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As novas casas e hotéis da Bela Vista são para aves e insectos

A construção foi obra de duas turmas do ensino básico em Lisboa. Depois de acompanharmos o processo, falámos com o capataz, Renato Neves.

Raquel Dias da Silva
Jornalista, Time Out Lisboa
Dia Mundial do Ambiente
© Sara ChoupinaDia Mundial do Ambiente no Parque da Bela Vista
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É Dia Mundial do Ambiente, 5 de Junho, e passa pouco das 14.30 quando avistamos um grupo de crianças do ensino básico a aproximar-se do pórtico do Parque da Bela Vista. Os coletes amarelos identificam-nas como alunas do Agrupamento de Escolas D. Dinis e não há dúvida de que estão prontas para celebrar a data fora da sala de aula. A equipa da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, que promove o projecto em parceria com o festival MEO Kalorama, prepara-se para desafiar duas turmas, do primeiro e do terceiro ano, a construir casas para aves e hotéis de insectos.

“Não sou biólogo, mas tenho formação prática, porque já trabalho há muitos anos nestas questões de conservação e biodiversidade, sobretudo no que diz respeito a aves, daí estar a apoiar a Quercus nesta actividade”, revela Renato Neves, consultor técnico em áreas de interesse natural. “Num contexto urbano, o Parque da Bela Vista é muito interessante, porque tem carvalhos, azinheiras, sobreiros, pinheiros mansos, e obviamente muita biodiversidade. As aves são sempre mais visíveis, até porque estamos a ouvi-las, mas temos também os insectos, e queremos fazer essa inventariação, que depois nos vai ajudar a propôr melhorias.”

Dia Mundial do Ambiente
© Sara Choupina/ Time Out Lisboa

No lado direito do pórtico do parque, resguardadas do sol pelas copas das árvores, encontramos mesas de piquenique. É precisamente aí que se instalam duas estações de trabalho: uma para construir e outra para finalizar os projectos. Depois é preciso fazer a instalação, claro. Mas, calma, já lá vamos. Primeiro, é preciso ouvir Renato Neves. O consultor técnico em áreas de interesse natural é o capataz de serviço e, para que a obra fique bem feita e pronta a tempo, os seus ajudantes de metro e meio têm de praticar o silêncio e a escuta activa.

“As aves residentes deste parque são os chapins. O chapim-preto, o chapim-azul e o chapim-real”, anuncia Renato. Mais tarde, confidencia-nos que, curiosamente, começam a ver-se também tordos-comuns. “É uma ave que, há 20, 30 anos, estava confinada ao Alto Minho, mas a área de distribuição tem vindo a aumentar e agora vêem-se em grandes jardins e parques de Lisboa. Aqui, como temos esta área a descoberto, estou convencido que vamos ter chascos e papa-moscas em passagem migratória. Depois do Inverno, chegam outras espécies do Norte da Europa. E o que estamos aqui a fazer é um pouco a pretexto disso. Construir estes ninhos artificiais, são 12 ao todo, para contribuir para o aumento da taxa de sucesso das aves, porque à partida vão estar mais protegidas e seguras, e o sucesso reprodutivo é mais fácil.”

Dia Mundial do Ambiente
© Sara Choupina/ Time Out Lisboa

A Nília, a Beatriz e o Ivan, que falam apenas o suficiente para nos dizerem como se chamam, estão absolutamente fascinados com a aparafusadora usada para montar os abrigos. E, quando ninguém está a ver e já não é preciso aparafusar nada, carregam muito rapidamente no botão que a põe a funcionar e só param de rir quando a professora os apanha em flagrante delito. Aborrecidos, juntam-se aos seus colegas, que estão a encher os hotéis para insectos com cortiça, madeira e bambu, e a decorar as laterais com pinturas coloridas. A Noa (“sou Noa, mas sou menina”), a Ema (“com um M”) e a Maria Leonor, a mais espevitada das três, estão a ter uma tarde muito agradável. Têm seis anos, energia para dar e vender e, enquanto trabalham, as suas conversas vão da ave preferida de cada uma até viagens à Serra da Estrela.

“Já os insectos polinizadores são muito importantes para o ciclo reprodutivo das plantas. Portanto, estes hotéis de insectos também servem para os ajudar. São feitos em madeiras e forrados com diferentes materiais, o que as crianças adoram porque podem criar diferentes padrões e depois personalizar os hotéis. Ao contrário dos ninhos, que convém serem discretos, os hotéis podem ser muito coloridos, porque os insectos gostam de cor, e as crianças também, o que é uma conjugação muito feliz”, sugere Renato, entre risos, antes de nos agradecer pela pausa.

