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São um casal, mas marcham por bairros rivais. Por questões de segurança falámos com os dois em território neutro.
Encontrámo-nos junto à Ribeira das Naus, sensivelmente a meio caminho entre os bairros de Alfama e Madragoa, dois dos territórios da cidade que marcham quase pela vida na noite de Santo António. É pela Madragoa que Ana Oliveira sofre e por Alfama que Paulo Cardoso chora. Estão juntos há onze anos e há oito que partilham o mesmo tecto, debaixo do qual guardam verdadeiros segredos de Estado. Perdão, segredos das marchas (está lá perto, está lá perto).
Ana: “Não vais começar, pois não?”. Paulo: “Somos tricampeões”. Ana: “Se Deus quiser o Santo António dá-nos o 1º lugar”. Ana: “A Madragoa é conhecida pela garra”. Paulo: “Nós somos mais competitivos”. Ana: “A gente canta, a gente dança”. Paulo: “Nós não somos bichos do mato!”. Ana: “Na Madragoa é aquele ânimo, diversão, eles não”. Paulo: “Alfama é exigência e rigor, cultura de campeão”. Ana: “Madragoa é diversão, trabalho e somos muito unidos. Poucos, mas bons”. Paulo: “A nível de claque, desculpa, mas não há hipótese”. E por aí fora.
Nascida e criada na Madragoa, a devoção de Ana foi fácil de encontrar. Já a de Paulo, vindo da zona da Póvoa de Santa iria, ficou marcada pelas noites de Santo António que vivia, enquanto ajudava no restaurante dos seus pais, o Restaurante Central (Rua da Madalena). Felizmente partilham a paixão pelo mesmo clube e, já que estamos neste tema, ficámos também a saber que existe um mercado de transferências nas Marchas Populares de Lisboa. Já marcharam os dois pelo Castelo e Ana até chegou a marchar por Alfama. “Eu já entrei nas marchas dele, mas ele nunca entrou na minha”, lamenta em jeito de desafio. Mas a polémica familiar adensa-se: este ano, o filho Bruno será a mascote da Madragoa. “Posso ir para outros bairros, mas a minha marcha é aquela. Vou mais bonito que as mascotes das outras marchas. Só gosto da Madragoa, mas vou apoiar o meu pai”, disse-nos o pequeno marchante. Temos adepto. “Mais bonito sim, mas mais bem vestido não sei”, retalia o pai.
No final de contas torcem por uma coisa em comum: as Marchas Populares de Lisboa que têm cada vez menos gente do bairro, fruto da enorme pressão imobiliária que se tem vindo a sentir. Independentemente da classificação no júri, os dois defendem que o verdadeiro júri das marchas é o povo. O povo que os vê marchar bairro fora e bairro adentro. E aplaude. Os vencedores e os vencidos.
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