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Rente ao chão do primeiro andar da galeria São Roque too, ergue-se uma estrutura cilíndrica, lembra uma mesa. Dispostos na superfície branca, encontram-se simulacros em porcelana de beringelas, couves, uvas, espargos ou malaguetas, entre outras frutas e hortaliças. Podiam ser loiças de Bordallo Pinheiro, todavia o autor é Ai Weiwei. Esta semelhança não passa de uma coincidência.
O conjunto de peças de porcelana, de várias dimensões, a que chamou Pazar, foi criado pelo artista e dissidente chinês em 2017, e exposto no mesmo ano no Sakıp Sabancı Müzesi, em Istambul. Inspirado pelos mercados turcos, este trabalho insere-se na tradição chinesa de replicar formas e objectos orgânicos em porcelana, e é apenas uma das várias criações de Ai Weiwei neste suporte que vão estar expostas na galeria São Roque too entre esta quarta-feira, 15 de Maio, e 31 de Julho.
“Paradigm” é mais modesta e focada do que a exposição retrospectiva “Rapture”, que ocupou a Cordoaria Nacional durante aproximadamente cinco meses, em 2021. Ao invés de 80 obras, inclui apenas 17, divididas por quatro salas e dois andares e sempre nos mesmos dois materiais: porcelana e peças de LEGO, acompanhando só uma parte da sua produção nos últimos 15 anos.
O passado e o presente em perpétuo diálogo
A obra mais antiga de “Paradigm”, Hanging Man in Porcelain (2009), um tributo a Marcel Duchamp, é a primeira que vemos quando entramos na porta 269 da Rua de São Bento. Partilha o espaço com outras esculturas e pratos de porcelana que dialogam com o presente, através das suas ilustrações – migrantes, manifestantes, refugiados. Na mesma sala, está pendurada uma das peças mais recentes e inéditas, Ai In Dripping, quadro em LEGO de 2022, a partir de um retrato do artista.
No primeiro andar, diante de Pazar, estão expostas mais duas obras construídas com peças de LEGO. Girl With Pearl (também de 2022) reconstrói a famosa pintura de Johannes Vermeer com os icónicos blocos. Enquanto o tríptico Dropping A Han Dynasty Urn reproduz uma das mais mediáticas obras e provocações do artista chinês, radicado há anos em Portugal. Curiosamente, numa das salas do piso térreo, há vasos de porcelana e outras peças protegidas por vitrines – não vá alguém lembrar-se de pegar numa delas e largá-la à mercê da gravidade. Como ele fez.
Mas é junto às escadas, numa pequena sala, que encontramos duas das peças mais relevantes nesta exposição: Free Speech Puzzle, o mapa da China reproduzido em porcelana; e Remains, conjunto de ossadas recriadas no mesmo suporte. Foram encontradas num campo de reeducação chinês, como aquele em que Ai Weiwei cresceu, depois do pai, o poeta e resistente comunista Ai Qing, ter sido “punido por ser um direitista” e enviado para Xinjiang, durante a Revolução Cultural.
“O ocidente não defende os direitos humanos e a liberdade de expressão, como pensa que defende, ou assim o propagandeia”
Enquanto Remains é intimamente pessoal, Free Speech Puzzle alude a um tema caro ao autor, e que está cada vez mais na ordem do dia, a liberdade de expressão. Durante anos, as suas críticas à repressão estatal no país onde nasceu foram instrumentalizadas na Europa e nos Estados Unidos. Subjacente, ficava uma ideia de suposta superioridade moral dos países do norte global. Contudo, da última vez que falámos, há três anos, o artista deixou claro que não partilhava dessa opinião.
“Acho que a maior mentira que se diz e pensa sobre o Ocidente, por causa da vossa propaganda e educação, é que vocês são livres. É a maior mentira”, sublinhava, antes da inauguração de “Rapture”. “Os governos vão sempre pressionar quem ousa dizer a verdade. A não ser, lá está, aqueles que pensam que são livres. Mas isso só quer dizer que a linguagem ou a voz deles não é relevante.”
Em entrevista à agência Lusa, nesta segunda-feira, voltou a carregar na mesma tecla. O norte global, na sua opinião, “não defende os direitos humanos, a dignidade humana, a liberdade de expressão, como pensa que defende, ou assim o propagandeia, o que não é verdade.” É uma opinião polémica. Mas a verdade é que passámos as últimas semanas a ver estudantes a serem agredidos e detidos por se oporem a um genocídio, temos assistido ao apagamento de quem denuncia as atrocidades nas redes sociais ocidentais, e os EUA querem banir o TikTok por não censurar algumas opiniões.
São Roque too (São Bento). Seg-Sáb 10.30-19.00. Entrada livre
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