Dia Mundial do Ambiente
© Sara Choupina/ Time Out Lisboa

Para instalar a primeira casa do Parque da Bela Vista, Renato Neves encosta um escadote à árvore escolhida e começa a subir. Um grupo de quatro crianças acompanha-o, mas nenhum está interessado em dar o seu testemunho. Quando lhes perguntamos o nome, riem-se e dão meia volta. O que querem mesmo é ver a sua obra de arte. O abrigo A1 está pronto para receber aves. Mas, atenção, diz-lhes Renato, só na Primavera do próximo ano é que devem conseguir perceber se algum chapim encontrou ali o local ideal para fazer ninho.

A importância da polinização e de fazermos a nossa parte

“Estamos a desenvolver esta iniciativa em parceria com o festival e com a Junta de Freguesia de Marvila, mas a ideia não é só construir abrigos, é também fazer a monitorização das espécies de aves e insectos que habitam este parque. Perceber se os nossos ninhos vão ter moradores, quanto tempo é que esses moradores lá ficam, como é que se adaptam às casas que lhes construímos. E, claro, se os nossos hotéis também recebem hóspedes. Para nós, é muito importante monitorizar insectos, sobretudo os polinizadores, que estão a morrer devido a químicos como o glifosato, que são aplicados nas nossas cidades de forma livre, como se não tivessem impacto nos ecossistemas”, lamenta Sílvia Carreira, presidente do Núcleo Regional de Lisboa e vice-presidente da Direcção Nacional da Quercus.

Dia Mundial do Ambiente
© Sara Choupina/ Time Out Lisboa

A maior parte das plantas utilizadas, directa ou indirectamente, na produção de alimentos é dependente do serviço de polinização levado a cabo por diferentes espécies de insectos, como abelhas, borboletas e beija-flores por exemplo. Se não existir polinização, as flores deixam de produzir sementes e frutos, explica Sílvia. “Não é por obra e graça do Espírito Santo, é graças aos polinizadores.” Além disso, são também responsáveis pela limpeza do ar (mesmo espalhando pólen por todo o lado e contribuindo para as nossas alergias sazonais), a estabilização dos solos e até o sustento de outros animais selvagens. Infelizmente, estão em declínio, devido principalmente à perda de alimentação e habitats ideias.

Nesta primeira sessão de trabalho, não foi possível conversar sobre todas as razões porque é muito importante criar hortas urbanas e plantações autóctones e diversas, bem como adoptar comportamentos mais sustentáveis. Mas, pelas 16.00, está quase na hora da turma do terceiro ano aparecer, e já se começa a ouvir música no Bairro da Flamenga, onde se realiza uma acção de sensibilização para boas práticas na área do ambiente, como a correcta separação de resíduos, por exemplo. A iniciativa é levada a cabo em colaboração com a Valorsul e inclui um concerto promovido pela associação Chelas é o Sítio, bem como a distribuição de um conjunto de sacos para reciclagem.

Dia Mundial do Ambiente
© Sara Choupina

O MEO Kalorama, que regressa ao Parque da Bela Vista nos últimos dias de Agosto, continua a fazer da sustentabilidade uma das suas bandeiras. Esta celebração do Dia Mundial do Ambiente vem no seguimento dos esforços que têm feito para minimizar a pegada ecológica do festival e que inclui a plantação de árvores com o apoio da Quercus. A última aconteceu em Fevereiro e a próxima deverá acontecer no Inverno.

“É o terceiro ano que colaboramos com o MEO Kalorama. Numa primeira fase, fizemos um questionário sobre comportamentos sustentáveis, para perceber os hábitos das pessoas que vêm ao festival e convidá-las a reflectir. Depois começámos a pensar em como compensar a pegada carbónica que produzem e plantámos uma mini-floresta com autóctones, com vários níveis, como é suposto ser, mas agora já não é altura para plantar nada, portanto retomamos apenas no Outono, em Outubro, provavelmente. Vamos ver como estará o tempo. Com as alterações climáticas, aquilo a que chamamos Primavera e Outono está a desaparecer e temos cada vez mais fenómenos climáticos extremos, com cada vez mais frequência e mais próximos uns dos outros”, lamenta Sílvia, que desafia as famílias a fazer a sua parte.

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