Notícias

Anos 80, grunge e o apelo do campo. E o seu Verão de 2025, como está a ser?

Durante três dias, a ModaLisboa fez desfilar perto de 20 colecções para o próximo Verão. Eis os destaques.

Mauro Gonçalves
Escrito por
Mauro Gonçalves
Editor Executivo, Time Out Lisboa
Constança Entrudo, ModaLisboa, SS25
MODALISBOA | Luís FonsecaColecção de Constança Entrudo
Publicidade

Nunca um Verão pareceu tão distante. De guarda-chuva debaixo do braço (e óculos de sol na algibeira), a ModaLisboa voltou a pular meses no calendário e a antecipar o que vamos estar a vestir daqui a uns meses. Tecidos leves e arejados, malhas estivais e sobretudo uma nova fluidez entre guarda-roupa masculino e feminino foram avistamentos recorrentes ao longo de três dias de desfiles.

A 63.ª edição da ModaLisboa começou com a primeira fase do concurso Sangue Novo. Dez aspirantes a designers de moda apresentaram pequenas colecções de seis coordenados no piso térreo do Mude, museu reaberto ao público no final de Julho. Dos candidatos saíram cinco finalistas, seleccionados pelo júri – Dri Martins, formada em Design de Moda pela ESMOD Paris, Duarte Jorge, da Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco, Francisca Nabinho do mestrado em Design de Moda da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, Gabriel Silva Barros, que estudou Design de Moda na Central Saint Martins em Londres, e Ihanny Luquessa, formado em Design de Moda pela ETIC. Cinco jovens criadores que passam à fase final do concurso, marcada para Março de 2025.

Os trunfos da Workstation

Numa edição onde brilharam sobretudo os designers mais jovens, destaque para a plataforma Workstation, reservada a criadores de moda em início de carreira. Das quatro colecções que desfilaram neste segmento, três foram de estreantes. Todos eles deram nas vistas e apresentaram sinais de rasgo e identidade. Deste lado ficou a expectativa: o que vão apresentar a seguir?

Mestre Studio, ModaLisboa, SS25
MODALISBOA | Luís FonsecaColecção Mestre Studio

E começou tudo no Alentejo, logo no sábado. A estreia de Diogo Mestre e do seu Mestre Studio no calendário principal foi uma ode às suas raízes. Natural de Serpa, o jovem designer recordou a infância no Alentejo através dos botões em madrepérola aplicados sobre a roupa, as searas de trigo com os acessórios de palha, as avós com conjuntos tricotados de duas peças. Nostalgia, sim, mas não sem actualizar as silhuetas, marcadas por cinturas descaídas e malhas cropped, a pensar nas noites mais frias. E sem género, como todas as malhinhas devem ser.

Seguiu-se o desfile da marca Arndes. A designer, Ana Rita de Sousa, é uma desconstrutora nata. Desmacha para voltar a assemblar, mantendo a alfaiataria e a rigidez da ganga como elementos que atravessam estações. Para a próxima estação quente, tendo o coleccionismo como mote, convocou uma nova fluidez, muito por conta do acetinado riscado, que muito fez lembrar os forros dos fatos, mas também uma nova luz. O branco predominou e o Pátio da Galé viu desfilar as primeiras lantejoulas.

No domingo, houve nova dose dupla, a arrancar com o punk rural de Çal Pfungst, identidade artística de Gonçalo Pereira, outro alentejano em estreia na passerelle principal, depois da passagem pelo Sangue Novo. Das cortinas de chita fez uma pequena colecção masculina em torno de uma peça fetiche, o trench coat. Aos padrões florais românticos contrapôs o a geometria própria da paisagem urbana. “Uma espécie de kitsch surreal punk”, nas palavras do jovem criador, autodidacta – Gonçalo desenha, trata da modelagem e confecciona. E tudo sem sair do Alentejo.

Bárbara Atanásio, ModaLisboa, SS25
Ugo CameraDesfile de Bárbara Atanásio

Esta espécie de quarteto fantástico ficou completo com a apresentação de Bárbara Atanásio, altura em que o Pátio da Galé pôde sentir o gostinho caótico do grunge. Falamos de uma das vencedoras da última edição do concurso Sangue Novo, também ela em estreia na plataforma Workstation. Foi mais uma das criadoras que colectou referências dentro de casa e no seio da família, reciclando-as à luz da sua própria estética – numa palavra – trashada. A mistura de materiais e os looks em camadas trazem a colecção para o plano do dia-a-dia. Os hoodies têm um ar gasto, a ganga surge graffitada e malhas esburacadas remetem para os naperons da avó. Nem os acessórios escaparam ao tema, com algumas peças de família no upcycling de joalharia.

Geração de Ouro

Dúvidas restassem de que o pulsar da juventude foi o grande motor desta 63.ª edição da ModaLisboa, chegou Constança Entrudo, que logo na primeira noite de desfiles, chamou para si todas as atenções. Fãs e curiosos acorreram em peso ao local marcado. A Lisa, sala de espectáculos entre Santos e o Cais do Sodré, revelou-se pequena para a multidão para tanta gente – foi como se uma estrela pop estivesse lá dentro. De certa forma, Entrudo ocupa esse lugar. A chegar aos 30, a designer já estabeleceu uma linguagem própria, ao mesmo tempo que a marca homónima ganha projecção internacional, sobretudo na Ásia e nos Estados Unidos.

