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Afonso Cabral é a voz de You Can’t Win, Charlie Brown, toca com Bruno Pernadas, Minta & The Brook Trouts e Mais Alto!, e vai editar um novo álbum a solo esta sexta-feira, 8 de Novembro. É o segundo. Demorar chega cinco anos depois de Morada, a estreia em nome próprio, e funciona como um lembrete para o próprio se “permitir a demorar”. “Foi essa a razão principal para eu não fazer outro disco a solo tão rápido”, diz.
O cantor e compositor recebe a Time Out nos estúdios louva-a-deus, que fundou em Dezembro de 2023 com Francisca Cortesão, a Minta dos Brook Trouts. “Foi ela quem me desafiou para abrirmos juntos um estúdio”, explica. “Descobrimos este espaço aqui em São Domingos de Benfica, que era uma antiga igreja Baptista Pentecostal, e que transformamos naquilo que é agora o louva-a-deus”. É neste antigo espaço de oração que, por exemplo, trabalham o músico e produtor Benjamim e o engenheiro de som Nelson Carvalho, antigo responsável pelos Estúdios Valentim de Carvalho. Foi também aqui que decorreram as sessões de Demorar, onde o músico volta a servir-se da valiosa rede de cúmplices que foi tecendo no último par de décadas.
“Ao contrário do que aconteceu com o Morada, os músicos só entraram em contacto com as canções já na hora de gravar, em estúdio”, conta Cabral. Nas nove canções que compõem o disco encontram-se nomes familiares como os de Minta, Pedro Branco, António Vasconcelos Dias e Margarida Campelo, bem como a participação especial de Manuela Azevedo, dos Clã, no tema-título. “No primeiro [álbum] houve meio que um deslumbramento, um fascínio”, recorda. “Tinha uma ideia das canções e depois, quando as levei para os ensaios, elas ganharam uma cor e uma vida que era muito própria deles [dos músicos convidados]”. “Neste” – continua – “tinha a vantagem de já saber mais ou menos quais eram essas cores e esses timbres e essas ideias que eles traziam, portanto fiz as coisas a pensar um bocadinho neles e na forma como isto poderia soar na mão deles. A demora fez ir mudando muito daquilo que acaba por ser este disco”.
Lançado em 2019, Morada marcou o primeiro trabalho cantado inteiramente em português de Afonso Cabral. Nessa altura, o músico reconhecia o peso acrescido que a troca do inglês para o português implicava na leitura das suas canções. Hoje, diz-se “confortável” e “cada vez melhor” a escrever na sua língua-materna. "Foi um passo que levei muito tempo até dar e assumir, mas a partir do momento em que comecei a escrever em português, para mim – pelo menos por agora – ficou impossível escrever em inglês”, admite. “Desde então, ainda não consegui – nem sequer ponderei – voltar a escrever em inglês”.
Em Morada, o músico contava histórias pessoais a partir de detalhes ficcionais: ruas, endereços, a descrição minuciosa da estante da sala que não era a sua. Demorar vai mais longe na jornada interior. “Só consigo – pelo menos neste momento – escrever sobre aquilo que me é próximo e que me vai na alma”, afirma. “Se vou descobrindo mais coisas sobre mim? Não sei, descubro umas e deixo de perceber outras”.
Muito graças ao seu percurso na banda de Bruno Pernadas, Afonso Cabral desenvolveu um certo fascínio pela cultura japonesa. “Fui lá tocar um par de vezes com ele, depois voltei de férias e vim de lá com o desejo de ter uma participação japonesa no meu próximo disco”, disse. Shugo Tokumaru, membro dos Gellers e autor por direito próprio, foi o primeiro nome que lhe veio à cabeça para cumprir esse desejo. "Fui procurar um e-mail no site dele, mandei-lhe a música e ele disse logo que sim, nem durou sequer 24 horas a responder", recorda. “Confusão”, um dos singles de Demorar, foi o resultado dessa correspondência feita a partir de uma simples troca de ficheiros.
“Mandei-lhe uma maquete já muito completa em que tinha a parte em que ele canta, mas comigo a cantar com uma letra em português, e disse-lhe: "Gostava que esta parte fosse em japonês com uma letra tua". Assim foi. "Falei com ele na ideia de lhe fazer saber o que é eu queria e ele mandou-me aquilo exactamente como está", explica. "Foi sempre impecável e muito cordato, à boa maneira japonesa, portanto só tenho bem a dizer deste processo. Era exactamente o que eu tinha nos meus sonhos".
Durante a entrevista, o músico recorda com carinho os multiversos de Hideo Kojima e dos videojogos que marcaram a sua juventude, como é o caso de Final Fantasy, Tomb Raider e a primeira sequela de Streets of Rage. “Passei muitas horas a jogar, agarradinho a uma televisãozinha muito pequena”, admite. A ligação ao Japão, contudo, encontra-se sobretudo nesse tema, inspirado pelas dinâmicas tonitruantes de Shugo Tokumaru no álbum Toss (2016), um dos trabalhos mais importantes na definição estética de “Confusão”. “Esta música possui umas quebras de vez em quando, com os samples dos meus miúdos a rir e a fazer barulho. Se calhar foi isso que me levou até à música do Shogu”, admite.
Os “miúdos” a que se refere são os seus filhos. É a eles – “a maior influência” na escrita e no processo de Cabral – que dedica o novo álbum. São eles também que dão cor extra a alguns dos temas que compõem o seu repertório, um corpo cada vez mais avultado de canções luminosas e candura pop. Em Fevereiro, essas canções vão conhecer as tábuas do Lux Frágil, mas a transformação para o palco está a ser feita, tal como o disco, de forma demorada. “Tenho o primeiro ensaio para começar a pegar nessas canções marcado para [esta] semana”, admite. “Já tenho algumas ideias de como é que vou fazer a coisa, mas só quando tiver as mãos na massa é que vou perceber completamente”.
Lux Frágil. 27 Fev 2025 (Qui).
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