[title]
A exposição “Em Bruto: Relações Comoventes”, inaugurada esta quinta-feira, ocupa as salas do Centro Cultural de Belém com cavaletes, vigas e traves. Pode parecer um projecto de construção civil em desenvolvimento, mas não. Trata-se sim da obra de Fernanda Fragateiro. Iniciado em 2020, é um projeto em constante evolução, que se prolonga até à actualidade, representando os últimos 20 anos da sua carreira.
A instalação gera um conjunto de reflexões sobre o arquitetónico, a cidade, o espaço e a modernidade, invocando as noções de reconstrução e reconfiguração do espaço. Noções estas que se revelam especialmente pertinentes, visto que a obra da artista plástica foi apresentada, pela primeira vez, na Fundación Cerezales Antonino y Cinia, em Espanha, a convite da mesma, onde o próprio espaço pedia uma configuração diferente das peças em relação à que encontramos agora no piso 0 do CCB. A peça teve de ser repensada e adaptada à arquitectura do novo local de exposição, tornando-se uma intervenção distinta da primeira.
Na entrada, tal e qual um vestíbulo, encontramos, pendurado na parede, um casaco impermeável, parte integrante do conjunto de elementos intitulado de Materials Lab, que preenche a primeira sala da exposição. Servindo de introdução à peça principal da mostra, a obra, iniciada em 2015, trata-se de um conjunto de caixas de madeira, consideradas um arquivo dos temas centrais do corpo de pensamento da artista, em que “aquilo que não está dito e não está visível faz parte do trabalho”, explica a artista durante uma primeira visita à exposição.
À arquitectura, escultura, urbanismo e desenho, juntam-se temas como a raça, política, ecologia e as questões de género, particularmente sublinhadas neste projecto, com a referência a várias arquitectas e artistas ao longo de toda a exposição.
Uma destas caixas, entreaberta e coberta com poeira de tijolo, recorda-nos o processo evolutivo e dialogal entre os diferentes projectos da artista plástica desenvolvidos ao longo dos anos. Este material remonta a 2010, altura em que Fernanda Fragateiro fez uma exposição na Central Elétrica da EDP e, ao mesmo tempo, decorriam as obras de recuperação do edifício, em que os tijolos já desfeitos pelo tempo estavam a ser substituídos. “Interessa-me a ideia que um edifício, mesmo acabado de construir, já está a entrar num processo de ruína, aprendi isso com o Siza Vieira”, continua a artista.
Além dos materiais em bruto, como a madeira, o cimento e o talco, esta cartografia conceptual pessoal é complementada por documentos, obras e papéis recolhidos em diferentes momentos e lugares, e também por fotografias, mapas cromáticos e revistas que marcaram a vida da artista. Em pontos precisos das paredes ou dentro das caixas, estas peças coloridas fazem uma história do processo criativo da artista, criando um mapa das suas preocupações estéticas, políticas e filosóficas. Esta “é uma forma do público poder entrar no meu trabalho de forma subtil e particular, em que as pessoas podem, através dos títulos, das caixas e das referências aos materiais, construir as suas próprias histórias”, ideia importante para ela.
Num caminho de plano horizontal, a primeira sala conduz à seguinte, uma espécie de pequena biblioteca, na qual os visitantes podem consultar os livros. Entre vários títulos como Towards a New Architecture, Modos de Ver, Ordinariness and Light e Architecture – A Place for Women, podemos deambular pelos nomes que servem de inspiração ao trabalho da artista.
O estaleiro, a última das três salas contíguas, é ocupada por vigas, cavaletes e traves de grandes dimensões, pintadas de branco. A obra nasce da sua experiência a trabalhar num projecto artístico no Liceu Camões, conta-nos Fernanda Fragateiro. A escola está a ser reabilitada e, em cada sala de aula, a artista está a fazer uma intervenção pictórica nas paredes, na qual introduz uma data e uma frase a partir da qual, de uma forma poética, é possível falar da história do liceu. “Durante esse meu trabalho, observei o processo da obra do liceu e havia um grande estaleiro de obra que estava sempre em transformação, os operários estavam sempre a transportar e acumular materiais e essa dinâmica fez-me desejar muito fazer esta peça”. Paralelamente, a guerra na Ucrânia e o facto de já se pensar na reconstrução desta parte da Europa que está a ser destruída também contribuíram como inspiração.
O espaço situa-nos num “lugar de espera em que temos os materiais, temos aquilo que é preciso para construir”, mas que levanta a questão “o que é que vamos construir?”, pergunta Fragateiro. As enormes vigas são inscritas com o nome de autores e arquitectos, como a alemã Lilly Reich, o casal inglês Alice e Peter Smithson e a curadora americana Matilda McQuaid. Retomadas das salas anteriores, estas personalidades constituem referências fundamentais para o trabalho dos últimos 20 anos da artista.
Na sala ampla, imaculada e iluminada, destacam-se algumas estruturas de madeira, não pintadas de branco, que remetem para a ideia central de processo e de constante transformação. E, em comparação à exposição na Fundación Cerezales, encontramos uma viga nova, com o nome do arquiteto francês Le Corbusier.
Coproduzida pela Fundación Cerezales Antonino y Cinia e o CCB, e com a curadoria de Alfredo Puente, “Em Bruto: Relações Comoventes” ficará patente até 10 de Setembro. Além do horário de visitas habitual, de terça-feira a domingo das 10.00 às 19.00, no sábado, 20 de Maio, em comemoração do Dia Internacional dos Museus, há uma visita orientada por Fernanda Fragateiro às 17.30, de entrada livre.
Praça do Império (Belém). 21 361 2400. Ter-Dom 10.00-19.00. Até 10 Set. 5€
+ Luxo, exotismo e estatuto. O poder dos leques em exposição no Museu do Oriente
+ Há um gigante verde no tecto da Galeria Oval: Hervé Di Rosa chegou ao MAAT