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Afonso Rodrigues: "Tive de sair da zona de conforto para, estranhamente, aproximar-me da língua do país onde nasci"

Fez parte de grupos como Sean Riley and the Slowriders ou Keep Razors Sharp vai, pela primeira vez, editar música em português. A Time Out falou com o artista sobre a nova fase da carreira.

Hugo Geada
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Hugo Geada
Jornalista
Afonso Rodrigues lançou “Já Nem Sei”,
Kid Richards | | Afonso Rodrigues lançou “Já Nem Sei",
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Depois de ter sido uma referência na música alternativa portuguesa com projectos como Sean Riley and the Slowriders ou Keep Razors Sharp, Afonso Rodrigues, agora, quer se apresentar sem “capas”. O artista de Coimbra está a preparar uma nova fase da carreira, onde se apresenta com o nome de baptismo e canções escritas em português. A primeira amostra desta nova aventura é “Já Nem Sei”, single lançado a 29 de Novembro. O resto do disco será lançado no final de Dezembro.

A Time Out esteve a falar com o artista e quis perceber como é que Afonso fez esta transição na sua carreira e o que é que inspirou as novas canções.

Como surgiu a ideia para trabalhares nestas novas músicas cantadas em português?
Era um desejo pessoal de longa data. Fui muito influênciado pela música portuguesa quando era mais novo, lembro-me dos meus pais estarem constantemente a ouvir música portuguesa. Foi graças ao meu pai que desenvolvi uma grande paixão pelo Zeca Afonso, que terá sido um dos primeiros artistas a ter um grande impacto na minha vida. Desde essa altura que ambicionei escrever em português, mas não sabia muito bem como fazê-lo ou se era capaz de o fazer bem.

Foi por isso que estiveste envolvido noutros projectos, como Sean Riley and the Slowriders ou Keep Razors Sharp, onde cantavas em inglês?
Durante todos os anos em que me debati com essa questão, ia fazendo as outras coisas que achava que sabia fazer melhor. Nunca me tinha sentido, particularmente, português, mas à medida que a vida e o tempo foi avançando, os meus filhos nasceram, comprei uma casa em Lisboa, e cada vez mais parecia que, de facto, a minha vida tinha aqui uma raiz que se enterrava cada vez mais fundo na terra. Há cerca de quatro anos, senti esse chamamento que me faltou durante todo este tempo. Senti que esta era de facto a minha verdade e a minha língua. Foi aí que decidi dar o último empurrão e avançar com esta vontade.

Isso foi quando?
No final de 2019. Tive algum tempo, também devido à pandemia, e comecei a tentar de facto escrever as minhas primeiras canções em português. A primeira canção que escrevi foi "África no Coração". Ela fez-me perceber que era capaz de escrever na minha língua e deu-me muita confiança. Comecei a dedicar-me um pouco mais à escrita em português. Ainda lancei um disco, Life (2021), com os Slowriders, e um EP com o Legendary Tigerman, Andaluzia (2022), mas depois decidi que estava na altura de dedicar-me a este a este novo capítulo.

Acredito que fazer música em português seja, no teu caso, um pouco contranatura, uma vez que o teu registo está mais ligado ao rock'n'roll e ao rockabilly.
É bastante. Quando comecei a editar, muita gente me perguntava porque é que escrevia em inglês. Costumava pensar que a razão disso acontecer tinha a ver com o facto de que quando comecei a fazer canções, estava rodeado de música em inglês, como o Bob Dylan, Will Oldham, o Bill Callahan, Neil Young, o Elliott Smith. Portanto, para mim, era extremamente natural cantar dessa maneira. Tive que sair da zona de conforto para, estranhamente, me aproximar da língua do país onde nasci.

Na altura em que começaste a lançar música também era mais normal encontrarmos projectos portugueses a cantar em inglês.
Sim, é verdade. O panorama mudou bastante. Aliás, posso te dizer que no início de Slowriders cheguei a mostrar algumas músicas em português e os meus amigos ficaram um bocado reticentes. Foi um longo percurso até encontrar o meu espaço, o meu sítio, a minha voz e a minha escrita. Também já sei o suficiente sobre música para não querer fazer uma coisa só porque sim. Queria fazer uma coisa com qualidade.

