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O dia 21 de Setembro será o primeiro da nova vida do Centro de Arte Moderna Gulbenkian (CAM). Inaugurado em 1983 para alojar uma colecção que vai de meados do século XX até à actualidade, quatro anos de obras redesenharam o edifício à luz de uma muito desejada harmonia – integração até – entre arte, natureza, arquitectura e vivência humana, transformando-o num novo emblema da paisagem contemporânea da cidade.
Ouve-se a expressão "museu transparente", poucos minutos depois de entrarmos no átrio. O vidro, generosamente distribuído por ambas as fachadas – norte e sul –, abre-o ao exterior, torna o verde envolvente parte do recheio e conecta dois espaços a céu aberto até aqui divorciados. Lá dentro, sem nunca perder de vista o elemento natural circundante, está maior e mais luminoso. Cresceu essencialmente para baixo, mas também para os lados. Ganhou 900 metros quadrados de área expositiva, mas também novas e ambiciosas ferramentas – uma sala dedicada à arte sonora, um espaço-cápsula itinerante, exclusivamente dedicado ao vídeo, uma linha programática na área das live arts, reservas visitáveis e até um restaurante, A Mesa do CAM com André Magalhães (Taberna da Rua das Flores) ao leme na cozinha.
Dois dias de festa
A promessa de uma nova experiência de arte em plena cidade ganha logo forma com um programa inaugural de dois dias, ao qual também podemos chamar de festa. A começar pela vertente musical, um alinhamento feito em colaboração com a promotora Filho Único. Nala Sinephro, música belga radicada em Londres, é um dos nomes em cartaz. O concerto, marcado para sábado, 21 de Setembro, às 20.30, trará o jazz experimental desta artista de origem caribenha até ao Anfiteatro ao Ar Livre. Os DJs Nídia e Tim Reaper fazem a noite prosseguir, já nas imediações do renovado edifício. No domingo, Samon Takahashi, artista sediado em Paris, agita o jardim pelas 18.15, naquilo a que a Gulbenkian antevê como um "DJ set frenético". Às 20.00, a compositora francesa Éliane Radigue é recordada em três obras instrumentais, que vão soar na nave principal do CAM, com a exposição de Leonor Antunes como cenário.
Mas nem só de música será feito este primeiro fim-de-semana de Centro de Arte Moderna. As visitas guiadas e as oficinas para famílias desafiam os visitantes a conhecer o renovado museu. Há ainda espaço para performance, conversas (entre elas o momento em que Benjamin Weil, director do CAM, e Kengo Kuma, arquitecto responsável pelo projecto do novo edifício, trarão à baila o conceito de engawa) e para tatuagens temporárias, com a assinatura da artista portuguesa Wasted Rita. A entrada será gratuita até dia 7 de Outubro. A programação detalhada pode ser consultada no site.
Engawa: a arquitectura japonesa a resolver um impasse com 40 anos
"Um início relativamente polémico". É assim que António Feijó, presidente da Fundação Gulbenkian, começa por recordar a história do Centro de Arte Moderna Gulbenkian. Uma nota, além de curiosa, relevante, para valorizar e entender a intervenção do arquitecto japonês Kengo Kuma, bem como a do paisagista libanês Vladimir Djurovic. Um "obstáculo cego" no fim do jardim da fundação, estrutura opaca, sem relação com os dois hectares de espaço verde a sul, adquirido pela Gulbenkian em 2005.
Um primeiro projecto para o CAM, da autoria de José Sommer Ribeiro, chegou a prever a construção de um conjunto de pavilhões modulares, separados entre si, permitindo avistar o arvoredo do outro lado. Ainda assim, a tarefa acabou por ser confiada ao inglês Leslie Martin, mesmo com o próprio Gonçalo Ribeiro Telles – que projectou os jardins da fundação juntamente com António Viana Barreto, no final dos anos 60 – entre os críticos do projecto eleito. "Quando fizeram o museu, este edifício que não tinha frestas e não permitia vislumbre nenhum do verde do outro lado, Ribeiro Telles e outras pessoas insurgiram-se. Isto foi um impasse na altura. Agora, resolvemos esse impasse", remata Feijó.
Kuma não se limitou a envidraçar ambas as fachadas. Criou a engawa, termo japonês que designa um espaço entre o interior e o exterior do edifício, um local de intercâmbio entre o íntimo e o público. A área está coberta por uma pala curva, com 100 metros de comprimentos, revestida a madeira por dentro, com 3274 azulejos do lado de fora – produzidos em Portugal, em três tons de branco. Além de ajudar a arrefecer todo o edifício, abriga um espaço pensado também ele para acolher programação do museu.
