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De forma discreta, nasceu em Lisboa a Rizoma, uma cooperativa que está a germinar em várias frentes e que começou com uma mercearia comunitária. O espaço, ainda provisório, encontra-se no Beco do Rosendo, numas instalações que a associação Renovar a Mouraria cedeu gratuitamente em Fevereiro passado, dando a mão à iniciativa recém-nascida. Uma “mini-Rizoma” com produtos responsáveis a preços justos, contam-nos alguns dos já mais de 200 cooperantes, dos 23 aos 76 anos, com os quais nos sentámos a conversar.
A mercearia comunitária corresponde à “secção Consumo” da Rizoma, que se está a preparar para muito mais, da cultura à habitação. É exclusiva para membros e tem 300 variedades de produtos a um preço justo, muitos regionais e sazonais, de 64 produtores ecologicamente responsáveis.
Mas vamos um pouco mais atrás, quando a ideia para a cooperativa nasceu. Foi durante uma conversa entre amigos sobre o sistema alimentar e as chamadas “food coops", muito comuns nos EUA, França, Itália, Inglaterra ou mesmo em Espanha, aqui ao lado. “O primeiro modelo de mercearia comunitária do mundo é o Park Slope Food Coop, que surgiu em Nova Iorque nos anos 1970”, explica Claraluz Keiser, geógrafa urbanista e uma das primeiras cooperantes da Rizoma. Ao seu lado está Bernardo Fernandes, investigador e estudante de doutoramento em Sociologia que resume como tudo funciona. “Eu diria que uma das diferenças grandes para uma associação tem a ver com a forma como a cooperativa se organiza. Neste caso, como é uma cooperativa integral, pode estar distribuída por vários ramos de actividade. A ideia é podermos ter a secção de Consumo que opera sozinha, mas tendo como referência todos os princípios que construímos (e se vão construindo) para a Rizoma. Isso permitirá abrir uma secção de Habitação, uma secção de Cultura… que legalmente estão abertas, mas ainda não têm actividade.”
Para se juntar a esta comunidade só precisa de comprar um mínimo de três títulos, ou seja, “todos os membros são como sócios e nós temos o mínimo legal de comparticipação no capital social que é adquirir três títulos de capital social, cada um a 5€. Foi o mínimo que adoptámos da legislação portuguesa”, acrescenta Chloé Gastine, que vem da área da produção e comunicação cultural: “O que eu sinto como cooperante é que isto também é o meu projecto.”
No modelo adoptado para a Rizoma, cada cooperante é um “membro/proprietário/trabalhador/consumidor”, explica Claraluz, que acrescenta a figura de “prossumidor” – uma mistura entre o produtor e consumidor. É que a adesão não se fica pelos títulos sociais. “Queremos que as pessoas se interessem mais por aquilo que é seu, e para pertencer à Rizoma na secção de Consumo as pessoas têm de trabalhar três horas por mês, é uma das condições”, diz Bernardo.
Como cooperar
Quem estiver interessado em juntar-se à Rizoma, pode-se inscrever numa sessão onde se explica o que é o projecto, as secções, os turnos de trabalho na mercearia e a adesão. “É importante para a cooperativa que a pessoa perceba se está de acordo com os ideais”, diz Bernardo. As sessões são feitas em português e inglês, duas vezes por mês, e no final cada pessoa decide se quer avançar. De seguida, os novatos podem inscrever-se (ou não) num projecto chamado coo-piloto, em que outro membro ajuda a fazer a integração e também dá formação na mercearia, seja na parte da caixa, na mercearia/rizobar, ou no no waste, uma vertente que transforma alimentos “que já não estão muito felizes em novos produtos felizes”, explica Claraluz. Por exemplo, uma rúcula que já esteja a ficar mais amarela pode ser transformada em pesto que é vendido na mercearia ou servido nas tostas do rizobar. E se por alguma razão alguém quiser sair da cooperativa, pode reaver os seus títulos de capital social.
Rizomacracia
Para se organizarem da melhor forma, na Rizoma foram criados vários grupos de trabalho. “Nós nos inspiramos no modelo de organização da sociocracia e brincamos que temos uma ‘rizomacracia’ – no sentido em que tem diferentes círculos, que são os grupos de trabalho, com um coordenador e um representante”, explica Claraluz. Bernardo, ligado ao grupo de trabalho Governança, que lida com as questões burocráticas, continua: “Temos as semanas do ano divididas de A a D. Na semana D há a Reunião Geral, mas durante a semana B são criadas as propostas, temos tudo numa drive e as pessoas podem ir lá fazer comentários. Na semana C fazemos um deep dive, um momento de discussão, para debater o assunto que for e depois cria-se um documento final que vai à reunião.”
Até existe um grupo de trabalho dedicado aos Produtos, que “tem um trabalho enorme de prospecção”, avança Claraluz. “Temos uma tabela em que se compara se é a granel, local, ecológico, pequeno produtor, artesanal, comércio justo… Há um verdadeiro trabalho de pesquisa. E não queremos ser uma mercearia de nicho, para pessoas ricas, até porque a maior parte dos cooperantes é de classe média, média baixa, temos muitos estudantes. Então na tabela de comparação, também temos a parte da acessibilidade dos produtos.”
E depois, a habitação
Um dos projectos mais ambiciosos desta cooperativa é a Habitação. “Desconfio que vai ser mais difícil de arrancar, porque envolve mais dinheiro, mais licenças, mais estrutura burocrática. Mas diria que é um dos objectivos últimos da Rizoma. Uma das partes que considero mais importantes neste projecto de habitação é ir buscar recursos comunitários, o dinheiro pode ser investido na comunidade de forma sustentável. Há vários modelos de investimento, mas a ideia principal é ir buscar o dinheiro que está a ser mal utilizado pelos bancos”, explica Bernardo. Claraluz revela mais um sonho rizomático: “Eu sempre penso que daqui a dez anos vamos abrir a secção Política e fazer uma lista para a Freguesia. Consumir aqui, de certa maneira, é um acto político, porque não é só consumir, mas também escolher uma outra maneira de se alimentar e alimentar o outro.”
Espaço, procura-se
No futuro, a ideia é também ajudar a replicar este modelo de mercearia de bairro, “onde toda a gente se conhece e trabalha junta”, defende Claraluz, para quem “o ideal era que cada freguesia tivesse uma Rizoma”. Não com o nome Rizoma, mas com um modelo semelhante. “Nós estamos mais do que disponíveis para passar todo o nosso conhecimento, da mesma maneira que a cooperativa Minga fez connosco. E agora queremos criar uma rede de cooperativas em Portugal, um primeiro encontro em breve, para ajudar a desenvolver outros projectos.”
A “próxima grande etapa”, como descreve Chloé, é encontrar um espaço maior até Fevereiro. Claraluz concorda: “Fomos muito bem acolhidos pela Renovar a Mouraria. Então decidimos encarar como mini-Rizoma, como projecto-piloto para testar o modelo, ver a adesão, testar os produtos, os horários… foi um ano de teste.” Mas, em breve, rumam a Arroios, já que se candidataram ao financiamento do programa Bairros Saudáveis com o território de Arroios, tendo-lhes sido atribuídos 50 mil euros. Não está fácil encontrar o espaço ideal para uma Rizoma com espaço para crescer, pelo que apelam à ajuda de toda a comunidade, poder local incluído, para os ajudar na missão. É que a união faz a força.