Constança Entrudo, ModaLisboa, SS25
MODALISBOA | Luís FonsecaColecção de Constança Entrudo

Inicialmente apresentada durante a Semana da Moda de Nova Iorque, a colecção é um mergulho no mar. Não é a primeira vez que Constança Entrudo vai ao leito oceânico para trazer algas, corais e espécies marinhas já extintas. Os tons são os de uma natureza morta, conseguida a partir de um processo de colagem feito pela designer. Mas o estampado que domina a colecção do próximo Verão é apenas um primeiro pé dentro de água. O segundo entra em seguida, numa proposta de guarda-roupa de férias – há vestidos camiseiro riscados, tops cai-cai e cropped e bainhas que seguem as ondas do mar. Em algumas, salta a textura dos fios por tecer, uma técnica que permanece emblema do trabalho da designer. Fatos de banho e lingerie misturam-se. Há lá coisa mais veraneante do que isto.

Béhen, ModaLisboa, SS25
MODALISBOA | Luís FonsecaColecção Béhen

No sábado, a ModaLisboa abriu alas para outra menina prodígio, também ela na liga dos sub-30. Falamos de Joana Duarte, a designer que pôs o país a olhar para os velhos enxovais com outros olhos. Toalhas bordadas, colchas lustrosas, cristais sobre ganga, atilhos campestres, florais e pele à mostra. Passado e futuro, tradição e tendência convocados por uma das marcas portuguesas mais carismáticas do momento. Na Béhen, a designer voltou a fazer aquilo que melhor sabe – upcycling de velhos têxteis desatualizados, projectado-os directamente para a lista de desejos do próximo Verão. A colecção “És Má” surge na continuidade da estação anterior, mas com silhuetas extra femininas, barrigas de fora, vestidos híper curtos e saias mais longas e rodadas, uma nova entrada para o portefólio da marca. Às peças que resultam de aproveitamento de tecidos antigos, juntam-se itens em algodão e linho, pensados para o dia-a-dia.

O Verão dos veteranos

Também entre os nomes mais longevos da moda nacional encontrámos motivos para suspirar pelo próximo Verão. O primeiro a consegui-lo foi Ricardo Andrez, ao início da noite de sábado. O designer pegou em alguns dos clássicos que todos temos no guarda-roupa – o chinos beges, a camisa branca, as calças de ganga, o blazer ou o trench coat – e temperou-os à sua maneira, que é como quem diz com novos abotoamentos, assimetrias, folhos a desfiar e recortes onde menos se espera. Na camisaria, um núcleo forte da colecção, a profusão de botões multiplica as opções de uso. A utilidade de sempre, mas lúdica o suficiente para termos um bocadinho de mais vontade de nos vestirmos de manhã.

Ricardo Andrez, ModaLisboa, SS25
MODALISBOA | Luís FonsecaColecção de Ricardo Andrez

Também no sábado, Luís Carvalho chamou para si todas as atenções. Círculos, circunfrências, esferas ou bolas – chamem-lhes o que chamarem, foram o elementos centrais da colecção “Round & Round”, inspirada pelo trabalho do fotógrafo holandês Bastiaan Woudt. Com os tecidos, cores e texturas que o designer tem vindo a trabalhar nas últimas estações, o esforço foi aplicado na modelagem para criar lapelas, decotes e encaixes circulares, em contraste com silhuetas rectas. Da alfaiataria tipicamente masculina aos vestidos de passadeira vermelha, um segmento de Carvalho domina como ninguém, o desfile percorreu todas as facetas do criador, mantendo a confeccção virtuosa que já o caracteriza.

No domingo, amanhecemos com uma certeza reconfortante. Com duas, aliás – a de que teremos sempre os anos 80, mas também Luís Buchinho para encher uma passerelle. Com uma silhueta inspirada nas bandas neo-românticas daquela década, o designer, que em parte é conhecido pelas peças estruturadas, cedeu à fluidez dos vestidos longos, das calças-balão e de plissados cheios de movimento. A bandana, outro ícone celebrizado pelas estrelas da época, inspirou decotes e colarinhos, enquanto os estampados resgataram os tons vibrantes dos vídeos da altura. Um regresso de Buchinho à década das cinturas subidas, dos capuzes e de uma adolescência que é também fonte inesgotável e inspiração e referências.

Luís Carvalho, ModaLisboa, SS25
MODALISBOA | Luís FonsecaColecção de Luís Carvalho

A fechar mais uma edição da ModaLisboa esteve Dino Alves, que começou por marcar a diferença cobrindo a sala de borracha granulada, ou seja, de preto. Uma colecção que explorou os opostos e que do negro evoluiu gradualmente para uma explosão de cor. Não faltaram as saias de tule, uma imagem de marca do designer, tão pouco tops de malha cropped, bombers nos mais diversos materiais, e o velho pied poule. As peças recortadas a laser dominaram o desfile. No que depender de Dino, o próximo Verão será com muita pele à mostra.

📯Não adianta chorar sobre leite derramado. Subscreva a newsletter

+ Re-read, a cadeia de livrarias low-cost que faz furor em Espanha, chega à Avenida de Roma

Últimas notícias

    Publicidade