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A política através da joalharia, na nova exposição do MUDE fora de portas

Inaugura esta quinta-feira, no Palácio da Calheta, a última grande exposição da 2.ª Bienal Internacional da Joalharia Contemporânea de Lisboa, incluída no programa MUDE Fora de Portas.

Mauro Gonçalves
Escrito por
Mauro Gonçalves
Editor Executivo, Time Out Lisboa
Peça da joalheira finlandesa Eija Mustonen
DRPeça da joalheira finlandesa Eija Mustonen
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"Sendo pequena, [a joalharia] tem a capacidade de falar de coisas grandes e complexas." A frase de Patrícia Domingues, uma das curadoras da exposição "Madrugada – A Joalharia e a Matéria da Esperança", com inauguração marcada para esta quinta-feira, às 19.00, serve de preâmbulo à visita. Distribuídos por várias salas do Palácio da Calheta, em Belém, os oito núcleos temáticos reúnem as criações de mais de 90 autores, provenientes de mais de 30 países. Liberdade, política, democracia, activismo, guerra, diplomacia e direitos humanos são alvos de reflexão, pela lente da joalharia contemporânea. A escala das peças relativiza-se em prol de mensagens que falam mais alto.

"A joalharia, como algo que usamos no corpo, tem um poder enorme e muito imediato", acrescenta Domingues, que assina a curadoria da exposição, juntamente com Marta Costa Reis, presidente da Associação Portuguesa de Joalharia Contemporânea (PIN) e a espanhola Mónica Gaspar. O objecto jóia, como convencionalmente entendido, é colocado em perspectiva. Aqui, a joalharia é território permeável a contextos políticos e sociais e a sensibilidades artísticas e criativas de cada autor. Ainda com os 50 anos do 25 de Abril como ponto de partida, a exposição arranca com o devido contexto – "a explosão da madrugada do dia 25 de Abril de 1974, da liberdade, das cores, num mundo que até então era a preto e branco", nas palavras de Marta Costa Reis.

Num primeiro momento, a joalharia cruza-se com o têxtil – pelas mãos de Caroline Broadhead, que pacientemente, durante a pandemia, construiu um manto com minúsculas missangas, mas também nas peças de vestuário bordadas com os nomes de mulheres submetidas a trabalhos forçados numa lavandaria inglesa.

O colonialismo – tema que levou Geraldine Fenn a criar um conjunto de peças que cruzam elementos ocidentais, como medalhões e camafeus, com técnicas indígenas da África do Sul –, ou a objectificação dos corpos queer são outros dos temas tocados ao longo da exposição. Na sala que alberga a xiloteca do Jardim Botânico Tropical está um núcleo dedicado ao próprio material – "materialidades tóxicas, carregadas de histórias", como introduz Mónica Gaspar, que destaca Pinocchio, peça de David Bielander com a forma de um longo nariz, feita de madeira de um confessionário católico.

A ironia e o humor são também eles veículos de sátira a crítica política. Os tampões-bala de Sophie Hanagarth são um dos exemplos, criados depois do parlamento do Texas ter proibido a entrada destes objectos no edifício, enquanto eram discutidos os direitos reprodutivos femininos. Os tampões ficaram à porta – não fossem ser arremessados contra os parlamentares –, as armas continuaram a ser permitidas.

Anna Avits, de origem ucraniana, criou There are no words, uma gag ball na forma de matriosca, e Russian dance, um par de sapatilhas de ballet em chumbo, com fitas alusivas ao triunfo soviético na Segunda Guerra Mundial. Valerie Oi Ying Ho, na sequência da Lei de Segurança Nacional imposta pelo governo chinês em Hong Kong, criou pequenos crachás com a figura de Winnie the Pooh. Quando raspada com uma moeda, a imagem dá lugar a uma outra, a do presidente Xi Jinping.

No final, os objectos expostos remetem para ideias como conciliação e coexistência – entre humanos, humanos e natureza, civilização e tecnologia digital. Numa das vitrines, estão duas chaves – símbolo da resistência da população na Faixa de Gaza. "Muitas pessoas mantêm a chave da casa que perderam pendurada ao pescoço. Uma forma de manter a esperança de um dia recuperarem o que perderam", explica uma das curadoras. Naama Levit, autora israelita, produziu a sua peça a partir de uma pedra calcária da "Terra Santa", enquanto Nedda Al-Asmar, palestiniana, reproduziu o mesmo objecto em ouro de 24 quilates.

"Questões políticas vistas pela lente das artes e da cultura", como resume Bárbara Coutinho. Encerrado para obras desde 2016, o museu produziu a exposição, que pode ser visitada até 22 de Setembro, que conta ainda com design expositivo de Nuno Pimenta. Sobre a reabertura do museu, a directora do Mude remeteu o anúncio de uma nova data para a próxima semana.

Rua General João Almeida, 15 (Belém). Ter-Dom 10.00-18.00. Até 22 de Setembro. Entrada livre

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