Estavas a falar de referências. Mencionaste Bob Dylan, mas também Zeca Afonso. Que outros artistas portugueses te influenciaram?
Posso falar de duas alturas completamente distintas. Obviamente, tudo começa com o Zeca Afonso, mas o Jorge Palma é, provavelmente, um dos meus artistas preferidos de sempre. Desta geração, ainda temos pessoas como o Sérgio Godinho ou o Fausto. Mais recentes temos o B Fachada, o Benjamim, Luís Severo, os Capitão Fausto e da escrita do Tomás Wallenstein. Há muitos artistas que gosto, mas todos assim ligados à canção autoral.

Além das letras em português, também te apresentas com o teu próprio nome, Afonso Rodrigues. Isto foi uma forma de espelhar a sinceridade que estás a imprimir nestas novas canções?
É precisamente essa a minha intenção. Quando já fizeste não sei quantos discos como Sean Riley, Sean Riley and the Slowriders, como Keep Razors Sharp... A minha ideia aqui era tirar todas as capas. Não há mais pseudónimos, não há mais línguas estrangeiras. Esta é a verdade de hoje. Ponderei arranjar outro pseudónimo, mas a verdade é que queria que este projecto fosse o mais honesto possível e, para passar esse sentimento, só o meu nome é que encaixava aqui.

Qual é que foi a maior dificuldade nesta transição para cantar em português? Sinto que adoptaste uma abordagem completamente diferente, nem reconheço o cantor que passou pelos Slowriders ou pelos Keep Razors Sharp.
Foi um longo percurso até encontrar a minha voz e o que queria dizer. Tive de fazer uma reflexão para perceber quem é que eu era enquanto escritor de canções em português para depois conseguir cantar de uma forma não consciente, sem ter de pensar nas tónicas ou nas rimas. A que tu ouves na sonoridade surge também deste sítio diferente de onde estou a escrever as canções.

Na promoção que tens feito abordas a importância que a viagem que fizeste a África, em 2021, teve para avançares com este novo projecto. O que aconteceu para despertar esta vontade?
As canções não surgiram desta viagem. Elas começaram a ser escritas antes de ir e continuaram a ser escritas muito depois de voltar. O ponto de ligação com a África é o facto de tu desligares de muitas áreas diferentes da tua vida. Finalmente teres tempo e distância para pensar. Isto ajuda-te a ter uma perspectiva diferente. Na altura, passei muito tempo no Malawi. Foi aí que tive a oportunidade de pensar seriamente sobre este projecto e sobre como iria dedicar-me. Não existiu uma influência do ponto de vista cultural ou musical, mas sim pelo facto de que me permitiu fazer esta viagem, não só externa, mas também e principalmente interna.

Há pouco falavas sobre a importância de despir a capa dos teus projectos anteriores, mas quais são os elementos que trazes do passado para este trabalho?
Gosto de música assente em emoções e que conte histórias. Tento sempre que isso exista na música que faço. Mesmo que seja um pouco romanceada, tento sempre que esteja ancorada num sentimento real, seja ele meu ou de alguém próximo, como é o caso da "Já Nem Sei". Existe sempre a procura de uma verdade e depois tento sempre fazer a interpretação deste sentimento. Acho que é isso que trago dos Slowriders ou dos Keep Razors Sharp.

Qual é a história desta canção?
É baseada numa história real de alguém que está próximo de mim. Ele estava numa relação de grande intermitência com alguém que amava (ou que achava que amava) e que, supostamente, era recíproco. Era um grande vendaval e existiam muitos conflitos. Isso levou-me a pensar sobre mim, as minhas relações e estas relações intermitentes, que muitas vezes podem ser piores do que uma má relação ou não teres uma relação. Esta canção é muito sobre essa ideia. Quando amas alguém e as coisas não rolam, até quando é que vais continuar a insistir? 

A canção acaba com uns versos muito fatalistas. "Nunca vai dar / Nada há de ser / Bateu o destino, é nascer pra morrer". 
Isto vai de encontro àquela ideia de que precisas de sair da floresta para ver as árvores. É importante pensar que a vida é finita e que nós não vamos estar aqui para sempre. Temos de pensar melhor nas nossas escolhas, com quem queremos passar o tempo e o que queremos, realmente, fazer com a vida.

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