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Joaquim Quadros tem 35 anos, mas já teve muitas vidas. Conhecemo-lo na Vodafone.fm, onde durante anos a sua voz nos acompanhou ao longo da tarde e foi autor de rubricas e programas como A Próxima Grande Cena ou o Ginga Beat, desenvolvido em parceria com a Red Bull. Mais tarde, fez o agenciamento de Luís Severo e trabalhou com a Cuca Monga, seus amigos de longa data. Também dinamizou as festas Ouro / Bravo, com Vicente Futscher e Afonso Gomes. Desde 2021, porém, é antes de tudo um dos responsáveis pelo Vago, o bar mais concorrido e na moda de Lisboa. A partir desta semana passa a ser também um dos donos da Lisa, a sala-irmã do Vago, que quer apostar na música ao vivo.
Encontramo-nos com ele e três dos seus sócios para falar da Lisa, no entanto é impossível não começarmos por falar sobre o Vago, o projecto a que Joaquim, os colombianos Felipe e Alejandro Steiner e o brasileiro Luiz Gabriel Vieira decidiram dedicar-se ainda em 2019 – há mais sócios, mas preferem não aparecer. Os quatro conheceram-se naturalmente, em viagens e através de amigos em comum, e perceberam desde cedo que partilhavam múltiplos interesses. Felipe, por exemplo, era fascinado pelos listening bars japoneses, sítios com boa música e melhores sistemas de som, onde dava para beber um copo com todos os preceitos. E Luiz era um dos sócios do Caracol, um listening bar de São Paulo que acabou por ser uma referência para o Vago. O próprio Joaquim já estava a par dessa tendência e familiarizado com o Brilliant Corners, o icónico bar e restaurante londrino, com uma programação musical cuidada. Foi tudo isso que tentaram reproduzir em Lisboa.
“Depois de uma viagem ao Japão, repensei muita coisa. E o contacto que tive lá com os listening bars, por sugestão do Felipe, foi determinante”, descreve Joaquim. Ao mesmo tempo, Felipe, que tinha vivido em Lisboa mas na altura estava em Nova Iorque, decidiu regressar a Portugal e trouxe consigo o sound system de umas festas, “tipo speakeasy”, que fazia na metrópole norte-americana. Foi então que decidiram começar a ver sítios para abrir um bar. “Mais ou menos no Verão de 2019”, se bem se lembra Felipe, acharam o espaço onde hoje está o Vago. Mas só o puderam inaugurar passados mais de dois anos. “Tivemos tanto azar”, recorda o colombiano. “Problemas com as obras, um levantamento arqueológico, um incêndio, e, claro, a pandemia. Que atrasou a abertura durante meses.” Nem tudo foi mau. A inauguração coincidiu com o regresso a uma certa normalidade – “tanto que o nascimento do bar é associado ao fim da pandemia”, aponta o sócio português. “Além disso, esta zona começou a crescer muito, têm estado a abrir cada vez mais coisas aqui.”
Seria injusto, contudo, reduzir o sucesso do espaço ao facto de ter aberto no sítio certo e na altura certa. O mérito é deles, dos funcionários e dos artistas que todas as noites se cruzam lá. “O conceito passa por ter boa música, bons cocktails, boa comida”, resume Quadros. “Mas sem ser um fine dining. Nem um bar boring onde vais só pela mixologia. Um sítio onde consegues combinar democraticamente tudo. E ser acessível.” Alejandro Steiner desenvolve a ideia. “Imaginámos um triângulo que parece fácil: um sítio com boa comida, bons drinks e boa música. Só que depois no papel não é nada fácil reunir isto tudo debaixo do mesmo tecto. Não há muitos lugares que tenham os três. E fazia falta a uma cidade como Lisboa ter um sítio para ir com os amigos, ir só beber um copo”, acrescenta. “Claro. Porque as pessoas nos 30s e nos 40s não querem ir para um sítio nos arredores da cidade dançar”, continua Luiz Gabriel. “Querem vir para o centro, conversar, dançar um bocado, beber um bom dry martini e voltar para casa antes das três da manhã.” Esse sítio é o Vago.
