensiosos ou por revolucionários das padarias, sem que haja realmente uma sustentação muito forte para tal”, afirma. “O 2.0 tem muito a ver com a necessidade de perceber o que é que as pessoas querem para as padarias de hoje e para as padarias de amanhã. Não há uma verdade absoluta, não há uma forma, não está escrito em lado nenhum, cabe-nos a nós ir testando, vendo o que funciona e ir aprendendo.”

Gleba
Francisco Romão Pereira

Para o CEO, a Gleba 2.0 é mais um ponto de viragem do que uma loja absolutamente tecnológica, como se poderia supor, embora a tecnologia esteja presente para, através de QR codes, contar a história, contextualizar e dar palco e voz aos processos e produtores por detrás de tudo. “O que as pessoas vêm na loja é um bocado limitado e nós queremos garantir que quando as pessoas chegam aqui percebem todo o cuidado. O 2.0 é, de alguma forma, o culminar do trabalho que temos vindo a fazer ao longo dos anos”, defende, garantindo que, por maior que tenha sido o crescimento da marca, a qualidade não foi afectada, ao contrário do que, por vezes, costuma ouvir. “Eu, tipicamente, respondo a essas críticas com curiosidade para tentar perceber o que é que as pessoas querem dizer”, revela, mas não sem apontar um certo preconceito daqueles que vêm a Gleba agigantar-se. 

“Não há dúvidas de que as pessoas têm razões para desconfiar de cadeias. Há uma certa aversão às marcas que são cadeias e uma certa desconfiança porque historicamente levaram-nos a criar esse preconceito. Quando as marcas expandem rápido e expandem demasiado, a qualidade deixa de ser a mesma. Mas nós estamos aqui para desafiar essa crença”, acredita Diogo, seguro nas palavras. “Desde que abrimos, temos vindo a melhorar continuamente a qualidade dos nossos produtos. Por exemplo, a receita do [pão de] trigo barbela já está estável há uns quatro anos, mas não é exactamente a receita de 2016. É uma receita que para mim é muito melhor, é muito mais aquilo que eu queria no início, mas que não sabia fazer”, descreve. “Nós estamos constantemente a olhar para os produtos, a provar os produtos e a perceber o que é podia ser melhor. Nesse sentido, eu tenho que concordar com as pessoas – os produtos mudaram, mas na minha óptica para melhor.”

Diogo Amorim, Gleba
Francisco Romão Pereira

A aposta é tal, alega o cozinheiro feito padeiro feito empresário, que desde 2021 que há uma equipa 100% focada na investigação, inovação e desenvolvimento. “Isso foi uma coisa muito importante para mim e se calhar até iniciou numa fase em que a empresa era um bocado pequena”, confessa, deixando claro que o caminho não é tanto o da diversificação, mas o da afinação. “Só diversificamos quando acreditamos que aquilo pode ser o futuro e pode funcionar em todas as lojas.”

É exemplo disso a oferta complementar à padaria e à pastelaria que hoje se encontra em qualquer Gleba: manteiga, queijo, charcutaria, vinho, azeite, conservas, café ou chá. “A perspectiva foi tornarmo-nos mais relevantes, entregarmos mais valor aos nossos clientes”, diz Diogo, para quem uma ida à Gleba “deve significar mais do que comprar pão”. “Por mais interessante que possa ser diversificar e tentar fazer queijos e azeites e pastelaria fina, não dá para fazer tudo bem ao mesmo tempo. Então, a ideia tem sido ir buscar as pessoas que fazem aquilo que fazem e que nós faríamos se estivéssemos no lugar delas.” No caso da oferta de mercearia, o teste numa loja multiplicou-se para outras. Não significa, porém, que as sobremesas de Juliana Penteado possam chegar a outras moradas. “A [oferta da] Juliana Penteado é uma coisa muito especial e característica desta loja, um pouco como o [brunch da] Milkees em Cascais. Não é algo que queiramos escalar para todas as lojas”, esclarece o responsável, destacando a importância de olhar para o mapa e de se perceber a dinâmica da zona, que pode ser bem diferente conforme o bairro. Em Telheiras, por exemplo, “um bairro um bocado mais tradicional”, a parceria com a Milkees não deu os mesmos frutos que Cascais. Em resposta, Diogo Amorim vai testar “uma oferta clássica de cafetaria portuguesa, mas em bom, já a partir de meados de Outubro”. “Com os nossos pães, com um bom queijo, com um bom fiambre. Vamos ter a tosta mista, a torrada, o pão com queijo e fiambre, o croissant prensado, aquilo que todas as cafetarias em Portugal têm”, confidencia. 

