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São 13.00 e a esplanada está praticamente cheia. No Beco de São Miguel, em Alfama, ouve-se mais inglês do que português. Poucos dos que ali estão, de airpods nos ouvidos e mais tecnologia na ponta dos dedos, a devorar uma tosta ou um latte saberão a história do edifício onde está o Antù Alfama, um restaurante que também é loja e galeria para mostrar novos artistas.
Matheus Veronez, brasileiro a viver em Portugal, garante que estamos perante "muito mais do que só um restaurante". É ele um dos quatro sócios atrás da marca Antù, que abriu um primeiro espaço no Cais do Sodré em Julho de 2021, ajudando a redefinir a cena nocturna na cidade, com festas e eventos culturais. O Antù Alfama, a funcionar desde Março, foi o passo seguinte. "Foi uma oportunidade do momento. Esta casa sobreviveu ao terramoto de 1755, tem toda uma história”, deixa no ar.
Uma história intimamente ligada à memória gastronómica da cidade. Nos anos 70, era ali o mítico restaurante de luxo de Filipa Vacondeus, o Cota de Armas, um sítio “conotado com tudo o que era banqueiros, fachos da época”, disse a chef de cozinha numa entrevista ao jornal i, em 2010, explicando o fecho do estabelecimento a seguir ao 25 de Abril. Depois disso, o espaço teve uma nova vida, sob o nome Santo António de Alfama. João Paulo Soares, músico da Gulbenkian, e Fernando Heitor, guionista e actor, abriram o restaurante de comida portuguesa no final dos anos 1990. As portas só fechariam durante a pandemia, já com outros sócios, um deles o apresentador da RTP José Pedro Vasconcelos.
“Acho que devo ter sido a primeira pessoa a ver o imóvel quando ficou para alugar”, recorda Matheus à Time Out. Sorte ou não, não houve hesitações. Apesar de se ter deparado com “um espaço meio caótico", a precisar de obras, os três pisos do edifício eram a tela em branco ideal para materializar um conceito há muito sonhado: um restaurante que também é loja e galeria.
No piso térreo, para lá da esplanada ("É um dos grandes charmes. Nunca está vazia", assegura), está o espaço de bar, com cervejas, vinhos e uma extensa carta de cocktails, com clássicos e criações originais, como o Gin Antùnic (10€) ou o The Vicentù (9€), da autoria de Sabrina Rossi, também sócia. Ali fica também a sala principal do restaurante. O menu foi concebido por outra das sócias, a chef Christine Veronez, que já passou por restaurantes reconhecidos pelo Guia da Michelin como o Maní, em São Paulo, Brasil, ou El Celler de Can Roca, em Girona, Espanha. "Ela sempre trabalhou com alta gastronomia e veio para o projecto Antù disposta a abrir um pouco mão disso para criar algo um pouco mais dinâmico, [uma cozinha] actualizada e contemporânea, sem ser o fine dining que sempre trabalhou", diz Matheus.
Brunch todo o dia – e um toque de paprica
Apesar de n'O Tal Canal, programa de Herman José nos anos 1980, a caricatura de Filipa Vacondeus usar “imeeeeeensa paprica”, a conhecida "senhora dos restinhos" chegou a revelar, mais tarde, em entrevista: “Nunca usei paprica na vida” (revista Sábado, em 2010). Pois no menu do Antù Alfama há espaço para a especiaria. Está, por exemplo, nas asinhas de frango fritas com sementes de cânhamo (9,5€) – ou couve-flor, na versão vegetariana (8,5€) –, um dos snacks mais pedidos na Antú Cais do Sodré, atesta Matheus. As opções para petiscar incluem também sticks de polenta (8,5€) ou batatas fritas com maionese de alho (9,5€). Mas os quatro sócios tinham bem definido qual seria o foco do menu: o brunch, disponível durante todo o dia. Não faltam os ovos cozinhados de todos os feitios (7€), as panquecas (7€), os bagels, como o de salmão fumado, com abacate, pepino e queijo-creme (9€) ou sugestões mais leves como as taças de granola, com iogurte, compota de frutos silvestres e mel (6,5€). Se a fome exigir um prato principal, também os há. Exemplos são o arroz de bacalhau (19€) ou o green goddess quinoa (13€), uma bowl com húmus, guacamole, cogumelos, pickles, salada e quinoa.
O serviço de mesa só acontece no piso térreo, mas é possível deixar-se ficar nos dois pisos superiores, seja na “sala de estar” no segundo andar ou na “sala dos azulejos”, no primeiro. Esta última deve o nome aos azulejos que ocupam a zona inferior das paredes. "Esses azulejos são de 1929 e foram preservados na casa desde então. Pintámos só o tecto e a parede e tentámos nem mexer nas partes quebradas”, explica Matheus. A ampla sala tem ainda um painel de azulejos da artista Maria Guimarães, feito especialmente para o restaurante.
A arte pontua todos os pisos do Antù Alfama. No dia da visita da Time Out, por exemplo, as paredes da escadaria estão ocupadas com a exposição "Soprou", do artista brasileiro Bruno Marchetto. "A ideia é trocar de dois em dois meses", adianta Matheus. Até a antiga garrafeira, localizada debaixo das escadas, serve como espaço para intervenções artísticas, que também deverão mudar a cada seis meses.
Ao fundo dessas mesmas escadas está ainda um pequeno espaço de loja. Ali vende-se roupa vintage ou em segunda mão. A seleção de peças está a cargo da Wavey Garms, empresa londrina fundada em 2013 que se especializa em consultoria de Moda. A parceria vem já do espaço Antù no Cais do Sodré e materializa-se também aqui nesta loja em formato pop-up. "São produtos em segunda mão, porém de marcas conceituadas, Lacoste, Puma, Nike, Gucci, tem uma boa variedade que não encontraria numa loja vintage, com um preço acessível", define o responsável.
Se dúvidas houvesse sobre Alfama ter ganhado nos últimos anos, de forma fixa ou temporária, gente dos quatro cantos do mundo, prova-o a clientela deste novo espaço: “Sobretudo turista”.
Beco de São Miguel (Alfama). 934 872 616 Seg-Dom 9.00-23.30
+ É bar, é loja de surf, e muito mais. Rove, um espaço na crista da onda