“Um retrato da cidade, do que se está a viver neste momento”
Há, no entanto, coisas que o Vago não é. Que não pôde ser. Que não consegue ter. Por exemplo, concertos. “Quisemos sempre que o Vago fosse um sítio com uma preocupação acrescida com a música, e não só DJ sets”, lembra Joaquim. No início, ainda tentaram fazer lá alguns concertos. “Só que era difícil”, assume. “Até pelas características do espaço. A acústica era um problema, mas o facto de ter uma porta muito aberta sempre, para as pessoas entrarem e beberem um copo, era o pior. Porque isso faz, obrigatoriamente, com que o concerto seja desrespeitado. Pelas pessoas que entram e saem.” Felipe partilha desta leitura. “Quem vem aqui, normalmente, quer uma experiência mais simples: beber um cocktail, ouvir um DJ, falar com amigos”, detalha. “Uma componente mais social”, acrescenta Quadro. “E isso é fixe. Mas torna difícil fazer lá concertos.” É aí que entra a Lisa.
“Vimos o sítio onde agora é a Lisa logo quando vimos o que viria a ser o Vago. Era a mesma agência que mostrava os dois espaços”, revela Joaquim. “Achámos logo que aquele sítio era fixe para um jazz café ou uma lojas de discos, mas para um bar mesmo não dava. Só que este espaço ficou-nos na cabeça. E a dada altura precisamos de um espaço de armazenamento, para guardar coisas do Vago, porque prescindimos de storage para termos o maior espaço possível”, assume o dono. “Éramos rookies”, interrompe Felipe Steiner. “Foi então que falámos com o dono e pedimos para armazenar umas coisas no sítio onde agora é a Lisa.” Era a despensa do Vago, brincamos. “Como estávamos a pagar pelo espaço, decidimos aproveitar e fazer lá mais do que storage. Pensámos logo em passar para lá a programação de música ao vivo”, detalha.
Depois de semanas de testes e festas semi-privadas, a Lisa está pronta para abrir ao público. A inauguração está marcada para esta quinta-feira, 25 de Maio. Carlos Maria Trindade, fundador do Corpo Diplomático e dos Heróis do Mar, além de membro de Madredeus, inaugura a sala, sentado ao piano. Vai reproduzir algumas peças do seminal álbum Mr. Wollogallu, que assinou em 1991 com Nuno Canavarro, além de composições a solo, incluindo umas quantas inéditas. Depois, há um DJ set de Artem Krapivin. A semana continua com um concerto de Adriana João e sets de Diogo e DJ Leon, na sexta, 26; e Mel das Pêras & Thep, no sábado, 27. Na próxima quarta-feira, 31, há um concerto de Narciso, seguido de um DJ set do patrão Joaquim Quadros. A programação de Junho ainda não se encontra fechada, mas a ideia é seguir os mesmos moldes, numa mistura de jazz, música contemporânea, rock, folk e “tudo o que estiver a acontecer”, nas palavras do programador.
“O exercício é o mesmo que temos feito na programação de DJs do Vago. Misturar o máximo possível e ter, na mesma semana, um nome consagrado, um nome emergente, diferentes tipos de música que não seja só clubbing, que não seja só experimental. Mas todas as semanas ser um retrato da cidade, do que se está a viver neste momento. Daí o nome: Lisa”, confessa Quadros, abreviando Lisboa. “A ideia é representar a cidade. Claro que a programação também vai olhar para o resto do país. E é óbvio que vamos acabar a ter artistas internacionais. Porque é muito fácil e prático viajar na Europa hoje.” Ao contrário do que acontece no Vago, porém, onde a entrada é livre, na nova sala vai sempre pagar-se à porta. “Para os artistas receberem o maior valor possível”, adiantam. “Se bem que os preços andarão entre os 5€ e os 12€.”
Até porque a ideia não é trazer à Lisa grandes nomes internacionais. A sala é acolhedora, apesar de pequena. Pode reconfigurar-se para ter mais ou menos espaço, mas o objectivo é nunca colocar em causa o conforto do público. “A ideia deste sítio, para mim, é muito sexy”, diz Joaquim. “Ver um concerto e beber um bom cocktail.” Ou um bom vinho, sugerimos. “Ou uma boa cidra portuguesa, artesanal. Ou uma hard kombucha, também portuguesa, com 6%”, acrescenta Felipe. Ou seja, ouvir boa música e beber uma boa bebida. Como no Vago, onde tantas vezes fomos felizes a ouvir o som certo e a beber um cocktail de autor; mas sem comensais distraídos, nem conversas cruzadas a interromperem o espectáculo, e com a porta fechada para a rua, para que nada desvie a atenção do que importa, dos concertos. Tem tudo para correr bem.
Rua das Gaivotas, 5 (Santos). Qua-Sáb. 21.00-02.00. Instagram: @a.sala.lisa
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