“Faz parte do trabalho de pesquisa e de descoberta. Será que a Gleba do futuro tem a oferta tradicional portuguesa de cafetaria ou será que vamos manter a oferta um bocado mais cosmopolita?”, reflecte. “Actualmente, de um modo geral, todos os nossos produtos tanto podem ser vendidos em Lisboa como em Madrid ou em Londres”, argumenta, sem esconder o desejo e o objectivo de internacionalização. “Há realmente uma economia local, há produtores locais, mas não há, na realidade, e se formos sinceros, uma identidade muito portuguesa nos produtos. A partir do momento que vamos fazer este teste em Telheiras, vamos para referências nacionais, mas vamos testar. Agora, se isso depois se vai transferir a todas as lojas 2.0, como esta da António Augusto Aguiar, é uma questão que ainda está por responder.”

Voltar atrás se for preciso

O segredo é não ter medo de voltar atrás, acredita. E exemplifica: “O Alegro Sintra e UBBO [na Amadora] foram experiências que fizemos, eram localizações sobre as quais tínhamos dúvidas, então abrimos um quiosque. Percebemos que, apesar de não correr mal, não justifica ter lojas lá”. Já no CascaiShopping, a Gleba vai crescer. “Temos um quiosque e vamos transitar para loja ainda durante este ano, como aconteceu nas Amoreiras.”

O mesmo compromisso é aplicado na fábrica, ou ainda antes. A escolha dos produtores, já se percebeu, é feita a dedo e não há um que Diogo e a sua equipa não conheçam. É aos pequenos, focados na sustentabilidade, que procuram dar a mão, porque só assim conseguem também cumprir o desígnio de entregar um produto que respeita a saúde de quem compra. Pode ser utópico para quem gere um negócio de milhões, mas o CEO não teme deixar cair sucessos como o panettone ou o bauletto. “O 2.0 tem realmente um grande foco na saúde e temos vindo a conduzir vários projectos para eliminar por completo o açúcar branco refinado e para acabar completamente com as farinhas refinadas”, revela. “Na Gleba, nós moemos praticamente todas as farinhas que usamos, mas nos panettones não conseguimos mesmo fazer com as nossas farinhas moídas em mós de pedra porque é uma massa tão macia e tão leve e tão delicada que as nossas farinhas old school, super rústicas, simplesmente não encaixam”, explica. “Estamos a fazer um trabalho ao longo dos últimos anos de selecção de trigos muito especiais que consigam garantir essa consistência, essa textura, essa maciez, esse volume, mas estamos num ponto em que se não conseguirmos fazê-lo vamos acabar com os baulettos e com os panettones e arranjar um substituto”, confessa. “Estamos mesmo comprometidos em ser coerentes e para isso não haver nenhuma ponta solta”, afirma. 

Gleba panettone
DRPanettone

Diogo Amorim refere ainda o esforço para não aumentar demasiado os preços ao longo do tempo. “Apesar de toda a inflação e de todas as marcas e supermercados terem aumentado drasticamente os preços, os aumentos que nós fizemos foram mesmo muito pequeninos. Tentamos ao máximo conter e absorver”, conta. “O nosso custo com matérias-primas é maior neste momento do que era quando começámos porque o trigo está mais caro e nós, tipicamente, pagamos 30% acima do valor do mercado porque temos também um prémio de qualidade, mas a base sobre a qual fazemos esses cálculos são os preços de mercado. Então, a determinada altura, estamos a comprar o trigo quase ao dobro do preço que o comprávamos anteriormente.” Como é que se consegue, então, que isso não se reflicta para o cliente? “Temos de ser o mais eficientes possível com tudo”, responde. “Neste momento, as nossas margens são mais baixas do que eram há sete anos, mas isso não é necessariamente mau, é realmente uma prova de que estamos investidos e a pôr o nosso dinheiro where our mouth is. Ou seja, as nossas margens estão um bocado mais baixas, mas vemos isso como uma coisa positiva porque significa que estamos, à partida, a conseguir chegar a mais pessoas e é esse o objetivo”, lembrando o propósito de tudo: “democratizar o pão de alta qualidade”. “Queremos mais do que meia dúzia de connaisseurs e pessoas que são muito fãs.”

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