De dentro para fora, esta área abre-se ao novo jardim. De fora para dentro, a entrada faz-se agora pelo número dois da Rua Marquês de Fronteira. No lugar da fachada acastelada que delimitava o antigo Parque de Santa Gertrudes está um muro baixo, que areja este espaço verde para sul. Este, por sua vez, foi pensado como a continuação do Jardim Gulbenkian, projectado há mais 50 anos. "Foi muito interessante perceber como é que o arquitecto libanês reagiu perante a necessidade de conceber um projecto para este acrescento de jardim. Ele chegou cá, viu o que Ribeiro Telles e Viana Barreto tinham feito e disse que prefigurava tudo aquilo que, hoje, é prática no paisagismo mais interessante. A certa altura, isto até teve uma tradução expressiva interessante. Quando lhe perguntei: Então o que é que está a pensar fazer? Ele disse: nada", partilha o presidente da Fundação Gulbenkian.
Pensada em consonância com o restante Jardim Gulbenkian, a paisagem aproxima-se o mais possível ao projecto paisagístico dos anos 60. Muitas das árvores de grande porte foram mantidas – pinheiros, eucaliptos, tílias, um enorme plátano, ciprestes, olaias, lódanos, entre outras espécies. Apenas os sobreiros foram aqui postos, juntamente com espécies de pequeno e médio porte, todas elas autóctones. Existe um pequeno lago e vestígios de uma antiga nora do século XVIII. Também o aproveitamento da água da chuva foi tido em conta. A ligeira inclinação do terreno direcciona-a para uma vala cega, que por sua vez conduz as águas ao grande lago do Jardim Gulbenkian, usado para alimentar os sistemas de rega.
Estar lá fora, cá dentro: uma visita que vai às entranhas do museu
O espaço expositivo do CAM aumentou significativamente. São agora 3779 metros quadrados. Cerca de um terço está ocupado por Leonor Antunes. Estamos na galeria principal, um espaço que se mantém fiel à traça anterior, e onde a artista portuguesa tira partido do monumental pé-direito para apresentar um conjunto de 30 peças escultóricas, suspensas sob uma superfícies em cortiça. Uma alusão à verticalidade dos corpos, mas também um questionamento da subalternização das mulheres na história da arte moderna.
A reflexão que continua uns degraus acima, aí já em diálogo com a colecção do CAM, representada aqui por artistas esquecidas ou obras menos conhecidas de nomes sonantes – Maria Keil, Guida Fonseca e Helena Almeida, de quem se expõe uma peça nunca antes mostrada, entre muitas outras. "da desigualdade constante dos dias de leonor*" pode ser visitada até 17 de Fevereiro de 2025.
Ao lado, encontramos a exposição "O Calígrafo Ocidental. Fernando Lemos e o Japão", que tem como base a viagem de seis meses do artista ao Japão, em 1963, para aprender caligrafia japonesa com uma bolsa da Gulbenkian. A fotografia e o desenho estão na base da exposição, complementados por um conjunto de estampagens japonesas da colecção do Museu Calouste Gulbenkian e por um painel de azulejo da Ratton. Pode ser visitada até 20 de Janeiro de 2025.
Descidas as escadas, encontramos novos espaços, com destaque para a Galeria da Colecção. Até 11 de Maio de 2026, é possível ver "Linha de Maré", cerca de 80 peças do acervo do CAM escolhidas para sublinhar a relação de artistas com o mundo natural e, em particular, com as ameaças ao planeta. No final, a futura Sala de Desenho está por agora ocupada com Bardo Loop, instalação em vídeo de Gabriel Abrantes, a única obra comissionada para esta exposição. Sem sair do mesmo piso, entramos ainda naquelas que são as primeiras reservas abertas do Centro de Arte Contemporânea. Sempre aberta, a sala contará com obras permanentemente em exposição. Às segundas-feiras à tarde, por marcação, será possível correr as grades e espreitar outras peças do acervo.
Simultaneamente, o CAM continua a celebrar a Temporada de Arte Contemporânea Japonesa, sob a curadoria da francesa Emmanuelle de Montgazon. "M5A5", de Go Watanabe, ocupa o Espaço Projecto com uma instalação de vídeo site-specific de grande escala. Mesmo ao lado, na Sala de Som, o artista sonoro Yasuhiro Morinaga apresenta "The Voice of Inconstant Savage", um projecto experimental que relaciona o encontro da cultura portuguesa com o Japão e as memórias e mitos que coexistem nas culturas indígenas da Amazónia. A primeira pode ser vista até 4 de Novembro de 2024, a segunda vai até 13 de Janeiro de 2025. As salas serão sempre de entrada gratuita. A trilogia de exposições ficará completa com "Song of the Land", da japonesa Chikako Yamashiro, com dois trabalhos sobre as ilhas Okinawa. Inaugura a 29 de Novembro.
Rua Marquês de Fronteira, 2 (São Sebastião). Dom-Seg, Qua-Sex 10.00-18.00, Sáb 10.00-21.00. 8€-16€ (entrada livre até 7 Out e Dom 14.00-18.00)
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