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Rua da Misericórdia, 758. Tenho comigo o livro de Bierce, um glorioso compêndio de sarcasmo que me anda a entreter os tempos mortos. Vou saltando entre verbetes do dicionário e o monitor da Carris. Cheguei eram 17.17, dizia três minutos. Às 17.34, passou a três. O carro chega às 17.35, o que me deixa na dúvida: vem dois minutos adiantado ou um quarto de hora atrasado? Suspiro, entro, sento-me, avanço na letra P. “Paciência: uma forma menor de desespero, mascarada de virtude”.
Rato, 727. Hora, 14.27; espera, sete minutos. Entretenho-me a googlar o sistema da Carris. Parece simples. O autocarro vai comunicando coordenadas que são confirmadas a cada vez que abre portas na paragem, também ela com um sinal de localização. Se houver erro na leitura dos quilómetros andados, o sistema actualiza e corrige a posição do veículo a partir dali. Acidentes, obras e avarias, segundas filas e faixas de BUS entupidas, turistas a engonhar – a demora tem muitas razões plausíveis. Volto ao monitor. Hora, 14,37; espera, ainda sete minutos. Estou atrasado, apanho táxi. Na corrida, vou espiolhando o Bierce: “Planear: pensar no melhor método para atingir um resultado acidental”.
Restauradores, 709. São 15.18. Cheguei há vinte minutos, o tempo anunciado reduziu de nove para sete. Divago. Einstein ensinou-nos que o tempo é relativo e não pode ser medido exactamente do mesmo modo em toda a parte. Pergunto-me se os 300 metros que me separam do ponto de partida da carreira, ali adiante no Rossio, bastam para desenhar uma curva no espaço-tempo, desigualando os minutos que passam e os minutos que faltam. E assim entretenho a espera – enquanto penso disparates não digo asneiras. São 15.21 quando me sento à janela do Volvo. Na paragem, um magote de camones ainda aguarda o 711 – mais três minutos, Portuguese Standard Time. Folheio o livro, nova entrada. “Alegria: uma sensação agradável provocada pela contemplação da miséria dos outros.
Rato, 720. Nova manhã de espera, sinto que a minha urgência nunca vale mais que uma pulseira verde. O autocarro chega dez minutos depois da hora anunciada, e ainda assim o ambiente na paragem é de satisfação. Isto explica-se. É que três minutos antes, o monitor ainda marcava 15. O cansaço de vinte minutos de espera foi suplantado pelo alívio de ver um quarto de hora passar num ai. Concluo que a grande especialidade da Carris é mesmo a gestão de expectativas. Aquele monitor não serve para prever o futuro, apenas para nos ir confortando o presente. Sigo viagem a colecionar verbetes. “Esperança: desejo e expectativa combinados num só”.
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