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Procuramos a Rua 43, mas só surgem placas com números desconexos: 41, 23, 39, 37, 21, 10, 12... A estas somam-se ruas baptizadas com letras – T, C, J –, sem ser por ordem alfabética, evidentemente; e ainda híbridos, como 7A e 8B. Avistamos um mapa: salvação! Mas, afinal, na placa as ruas não têm nome, nem números, nem sequer o típico “Você está aqui”. Derrotados, regressamos à porta de entrada e consultamos o segurança, que passa a batata quente a um coveiro com quem conversava: onde fica a 43? “Olhe, segue por aqui, vira à esquerda, passa os covais da Polícia, vira outra vez à esquerda e depois é uma rua assim”, explica, descrevendo com o braço uma linha em forma de ponto de interrogação. “Os ‘covais’? isso vê-se bem?”, perguntamos, sem fazer ideia do que a palavra poderá significar. Acabamos por dar com eles, mas a pergunta fica no ar: como encontrar uma rua no Cemitério dos Prazeres?
Gisela Monteiro, funcionária da Divisão de Gestão Cemiterial, disponibiliza-se para nos esclarecer numa rápida visita guiada. Estuda cemitérios desde 2009 e está a concluir um mestrado em História da Arte. A sua formação é em Matemática e trabalhou em Informática até 2021, quando finalmente conseguiu transferência para trabalhar naquilo de que realmente gosta – cemitérios (há até um nome para isto: tafofilia.)
“As placas com os mapas, o nome dos percursos que lá estão indicados, tudo isto é dos anos 90, e tem que ser actualizado”, diz, não deixando, no entanto, de valorizar o enorme levantamento de informação feito nessa época para criar dez percursos temáticos: Símbolos fúnebres, Símbolos profissionais, Símbolos maçónicos, História do cemitério, Grandes homens (“Claro que se fosse hoje não se chamaria assim”, comenta), Heráldica, Tipologia arquitectónica, Morte/imortalidade, Estatuária e Jazigo Palmela. Também nessa década foram colocadas nos jazigos as placas com os símbolos dos percursos e foi criado o núcleo museológico – “que está a ser refeito”, acrescenta.
A Divisão está actualmente a fazer novos mapas e tem 30 visitas guiadas, 20 das quais no Cemitério dos Prazeres. Há visitas para crianças, visitas nocturnas e temas tão variados como a Lisboa modernista, mulheres famosas, músicos e escritores ou os protagonistas da Revolução Liberal – as visitas do mês são divulgadas por mail a 800 subscritores.
“Outra coisa que funciona muito bem é o voluntariado. Chegam aqui pessoas que gostam de cemitérios, que gostam de fotografar, que se interessam por genealogia ou moram aqui ao pé. Com eles estamos a fazer um levantamento fotográfico exaustivo dos dois cemitérios [Prazeres e Alto São João]. Com este trabalho terminado, teremos o levantamento de 90% dos jazigos de Lisboa.”
“Todo o material de divulgação tem de ser refeito – há novas tecnologias! Há dois anos trabalhámos, por exemplo, com a Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Universidade Nova, em projectos-piloto, com realidade aumentada, com a hipótese de fazer reconhecimento de jazigos através simplesmente de imagem, sem necessidade de lá pôr um QR code. Porque nós não queremos adicionar coisas aos jazigos, nem ao cemitério”, explica.
Também novo é o Boletim Cultural dos Cemitérios de Lisboa, cujo número 2 saiu em Novembro e, entre outros temas, inclui um artigo sobre a insólita Batalha da Ajuda, um confronto armado que teve lugar entre os jazigos do Cemitério da Ajuda, em 1925.
Mas talvez a novidade de maior visibilidade seja a Semana Cultural nos Cemitérios, que se estreou em 2022 logo com mais de 1000 visitantes. É uma semana de visitas guiadas em todos os cemitérios da cidade e também de palestras online, com estudantes e docentes portugueses e estrangeiros. Inclui ainda um dia aberto, em que se pode ver o interior de alguns jazigos: vitrais, estatuária, decorações, madeiras trabalhadas e ferragens dos caixões. Em 2023 o evento estendeu-se a Setúbal, Loures e Vila Franca de Xira, que também tiveram as suas visitas guiadas.
Outra boa notícia é que os cemitérios lisboetas estão em vias de classificação pela Direcção Geral de Património Cultural. E que os cemitérios dos Prazeres e Alto de São João tiveram a aprovação da Assembleia Municipal, e depois do Tribunal de Contas, para fazerem parte da Rota Europeia dos Cemitérios, o que aumenta o já de si grande entusiasmo de Gisela em relação ao futuro.
Mas voltemos à questão que aqui nos traz: como é que se encontra uma rua no Cemitério dos Prazeres?! “Esse problema não se costuma pôr”, explica, “as pessoas costumam cá chegar à procura do nome de alguém, vão à secretaria, onde se faz a pesquisa e assinalamos no mapa, que lhes entregamos”. A sequência estranha dos números deve-se aos alargamentos sucessivos do cemitério. Quando cresceu para sul, foi criada a zona ortogonal que vemos no mapa, a que foi dada uma numeração lógica. A zona à direita, a mais antiga, recebeu essa numeração nos seus quatro grandes talhões, mas, à medida que se criaram ruas dentro desses talhões, elas foram recebendo números sequenciais. Já as letras, foram usadas para ruas sem saída. “Não é provável que esta numeração tão antiga vá ser mudada”, ri Gisela Monteiro.
Conselho de amigo: peça um mapa à entrada (esses têm os números das ruas). Ah! E a Rua 43 fica mesmo antes da 41 (e depois da 25).
Dúvidas, inscrições e informações sobre as visitas guiadas (algumas delas pela própria Gisela Monteiro, a não perder): cemiterios.visitas@cm-lisboa.pt