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Assustadores? Estes monstros partem-se e ainda arrancam sorrisos

No atelier de Carlos Manuel Gonçalves, os terrores da infância ganham forma. Com peças decorativas, outras utilitárias, o ceramista já chegou a exposições internacionais.

Mauro Gonçalves
Escrito por
Mauro Gonçalves
Editor Executivo, Time Out Lisboa
De Maneiras Que
© Mariana Valle Lima
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Por detrás deste novo atelier lisboeta há uma história de mudança de vida, a de Carlos Manuel Gonçalves. Tudo começou há dois anos e meio, quando os amigos resolveram oferecer-lhe um workshop para dar os primeiros toques na porcelana. Ganhou-lhe de tal forma o gosto que, mal terminou, inscreveu-se por conta própria num curso de cerâmica. "Foi uma viragem no meu percurso, um clique. Fiquei viciado, mas sem nunca pensar que podia fazer isto profissionalmente", conta.

De Maneiras Que
© Mariana Valle Lima

Entretanto, a pandemia continuava sem dar tréguas e, enquanto produtor de teatro, Carlos sofria cada vez mais com a instabilidade da profissão. O segundo confinamento foi decisivo – começou a fazer as primeiras peças em casa, aos fins-de-semana. No início de 2021, chegou ao Instagram, onde vendeu a colecção de estreia, inspirada em animais da quinta. Em Abril desse mesmo ano, os teatros reabrem e a agenda de espectáculos é retomada, mas para o ceramista iniciado era já tarde demais para conciliar os dois mundos. "Sinto que finalmente me encontrei, que foi preciso passar uma vida inteira até descobrir o que queria realmente fazer", continua o autor, hoje com 40 anos.

O sucesso destas figuras – que conseguem ser tão bizarras quanto simpáticas – tem sido crescente. Para Veneza, Carlos envia, por estes dias, o Unicórnio Mutante, peça única, concebida e moldada para integrar a mostra colectiva "Of Forms and Origins: a creative journey". O convite surgiu depois da primeira exposição individual, na Pura Cal, em Lisboa. Num mês, vendeu 21 das 26 peças que levou até à loja da Lx Factory.

De Maneiras Que
© Mariana Valle LimaCarlos Manuel Gonçalves

"Nunca tenho as coisas muito pensadas ou premeditadas. Sento-me à bancada e começo a trabalhar, é um processo bastante fluido", refere. Curiosamente, desde as primeiras peças que Carlos soube o que queria fazer com as mãos – uma linguagem quase infantil de carantonhas, narizes, bigodes, pernas e sobrancelhas. O primeiro monstrengo foi um ponto de viragem e a figura inusitada acabaria por ditar o rumo criativo do atelier, entretanto baptizado como De Maneiras Que. "Trago os monstros da minha infância. São inspirados em imagens que tinha, amigos imaginários. E a cerâmica era a matéria perfeita para trazer essas criaturas de volta. No fundo, estou a trazer de volta o meu lado infantil." Um imaginário criado em plena cidade, mas que não é alheio ao meio rural onde o ceramista cresceu – Carlos conta que, na pequena Albernoa, a imaginação foi levada ao limite. Ao mesmo tempo, a cultura popular do Alentejo profundo é outras das referências.

No atelier, dividido com outro ceramista, Carlos explora novas formas, mas também desafia as leis da gravidade com peças sustentadas por longas pernas e tentáculos. Está um polvo no forno e há uma jarra aparatosa pronta para seguir o mesmo caminho. A criatividade tem-no afastado das peças utilitárias. Por encomenda ou auto-recriação, as criações aproximam-se cada vez mais no universo escultórico, ainda que sejam capazes de arrancar alguns sorrisos a quem com elas contacta pela primeira vez. "Há sempre um lado de humor. Apareci durante a pandemia, quando muitas pessoas precisavam de um escape. Talvez tenha sido por isso que o meu trabalho foi logo tão bem recebido."

De Maneiras Que
© Mariana Valle Lima"Unicórnio Mutante"

Bicho Covid, Manuel Marciano, Monkeypox ou Britney – a actualidade e a cultura pop fundem-se sobre a mesma bancada. "Há tanta gente a fazer cerâmica que quero que as minhas peças façam as pessoas sentirem alguma coisa. E gosto de procurar isso num material tão tradicional na cultura portuguesa." Neste momento, Carlos trabalha com uma lista de espera de dois meses. Pode sempre ir encontrando algumas peças na Pura Cal e no Depozito, ali para os lados do Desterro. Os preços vão dos 65€ aos 650€ e, embora o atelier de Alcântara não funcione como loja, de porta sempre aberta ao público, é possível marcar com o autor para ver de perto alguns destes bichos. Cautela. Eles não mordem, mas partem-se.

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