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As madrastas são todas más, é o que nos dizem os contos de fadas: a da Branca de Neve é uma bruxa invejosa, a da Cinderela força-a a cozinhar e a limpar a casa sozinha. E, quando dizemos que a vida nos é madrasta, queremos dizer que tem sido dura, que as felicidades são poucas e os dissabores fazem fila à porta. Mas a palavra “madrasta” vem do latim vulgar matrasta, que significa apenas “mulher do pai”. O sentido depreciativo nada tem a ver com a sua etimologia e, claro, as madrastas não são todas más. Que o diga Inês Neves Rosa. Além de filha e enteada, Inês também é mãe e madrasta (consta que sem reclamações). Tal como a fictícia Joana, que dá muitos mimos e chama à enteada Teresa a “coisa-boa-mais-linda-do-mundo”. Editado pela Porto Editora, A Minha Madrasta, o álbum ilustrado que Inês assina com Mariana Dimas, procura desfazer o estigma e ressignificar a palavra. Chega às livrarias esta quinta-feira, 18 de Abril.
“Encontrei a página Somos Madrastas, da brasileira Mariana Camardelli, em 2021. Fiquei a pensar ‘adorava fazer isto em Portugal’. Falei com a Mari, que foi impecável e me ajudou, e agora o movimento também tem crescido cá [são cinco mil seguidores no Instagram], com vários testemunhos sobre a madrastidade, desde as dificuldades aos sentimentos de invisibilidade, de insegurança, de incompreensão que provocam. Foi por causa disso que me convidaram para falar, por exemplo, n’Um Género de Conversa e foi precisamente por causa desse podcast que a Mariana me contactou a dizer que gostava de fazer um livro”, conta Inês, que é jurista e se estreia agora na literatura para a infância, na companhia de Mariana Dimas. A fotógrafa e ilustradora já andava com vontade de criar um álbum ilustrado para crianças há muito tempo.
“Andava à procura do tema, que teria de partir sempre das minhas vivências, da minha experiência pessoal. O encontro com a Inês coincidiu com uma fase da minha vida em que estava a desempenhar o papel de madrasta pela primeira vez e me sentia muito desamparada”, confessa Mariana Dimas. “A informação sobre este tema é de facto muito escassa em Portugal. Mas, quando cheguei à entrevista com a Inês [no podcast Um Género de Conversa], conduzida pela Paula Cosme Pinto e a Patrícia Reis, eu, que me sentia muito sozinha, senti-me altamente representada. Senti que as minhas inquietações, as minhas questões, a minha ansiedade sobre o tema, apesar de termos diferenças, porque somos pessoas diferentes, tínhamos muitas, muitas coisas em comum. E isso foi muito importante para mim, porque eu ainda não tinha chegado a meio do episódio e já tinha decidido ‘é sobre isto que o livro vai ser’.”
Inês também tinha vontade de escrever um livro, mas inicialmente pensou que seria dirigido a adultos, como continuação do trabalho que já faz diariamente, de ajudar mulheres, mães e madrastas, a lidar com a realidade de terem de partilhar aqueles que amam – e de o fazerem com respeito e compreensão de parte a parte. Ainda assim, não foi preciso muito para a convencer que, como se diz por aí, de pequenino é que se torce o pepino: Mariana lançou o desafio a Inês, Inês aceitou e, de repente, nasceu A Minha Madrasta, um álbum ilustrado que procura ensinar às crianças que as madrastas não são bruxas más, que as mães podem ser aliadas das madrastas e que as madrastas também podem ser fonte de mimos e comida deliciosa, de grandes abraços e brincadeiras, de colo e de beijinhos em joelhos esfolados, de canções para espantar a tristeza e tudo, tudo o que as suas enteadas e enteados precisarem.
“A história tem uma madrasta e não um padrasto apenas porque somos as duas mulheres e queríamos falar com conhecimento de causa, mas na verdade a experiência é muito transversal”, acrescenta Mariana, antes de concordar com Inês sobre o quão redutora é a ideia de que o "ma" em "madrasta" é de "má". É alusivo a mater, que significa mãe, explicam. No fundo, as madrastas também são mães. É esse o papel que, de certa forma, também são chamadas a representar. E é precisamente essa ideia que procuraram imprimir através da história de Teresa e da sua madrasta Joana. “Tentámos que a linguagem fosse simples, mas muito assertiva, e pudesse promover uma conversa no final”, diz Inês. Mariana concorda: “O texto da Inês é muito acessível para crianças bastante pequenas, o que facilita a transmissão da mensagem. Tentei fazer o mesmo com a ilustração [digital], que também tem traços simples, apesar de haver escolhas simbólicas, que acrescentam camadas.” Como numa dupla onde a mãe de Teresa, desenhada a azul, aparece agachada, à altura da filha e sobre uma linha cor-de-rosa que leva ao carro de Joana, a madrasta, desenhada a cor-de-rosa.
“Não há substituição de papéis, mãe e madrasta são figuras diferentes e uma vem acrescentar à outra. Isso foi tudo pensado, tal como as guardas do livro. As primeiras são azuis, representam a casa da mãe. As últimas são cor-de-rosa, representam a casa da madrasta. E percebe-se que a criança anda entre uma e outra. As cores, o azul e rosa, podiam ser outras, não foram escolhidas propriamente para ter um significado, mas o azul é uma cor que evoca segurança, familiaridade, e o cor-de-rosa está ligado ao afecto. Mas podiam ser outras cores: o que é importante passar é que as duas participam da vida da criança e as duas estão em harmonia.”
A primeira apresentação de A Minha Madrasta acontece no sábado, 20 de Abril, às 17.00, na Livraria Bertrand do Chiado. Haverá uma leitura do álbum, feita pela actriz Benedita Pereira, seguida de uma conversa sobre a temática, nas quais as autoras prometem desvendar algumas curiosidades.
A Minha Madrasta, de Inês Neves Rosa e Mariana Dimas. Porto Editora. 32 pp. 13,30€
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