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Sextas e sábados, mecas da noite lisboeta, como o Cais do Sodré, Santos ou o Bairro Alto, fervilham de gente. Nada de novo, até aqui. Destinos menos óbvios, como Marvila, ganham terreno madrugada fora. Mas há mais um sítio nas periferias de Lisboa que começa a atrair noctívagos. Falamos do Prior Velho, em Loures, que nos últimos tempos ganhou uma série de espaços culturais, centrados na música electrónica – um fenómeno de descentralização popular em cidades europeias, como Barcelona ou Amesterdão.
Em Figo Maduro, junto ao aeroporto, num quarteirão de armazéns e oficinas, há três novos espaços para dançar até de manhã. Um dos inquilinos mais recentes é o Nada 3.0, um projecto do colectivo EKA Unity que conhecemos bem de outras aventuras, como o Nada Temple, em Xabregas, que marcou as noites e a cultura alternativa lisboeta. “Era pequeno demais”, diz Dilen Magan, um dos responsáveis. Por isso, no final do ano passado, abriram um novo espaço, apenas a 200 metros do anterior, que entretanto encerrou à custa da pressão imobiliária. “Uma vizinha resolveu que nós não podíamos existir porque comprou um apartamento e quer valorizá-lo”, lamenta. Até ao encerramento, em Fevereiro, “era o sítio da moda, onde toda a gente queria ir curtir, tínhamos filas enormes. Acho que fomos o único espaço, até agora, que conseguiu juntar o publico mais underground do techno industrial, com alguns tios de Cascais, com o pessoal do Lux…”, lembra Dilen Magan.
O novo Nada 3.0 “já é um projecto diferente, muito mais underground". “Até mesmo no techno industrial existe o mainstream, não é? Existem muito bons DJs, mas que ainda não são tão conhecidos, e nós estamos a optar por esse caminho: mostrar nova arte, novos artistas”, justifica. A arte é, desde o começo, a grande prioridade do colectivo que, além da música, tem vindo a fazer exposições de artes visuais e NFTs. “Criámos o espaço inspirado na cultura digital”, explica. A partir de Novembro alargam o espectro, ainda dentro da música electrónica, e esperam-se “festas viradas para a comunidade LGBT”.
Na nova localização, o Nada mantém as suas míticas after parties, a terminar entre as 10.00 e as 12.00. A liberdade para fazer barulho tarde e a más horas foi uma das razões para o colectivo ter escolhido o Prior Velho, mas não a única. “Além de estar atrás do aeroporto e de podermos fazer barulho, a zona está a transformar-se. Estão a abrir clubes, bares e cafés. Por causa do aeroporto também não se vai poder construir condomínios fechados, que isso é que tem sido o grande problema da cidade”, afirma. Nos planos está ainda uma pizzaria que irá funcionar durante os eventos e, possivelmente, durante a semana. “Aquela zona tem uma falta enorme de restaurantes. É tudo tascas, onde se tem que comer rápido. E não há nenhum sítio para as pessoas relaxarem. Por isso acho que vai ser uma aposta interessante”, esclarece.
Quem recentemente também escolheu o Prior Velho para viver foi o Create Art, um hub criativo em construção, onde fica a discoteca Komplex. “Podemos chamar-lhe um espaço cultural. Já estamos a fazer algumas exibições de pintura, instalações, pop-up stores… Começámos pela música electrónica porque é onde temos um know-how mais elevado”, esclarece um dos encarregados, Bruno Gandra, ligado ao mundo da música há mais de uma década, e que agora se lança com um projecto seu.
Mas para que o Create Art se torne, efectivamente, num hub cultural, ainda há muito a fazer. Por enquanto, só o Komplex está a funcionar – às sextas e sábados, até às 08.00. Com quatro andares e um terraço onde se conseguem ver os aviões a descolar bem de perto, não faltam ideias para dinamizar o sítio. “Temos um espaço dedicado à rádio, um micro-club, um food corner…”, enumera. Mas também uma zona para eventos corporativos, espectáculos circenses e tatuagens.
As razões que o levaram a levar o Komplex para o Prior Velho são semelhantes às de Dilen Magan para o seu Nada. “Noutras cidades, este tipo de projectos são muitas vezes afastados dos centros, exactamente por todo o condicionamento ao nível do ruído. Sabendo que, cada vez mais, Lisboa está a retirar os clubes do centro por causa do mercado imobiliário, pareceu-nos uma excelente ideia”, explica. Para o responsável, esta zona pode muito bem ser o novo epicentro da cultura alternativa da cidade. “Não é aquela animação nocturna ou turística banal de DJ, copos e pouco mais do que isso. Está mais ao nível do que se vê em Berlim, Amesterdão, Barcelona, Madrid, em que já existe uma preocupação por esta cultura da música electrónica e das artes mais alternativas. Em Lisboa não existem tantos espaços com esse cuidado”, conclui.
Outro vizinho dedicado à electrónica é o Higher Ground. Os responsáveis não quiseram prestar declarações à Time Out Lisboa para se manterem “undergroud”, mas sabe-se que receberam nomes como Tommy Gold e Adam Purnell na inauguração, a 22 de Setembro, e que são mais um ponto de interesse no quarteirão. “Acaba por se criar ali um pequeno pólo cultural. Vejo [a concorrência] com bons olhos. Havendo mais movimento, há mais vigilância, acho que se torna um pouco mais seguro. É bom para todos”, acredita Bruno Gandra.
Quem já conhece os cantos à casa (que é como quem diz à zona) é o Planeta Manas, do mesmo colectivo responsável pela mina, uma rave queer e feminista. “Quando chegámos ao Prior Velho não havia nada activo. Uns anos antes nós fizemos a mina, que é a nossa maior festa, no Flying House (apenas para eventos esporádicos)”, diz Inês Coutinho, também conhecida como DJ Violet, uma das responsáveis. “A primeira vez que abrimos foi a vez em que tivemos mais pessoas. A mina chama muita gente, mas as pessoas tiveram curiosidade de vir ao Prior Velho que, na verdade, não é muito longe. Passando o aeroporto são dois minutos de quem vem da 2ª circular”, sublinha.
Como acontece no Nada e no Komplex, o Planeta Manas tem características de clube, mas é muito mais do que isso. Têm uma rádio associada ao espaço, a Quântica, e workshops. “Nós somos uma associação sem fins lucrativos. Nós trabalhamos mesmo para a comunidade. Fazemos workshops gratuitos, temos uma política de que quem não tem dinheiro nesse mês é só mandar um email e entra de graça. Não é um negócio de maneira nenhuma”, continua Inês.
A possibilidade de fazer barulho é um plus, mas a verdadeira razão para se alojarem ali foi outra. “Estávamos à procura de sítios para alugar. Tivemos de começar a alargar o anel de procura porque nós somos uma associação cultural, não temos investidores ou capacidade financeira para uma renda alta. Chegámos à conclusão que a renda, para um espaço tão grande como é o Planeta Manas, é bastante acessível a comparar com o resto de Lisboa, claro”, conta a responsável. Com os novos vizinhos, “as ruas ficam entupidas com ubers” – mais uma prova de que o Prior Velho pode muito bem ser um novo pólo da noite de Lisboa.
Artigo publicado originalmente na edição de Outono de 2023 da Time Out Lisboa
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