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“António Chainho traz todo o passado da guitarra portuguesa para o futuro.” Era assim que há uma dúzia de anos, nas páginas do Público, o fadista Camané se referia ao músico que cresceu a ouvir e a admirar, antes de o acompanhar e de ser acompanhado por ele. Outros, como Francisco Ramos, violinista e compositor do quarteto de cordas Naked Lunch, são ainda menos comedidos quando falam do guitarrista. Para ele, “a história do mestre confunde-se com a história do fado. E, sobretudo, com a história da guitarra portuguesa.” Na sexta-feira, 13, na Praça do Município, António Chainho vai escrever o seu último capítulo.
Este espectáculo é o culminar de uma longa volta de despedida, iniciada quando completou 85 anos, em Janeiro de 2023. Desde então, deu uma série de concertos retrospectivos; editou um último álbum, chamado O Abraço da Guitarra, e um livro de memórias com o mesmo nome, assinado pela jornalista Moema Silva; Afonso Cruz está a escrever um romance inspirado nele, e Tiago Figueiredo a realizar um filme. É provável que o documentarista esteja lá na sexta-feira, a filmá-lo, acompanhado pelas vozes de Carminho e António Zambujo, a guitarra portuguesa de Marta Pereira da Costa e as cordas dos Naked Lunch, além de dois companheiros de longa data: o director musical Ciro Bertini, no baixo acústico e acordeão, e Tiago Oliveira, na viola.
Para António Zambujo, é um “privilégio” ter sido convidado para partilhar esta noite com o mestre. Marta Pereira da Costa também se considera “privilegiada”, não só por estar lá na sexta-feira, mas por ter podido “segui-lo de perto, acompanhá-lo nos palcos, aprender com ele”, nos últimos anos. “Poder estar ao seu lado, num concerto tão especial, enche-me de alegria e de orgulho”, continua Marta. “Eu sinto ao mesmo tempo alegria por estar ali, a celebrar a sua carreira, e uma certa tristeza por ser o fim, por ser o último [concerto]”, acrescenta António Zambujo. “Espero que, nesta noite, ele receba por parte do público todo o carinho e reconhecimento por todos estes anos que dedicou à guitarra portuguesa. Que dedicou à música portuguesa.”
Uma vida passada com os dedos nas cordas
A relação de António Chainho com o cordofone nacional começou há mais ou menos 80 anos, quando ainda era uma criança. Os pais tinham uma tasquinha em Santiago do Cacém, perto do litoral alentejano, onde a mãe cantava uns fados, enquanto o pai a acompanhava à guitarra portuguesa. Foi neste ambiente que, com talvez seis anos, António deu por ele a dedilhar a guitarra do pai. Aos 13, ainda miúdo, já se apresentava em público. E em meados da década de 60 dedicava-se inteiramente ao instrumento, integrando já os elencos de casas lisboetas como A Severa e O Folclore.
Ou O Faia. Foi na casa fundada em 1947 por Lucília do Carmo que conheceu o filho da fadista, Carlos do Carmo. Acompanhá-lo-ia durante décadas, ao vivo e em discos fundamentais da música portuguesa, como Um Homem na Cidade. Tocou também com a mãe dele e outros nomes históricos como Alfredo Marceneiro, António Mourão, Frei Hermano da Câmara, Hermínia Silva ou Maria Teresa de Noronha. Fora do fado, gravou com José Afonso, com José Cid. Noutras latitudes, acompanhou as brasileiras Maria Bethânia, Gal Costa, Fafá de Belém e Adriana Calcanhotto, os espanhóis José Carreras e Maria Dolores Pradera, a canadiana k.d. lang e muitos outros artistas.
Paralelamente ao trabalho de acompanhante, impôs-se como compositor, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento de um vocabulário próprio para o instrumento que, alguns anos antes, Carlos Paredes começara a libertar do fado. Um percurso iniciado com as gravações de Solos de Chainho e Guitarradas, ainda na década de 1960, a que se seguiram trabalhos cada vez mais ambiciosos, olhando para além do fado (e de Portugal), em discos como A Guitarra e Outras Mulheres (1998), Lisboa-Rio (2000) ou LisGoa (2009). Destacam-se ainda, na década passada, os celebratórios registos Entre Amigos (2012) e Cumplicidades (2015).
Dedicou-se também ao ensino, inicialmente na Escola de Guitarra do Museu do Fado e mais tarde na Escola de Guitarra Portuguesa que inaugurou em Santiago do Cacém. Até fora de Portugal, em seminários e workshops desenvolvidos em colaboração com a Fundação do Oriente. Projectos que, segundo ele, nem sempre foram bem-vistos pelos seus pares. “Dei conhecimento a colegas meus que disseram ‘deixa-te disso, isto já é pouco para nós, quanto mais outros guitarristas’”, contou recentemente à agência Lusa. Mas ele nunca pensou assim. “Tudo o que sabia fui transmitindo.”
Aqueles a quem o transmitiu “o que sabia”, como Marta Pereira da Costa, não escondem a gratidão. “Espero dar seguimento a esta sua missão de dar também voz à guitarra portuguesa, de fazer as suas próprias composições, deixar a sua marca”, assume a intérprete, em declarações à Time Out. Ele estará cá para os aconselhar, ouvir e, enquanto tiver dedos para isso, mostrar como se faz. António Chainho pode estar pronto para se despedir dos palcos, no entanto, duvida que consiga dizer adeus à guitarra. Não é fácil largar alguém a quem se deu a mão durante 80 anos.
Praça do Município. 13 Set (Sex). 21.00. Entrada livre
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