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Um edifício conta muitas histórias. Ainda mais quando esse edifício viveu umas quantas e fez subir ao palco outras tantas. Erigido em 1846, o Teatro Nacional D. Maria II partiu da ideia de criar um teatro para o país que apresentasse um repertório que reflectisse as identidades cultural e política de Portugal. Entre a ideia que procurava representar o teatro, a sua história, e aquilo que se fez lá dentro, nasce a exposição “Quem és tu? – Um teatro nacional a olhar para o país”. Com curadoria de Tiago Bartolomeu Costa, a mostra é composta por elementos diversos, incluindo fotografias, maquetes, trajes e desenhos. Entre 6 de Junho e 29 de Dezembro, pode ser vista no Museu Nacional do Teatro e da Dança.
Antes de chegar à primeira sala, a interrogação impõe-se à entrada. “Quem és tu?”, pergunta que origina da peça de teatro Frei Luís de Sousa, procura levantar “um conjunto de questões, sem propor nenhuma resposta fixa, mas sim perguntando às pessoas como é que elas se querem relacionar com esta ideia de haver um teatro que tem nacional no seu nome e que, de certa maneira, deveria representar um modelo qualquer a partir do qual nós nos deveríamos reger”, começa por explicar o curador, Tiago Bartolomeu Costa, numa visita guiada à exposição.
Quando entramos, a mostra começa por debruçar-se pelo edifício do Rossio. Aqui, encontra expostas notícias sobre a reabertura do D. Maria II, em 1929, pela Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, e também sobre o incêndio que destruiu parte do teatro, em 1964, e também uma maquete que mostra como ficará o edifício depois das obras que estão a decorrer neste momento e que estão previstas terminar em 2025. Nesta sala, destaca-se uma pintura da Rainha D. Maria II, datada de 1837 e pintada por John Simpson, que costuma estar no Salão Nobre do teatro. “Vamos falando do edifício ao longo de toda esta exposição, de um edifício que está fechado, de um teatro que continua a sua missão, mas, na verdade, os edifícios e as marcas dos edifícios, aquilo que atribui significado e simbolismo ao edifício, são aquilo que lá dentro o pode marcar” e, neste sentido, revelou-se importante para o curador expor esta pintura.
Nas paredes e mesas seguintes encontram-se peças que viveram a ditadura e também os primeiros anos de democracia, em que pinturas de Eduardo Malta, figurinos de peças apresentadas, desenhos, fotografias de cena, confrontam a história do teatro com questões sociais e políticas que, ainda hoje, são pertinentes. Um dos exemplos disto é a fotografia, exposta no primeiro piso, com o elenco da peça Um Électrico Chamado Desejo, que se estreou nos anos 60, em que os actores negros, ao contrário dos restantes, não são nomeados, prática comum na altura. “Esta exposição di-lo, de forma muito desassombrada, que a história precisa de ser revista, sob pena de nós não conhecermos a própria história. A contextualização tem de acontecer, naturalmente que há uma preocupação em tentar compreender o que é que aconteceu e quando aconteceu, mas o que nós não podemos dizer é que o teatro é um sítio neutro, o que nós não podemos dizer é que as peças não falam sobre um presente, não respondem à actualidade de então”, sublinha Tiago Bartolomeu Costa.
Frei Luís de Sousa, apresentada em 1943 pela Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, é uma das peças que tem destaque na exposição, incluindo figurinos, textos e recibos da mesma. Na mostra, seguem-se outras peças, como Tartufo, O Lodo, ou Felizmente Há Luar!, que, proibidas pela censura, só puderam ser apresentadas depois de a democracia ser instaurada. Nesta última sala, antes de subir as escadas para o piso seguinte, há ainda uma fotografia, em grandes dimensões, de Ernesto de Sousa, da manifestação do 1.º de Maio de 1974 junto ao Teatro Nacional D. Maria II. Também está exposta uma fotografia da actriz Jenny Larrue, quando integrou o elenco de Tropa Fandanga, em 2014, e também o Globo de Ouro que a peça ganhou, no mesmo ano.
Subindo as escadas, há mais da história do D. Maria II para descobrir. Aliás, entre originais e reproduções, a maioria das peças da mostra, do total de 600, nunca havia sido exposta antes. Neste piso, fala-se sobretudo das mulheres que marcaram e que passaram pelo teatro, mas também das que foram invisibilizadas ao longo da história. Como é o caso de 49 mulheres das quais são apresentados os recibos que comprovam a submissão das suas peças ao Comité de Leitura, que não chegaram a ser seleccionadas e, por isso, não foram apresentadas. É neste sentido que nasce a vontade do curador de mostrar aquilo que não é conhecido do público – “A mim interessa muito pouco fazer uma história do Teatro Nacional que fale outra vez das peças que foram censuradas e que depois voltaram a ser feitas, eu quero perceber porque é que a história que nós contamos é sempre esta, quando as coisas estão todas aqui.”
Na primeira sala, fala-se ainda dos tempos em que Agustina Bessa-Luís foi directora artística do D. Maria II, bem como da única peça que foi encenada, por Filipe La Féria, a partir de uma obra sua, neste caso, As Fúrias. Amélia Rey Colaço protagoniza também este espaço, em que é exposta um conjunto de livros da sua biblioteca pessoal e ainda o telegrama que escreve a dizer que nunca mais voltará ao Teatro Nacional, assim como a notícia a confirmar a sua saída. Além disto, também o traje que utilizou quando se apresentou, pela última vez, em 1985, numa peça inédita de José Régio, é exposto ao lado de um outro, um dos primeiros que utilizou em Zilda, em 1921.
Na penúltima sala, encontramos um palco, em que são apresentados os figurinos que fizeram parte da encenação de Auto da Alma, por Almada Negreiros. Já no último núcleo, há uma parte dedicada a Mãe Coragem, apresentada em 1986 e que integrou Eunice Muñoz no elenco. Aqui, também se pode ver uma fotografia da inscrição do MDP/CDE que foi encontrada na Sala Garrett durante as obras no teatro, no sentido de perdurar a memória do edifício. Ao descer as escadas de volta para o piso térreo, uma tela exibirá, todas as semanas, uma peça diferente, entre as quais Passa Por Mim No Rossio, Frei Luís de Sousa e Mãe Coragem.
Desde Março de 2023, “Quem és tu? – Um teatro nacional a olhar para o país” passou por várias cidades do país e termina a sua carreira em Lisboa, onde fica até 29 de Dezembro.
Museu Nacional do Teatro e da Dança. 6 Jun-29 Dez. Ter-Dom 10.00-13.00, 14.00-18.00. 5€
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