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Em 1926, o médico e pediatra Janusz Korczak criou A pequena revista. Este era um suplemento do Nasz Prezeglad, o jornal judeu com maior circulação em Varsóvia antes da Segunda Guerra Mundial. No entanto, textos que ocupavam estas folhas não eram de jornalistas. O polaco fez um apelo a crianças para enviarem cartas para as diferentes secções. Com toda a liberdade, podiam escrever sobre as suas preocupações, brincadeiras e sugestões para a resolução dos grandes problemas do mundo – como a guerra.
Apesar de vivermos tempos bem diferentes, este foi o ponto de partida para o projecto Livros Escritos por Crianças, imaginado por Inês Machado e Ana Braga. As fundadoras da Triciclo – editora de livros infantis – já tinham desenvolvido várias oficinas, entre 2018 e 2020, com uma turma da Escola Sampaio Garrido, em Arroios. Destas sessões nasceu um livro, repleto de notícias, entrevistas, insólitos e até uma página de classificados, onde as crianças fizeram e desenharam anúncios de objectos de casa que já não queriam. Depois desta experiência, candidataram-se a apoios da Direcção-Geral das Artes e da Comissão Organizadora dos 50 Anos do 25 de Abril, e chegaram ao Livros Escritos por Crianças.
Desta vez, em várias oficinas, que vão decorrer até Junho de 2025, e com 13 turmas (do terceiro e do quarto anos), Inês e Ana pretendem explicar – de uma forma interessante, dinâmica e interactiva – o que é uma democracia, apresentar vários conceitos da Constituição e os ideais do 25 de Abril.
Numa das sessões, Inês e Ana levaram um saco que tinha recortes de silhuetas de vários animais e palavras relacionadas com a Constituição. Cada criança teve de retirar um animal e uma palavra, e construir um texto relacionando cada elemento. “Neste exercício, intitulado o ‘Binómio Fantástico’, nós descontextualizamos as palavras, e é interessante perceber que nem sempre resulta num texto propriamente político. As crianças podem simplesmente dar asas à imaginação, e resulta num texto mais inocente”, descreve Ana Braga. “Alguns textos estão mais ligados a coisas que vêm e a que estão habituados. A história não tem de ser necessariamente sobre o 25 de Abril. Nós dizemos que todos são válidos”.
No entanto, ambas ficaram surpreendidas com o quão presentes alguns destes conceitos estavam na vida dos jovens. “A liberdade, sobretudo, era um tema que estava bem presente, até porque acabámos de passar pelos 50 anos do 25 de Abril e foi algo bastante falado nas escolas”, começa por explicar Ana. “A democracia é algo que noto que eles têm mais dificuldades em definir. Por exemplo, perceber o que é representativo, o que são os deputados…” Inês refere que existem certas "palavras" mais próximas da realidade dos jovens que estes conhecem, mas que precisam de ser explicadas. “A questão da greve – que é muito presente no dia-a-dia da escola pública, por causa de auxiliares de educação, professores ou dos próprios transportes públicos – é algo que eles conhecem, mas temos de explicar porque é que é praticada. Não é apenas uma simples folga”.
As crianças conciliam o que aprendem nestas oficinas com o que lhes é ensinado na escola sobre estes temas? Nenhuma das duas arrisca o sim. “Não sei responder exactamente, porque não conheço o plano de ensino. São questões mais ligadas à cidadania, mas conhecemos muitos professores que tentam desenvolver essas questões”, diz Inês.
Ambas defendem que é importante continuar a abordar o que aconteceu no 25 de Abril, até para continuar a transmitir o que se aprendeu de geração em geração. “Quando falamos sobre a ditadura, eles ficam sempre chocados, como se fosse algo que realmente não quisessem ter de volta. Para isso, temos de aprender a distinguir o que é uma democracia, como é que podemos continuar a lutar e a conhecer os nossos direitos para que ela possa existir. Como um dos professores disse: ‘Se vocês não souberem o que é a democracia, como é que conseguem defendê-la?’”, recorda Ana.
Apesar de estarem focadas neste projecto (e de ainda terem muito trabalho pela frente), acalentam a hipótese de levar Livros Escritos por Crianças a mais escolas. “Já falámos sobre criar os kits mediadores. Esta foi uma experiência que já colocámos em prática há dois anos, quando fizemos o jogo da Constituição, com a ajuda da associação Beira Serra, numa escola da Covilhã. Ou seja, desenhámos a actividade, com uma caixa e um livro de instruções, e os professores orientaram o processo. Isto é algo que gostaríamos de repetir", afirma Inês.
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