[title]
Desde esta segunda-feira, 13 de Maio, que a Estrada Regional 247, a via que acompanha a linha do eléctrico entre Sintra e Colares (e que prossegue até ao Cabo da Roca), está de luto. Moradores e activistas juntaram-se para instalar dezenas de cruzes negras "nos locais que estão a ser desflorestados pela IP – Infraestruturas de Portugal, no Parque Natural Sintra-Cascais" (PNSC). "As cruzes sinalizam os pontos onde a IP está a matar a natureza, com o abate abusivo que tem feito de grande número de árvores adultas, saudáveis e autóctones", acusa o Movimento de União em Defesa das Árvores (MUDA), num comunicado enviado à Time Out.
O corte, no entanto, terá enquadramento legal, como explica por telefone Florbela Frade, do Grupo dos Amigos das Árvores de Sintra (GAAS). "É difícil actuar, porque o abate está protegido pela lei", diz. Na sequência dos grandes incêndios de 2017, o decreto-lei n.º 10/2018, de 14 de Fevereiro, que veio clarificar os critérios aplicáveis à gestão de combustível (leia-se, material inflamável) em eixos secundários no âmbito do Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios, não prevê excepções quanto ao abate de árvores relativamente a áreas protegidas ou parques naturais. Mas "é preciso rever os termos em que a lei foi escrita", defende Florbela Frade. Foi essa necessidade que motivou o GAAS e outros movimentos e cidadãos a endereçar, a 5 de Maio, um pedido de audição urgente à Comissão de Ambiente e Energia da Assembleia da República.
Na carta chama-se a atenção para o abate de pinheiros mansos, plátanos de grande copa ou sobreiros e eucaliptos centenários. "São abatidos porque, simplesmente, se encontram nas faixas de dez metros objecto das medidas preconizadas no anexo ao Artigo 2.º ao referido DL." No PNSC, em específico, têm sido testemunhadas "empreitadas de desbaste selvagem" sem que haja uma reacção adequada, consideram os signatários, das entidades responsáveis, neste caso, a IP, o Instituto de Conservação da Natureza e da Floresta (ICNF), a Parques de Sintra – Monte da Lua e a Câmara Municipal de Sintra. No documento refere-se, ainda, que o legislador "esqueceu-se também de fundamentar a própria lei com as bases científicas que seriam expectáveis e adequadas a uma governança fundamentada e moderna", que deveria prever a protecção da flora autóctone.
Em paralelo ao corte de árvores, "a grande quantidade de sobrantes florestais que está a ser deixada ao longo das bermas da estrada" é vista com preocupação, já que pode "potenciar o risco de incêndio", com o calor, alerta o MUDA. Antes de colocar as cruzes negras na ER 247, na semana passada, o mesmo movimento participou noutro protesto no PNSC, apelando à intervenção das entidades competentes para que se ponha um fim ao "ecocídio em curso". "Começámos a perceber que a lei está a ser interpretada como 'corta-se tudo'. E até já vimos um caso caricato em que cortaram tudo à volta e deixaram as acácias, que são uma espécie invasora, só porque estavam para lá dos 10 metros que a lei prevê", relata Florbela Veiga Frade, do GAAS, à Time Out.
Queixas sem resposta
Embora a situação tenha sido reportada várias vezes a diferentes entidades, não têm sido recebidas respostas. Como afirma Florbela Frade, o facto de existirem vários responsáveis envolvidos na gestão do PNSC dificulta a tentativa de travar o problema. "As responsabilidades diluem-se", analisa. Também Nuno Agostinho, do MUDA, refere que as sucessivas tentativas de contacto com a IP não têm surtido efeito. "Por muito que tente, e foram várias as vezes, nunca consegui dialogar com a suposta Direcção de Sustentabilidade da IP, o que me leva a crer que ou a mesma é inexistente, ou a existir é de fachada. Também nunca consegui grande reacção da IP além das respostas 'redondas' e de ser sempre tratado como 'cliente', mesmo tendo alertado que o meu contacto era como cidadão. Esta IP opera como se fosse privada e não como uma empresa pública que deva responder aos cidadãos", critica.
Em Março, foi criada a petição Contra o abate massivo de árvores perpetrado pela Infraestruturas de Portugal, em que se alerta para o abate de "arbustos e árvores, de pequeno e grande porte, junto da rede rodoviária e ferroviária nacional", que tem vindo a acontecer "de forma continuada, injustificada e sistemática" em locais como o PNSC, mas também em Santarém (EN-362), Ponte da Barca (EN-101), Senhora da Luz (EN-114), Santa Maria da Feira (Linha do Vouga) ou na Prelada-Porto (VCI). "Com rapidez e leviandade, muitas vezes sem cumprir o aviso prévio legal, matam-se árvores que demoraram décadas a crescer, quando precisamos delas mais do que nunca", pode ler-se no documento. A causa conta com mais de 1400 assinaturas online e cerca de 200 presenciais. Recentemente, a Câmara Municipal do Porto ordenou a suspensão do abate de árvores junto à VCI, levado a cabo pela IP, que alegou, em Março, citada pelo Jornal de Notícias, que o corte de 60 árvores visava “garantir a segurança de pessoas e bens”.
A Time Out pediu esclarecimentos à IP e à Câmara Municipal de Sintra (CMS) sobre o abate de árvores na estrada 247. A CMS defende, numa declaração enviada por e-mail, tratar-se de uma "intervenção da inteira responsabilidade da Infraestruturas de Portugal", autorizada pelo ICNF e que, de acordo com a mesma empresa, "tem como principal objectivo a execução das faixas de gestão de combustível de modo a assegurar condições de circulação em segurança para pessoas e bens". Ainda assim, o município garante estar a acompanhar as operações, tendo comunicado as suas "preocupações" à IP, nomeadamente "a existência de resíduos verdes resultantes dos trabalhos de arboricultura, deixados na faixa de gestão de combustível junto à rodovia". A IP, por sua vez, não respondeu ao contacto da Time Out.
Notícia actualizada às 21.39 de 15-05-24, com as declarações da Câmara Municipal de Sintra.