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A inspiração de Querubim Lapa em Bordalo Pinheiro: uma exposição contada a duas vozes

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Bordalo Pinheiro e Querubim Lapa. Dois artistas frente a frente numa exposição com 170 peças, da cerâmica ao desenho. 

Já não podemos falar com nenhum dos dois (infelizmente). Mas Querubim Lapa (1925-2016) tentou falar com Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905) através da sua arte. É isso que se percebe na exposição “Pé d’Orelha. Conversas entre Bordalo e Querubim”, que inaugura quinta-feira no Museu Bordalo Pinheiro e atravessa décadas, unindo os dois artistas através do olhar do mais novo sobre a influência da obra do mais velho. 

Viveram em séculos diferentes, tiveram educações distintas, mas há elos de ligação. “O objectivo foi encontrar as correspondências entre os dois, para criarmos um diálogo que parte do Querubim, porque foi ele que foi beber ao Bordalo”, explica Rita Gomes Ferrão, que comissaria a exposição ao lado de Pedro Bebiano Braga, do Museu. “E parte de um trabalho nosso de curadoria, para percebermos como é que um artista mais jovem olha para trás e recebe os ensinamentos de outro que não é do seu tempo”.

Essas correspondências na obra sempre foram óbvias, mas poucos tinham olhado para elas como um jogo de inspiração. Suzana Barros, viúva de Querubim, foi quem se chegou à frente com a ideia. “Eu sempre achei que o Bordalo e o Querubim representavam dois hemisférios diferentes, mas que se tocavam. Eles são antagónicos a nível de técnica: o Bordalo tem uma fragilidade nas peças que o Querubim sempre evitou. Ele sempre foi mais das linhas redondas, criando peças que não se possam partir e que perduram no tempo”, conta-nos Suzana, enquanto restaura uma obra do companheiro. “É com muita responsabilidade que carrego este legado, sou quase uma cuidadora da obra do Querubim e acho que toda a gente merece vê-la”.

Manuel Manso

Com perto de 170 peças de ambos os artistas, vindas do acervo do museu e de colecções privadas – muitas delas nunca viram a luz do dia –, esta é uma exposição de comparações constantes, cada uma na sua época. Dividida em seis núcleos, a mostra arranca cronologicamente, em 1956, dois anos após Querubim ter inaugurado o seu percurso na cerâmica e é palpável a inspiração que tirava de Bordalo logo aí.

“É engraçado que ambos têm início no desenho, têm a mesma origem. Ambos chegam à cerâmica já feitos enquanto pintores, como artistas, e depois há uma ponte que os liga”, elucida Suzana. Bordalo chegou à cerâmica em 1884, entrando na Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha com mais de um milhar de desenhos publicados – e o mesmo se passou com Querubim em 1954, quando começou na Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego. 

“Ambos tinham um sentido decorativo muito semelhante. O Querubim mais na intervenção na arquitectura num todo, em consonância com o arquitecto – uma obra total – e o Bordalo mais numa de decoração”, afirma Rita. “O alinhamento com o contexto internacional de cada época é um ponto de ligação, até porque ambos tinham uma herança da História de Arte daquele tempo.” 

O primeiro núcleo expositivo intitula-se Heranças. E reconhecem-se aí os elementos que cada um deles herdou da própria história da arte e da cerâmica, como é o caso dos azulejos hispano-mouriscos pé-de-galo que Bordalo retomou e de que Querubim se serviu mais tarde. Este último desenvolveu também uma série de painéis para cozinhas onde a inspiração bordaliana é óbvia: animais, frutos e legumes. 

Em várias situações Querubim introduz elementos bordalianos directamente nas suas peças – é o caso da reprodução de um caranguejo integrado numa placa de cerâmica que Querubim fez para o Hotel do Mar, em Sesimbra, em 1960. No núcleo Citações, há lagostas, santolas ou caranguejos acoplados a placas – não há inspiração maior que esta. E se há outro elemento que os une é o humor. O mais novo fazia canjirões com formas humanas, meio caricaturais, a que chamava deliberadamente de os seus “bordalos”, assumindo que eram uma interpretação moderna da obra de Bordalo – para ver na secção Satíricas.

A integração da cerâmica de autor em contexto fabril é uma das Afinidades (outro núcleo) que se estabelece entre um e outro, que acabaram a criar objectos utilitários e decorativos, como jarros, pratos, travessas ou candeeiros, muito além das peças autorais. Já em Confidências, estão expostos elementos que ambos os artistas definiram como auto-representação, histórias privadas do quotidiano e fora do contexto artístico. 

Manuel Manso

Ainda num registo comparativo, tanto Bordalo como Querubim exploram um universo humorístico-erótico, com a representação do nu e de elementos fálicos, como dita a tradição vernacular caldense. Exemplo claro disso é esta carta de 1950 (a foto acima), a tinta e aguarela, que Querubim dirigiu a alguns amigos e que vale a pena ser vista ao detalhe – deixamos o desafio de descoberta dos pequenos desenhos que compõem esta peça no núcleo Eróticas.

Campo Grande, 382. Inaugura quinta até 21 de Setembro 2020. Ter-Dom 10.00-18.00.

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