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São conhecidas e noticiados os achados arqueológicos que se encontram a cada buraco que se cava em Portugal. Mas e os que ficam perdidos nos rios e mares? O Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática (CNANS) nasceu nos anos 90 do século passado, mas só agora encontrou uma casa adequada à fragilidade destas descobertas, que precisam de muito cuidado para não se danificarem quando saem do seu (último) elemento: a água, onde terão vivido pelo menos um século.
A missão? Conservar artefactos e estruturas encontradas em contextos arqueológicos encharcados por todo o território nacional. Fundado em 1997, o CNANS é o braço subaquático da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) e o responsável pelo tratamento de achados nas águas portuguesas, doce ou salgada. E se pensarmos que 97% do território nacional está submerso, há certamente muito por desenterrar. Prova disso é que o CNANS tem à sua guarda mais de 20 mil artefactos, desde a Idade do Ferro à I Guerra Mundial.
No final do ano passado, as novas instalações do CNANS inauguraram discretamente num armazém da Rua da Manutenção, que outrora pertenceu à Fábrica de Tabacos. Ficava assim para trás aquela que foi a sua última casa: o Mercado Abastecedor da Região de Lisboa, em Loures, onde ocupou durante mais de dez anos um armazém de 1500 metros quadrados, partilhado com outras estruturas sob a alçada da DGPC. A área de trabalho é agora maior (2620 m²) e uma verdadeira riqueza.
Património submerso
Segundo a UNESCO, o Património Cultural Subaquático “inclui todos os vestígios da existência do homem de carácter cultural, histórico ou arqueológico que se encontrem parcial ou totalmente, periódica ou continuamente, submersos há, pelo menos, 100 anos.” Ora, a antiguidade desses mesmos vestígios exige condições de tratamento muito especiais – e foi isso que encontrámos, numa visita acompanhada por José António Gonçalves, coordenador do CNANS.
Comecemos pela zona que estará aberta ao público em ocasiões especiais. Logo à entrada encontra-se uma sala polivalente, que tanto pode ser um auditório com 70 lugares, como um espaço expositivo temporário onde são mostradas peças recuperadas antes de rumarem para museus de todo o país. É o caso de duas pirogas pré-romanas (embarcação semelhante à canoa) encontradas no Rio Lima, num total de seis: uma toda deformada por ter estado à guarda de particulares e outra que teve o tratamento adequado, num “confronto entre o bom e o mau exemplo”, explica o coordenador, que descreve este espólio como “muito sensível”. Nesta sala, existe uma espécie de exposição permanente, mais concretamente um fio de tempo ao longo das paredes que conta a história da arqueologia.
Ao fundo, uma porta dá acesso a uma área reservada, um espaço de trabalho aberto com um módulo central e um piso superior onde funciona o escritório e está guardado todo o arquivo documental. Cá em baixo vemos um laboratório, uma bancada para pequenos objectos, um armazém com produtos e materiais para as missões de campo, mas é à entrada que estão as duas estrelas ao serviço, responsáveis pela secagem dos sensíveis achados: uma pequena liofilizadora e uma grande câmara de secagem atmosférica. As peças são colocadas nestes equipamentos depois de serem lavadas e colocadas em tanques com água para evitar uma “secagem descontrolada”.
Outro espaço essencial neste processo é a sala de impregnação, onde se encontram quatro tanques gigantes com peças que precisam de ir a banhos numa água “muito simples, circulando e aquecendo para poderem passar à fase de secagem”. A escolha das peças para ficarem aqui submersas (entre quatro a seis anos) obedece a dois critérios de prioridade: o valor científico e o interesse dos museus em as receberem. Durante a nossa visita, estavam três pirogas encontradas no Rio Lima, consideradas Tesouro Nacional, e uma extremidade de um casco escavado em 1996 no Largo do Corpo Santo, em Lisboa (provavelmente do século XIV), entre outras peças avulsas de “singular importância”.
Voltando atrás, encontramos uma área de reserva “improvisada” ou, como lhe chama José António Gonçalves, “a Arca da Aliança do Indiana Jones”. Bom, não é bem a arca perdida do Templo de Salomão, mas sim um conjunto de caixas que guardam algum espólio que vai sendo escoado para os museus portugueses. Por exemplo, a Câmara Municipal de Cascais solicitou o espólio recuperado das águas do município; para expor em Caminha vai uma das cobiçadas pirogas, e há mais. Cepos e mais cepos de chumbo, a parte superior de âncoras romanas ou alguns canhões oriundos do navio francês L’Océan, naufragado na Praia da Salema (Algarve) durante a Guerra dos Sete Anos, no século XVIII, um confronto com a armada inglesa que ficou conhecido como a Batalha de Lagos.
Os tesouros no CNANS podem ainda ir parar à unidade de salinização, onde são retirados os sais às peças. Como um balde medieval encontrado em Torres Vedras, um almofariz proveniente de um naufrágio no Bugio, cerâmicas da Ria de Aveiro, roldanas do L’Océan, uma lanterna de um cargueiro norueguês, carabinas e até uma espada medieval. Ao lado encontra-se a Unidade de Tanques de Imersão Preventiva, um conjunto de mais de 20 tanques com água tratada (uma máquina retira a salinidade que vem da rede pública), onde aguardam tratamento muitas das recolhas feitas ao longo de 25 anos do CNANS. E é numa das paredes deste espaço que se encontra instalada uma nova peça.
Até Brilha
A poucos metros da entrada do CNANS, o artista urbano Bordalo II instalou em 2017 um sapo construído com plásticos desperdiçados que faz parte da sua série Big Trash Animals, um alerta para o tema da poluição dos oceanos. Mas há mais uma peça do artista no novo centro: chama-se Lighted Jelly Fish e esteve patente até Junho de 2021 no Edifício Europa, em Bruxelas, no âmbito do Programa Cultural da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia. Uma medusa gigante feita com desperdícios encontrados em rios e praias (de redes de pesca e cordas a um pato de borracha, uma boneca ou uma sandália) e que integra a Coleção de Arte Contemporânea do Estado.
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