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Ainda com o gravador desligado, à mesa do Solar dos Presuntos, Afonso Lavado Ventura, o label manager da Virgin Music portuguesa, refere-se a esta etiqueta da Universal como uma plataforma para lançar novos artistas – as palavras são outras, mas a intenção é esta. Fá-lo para desfazer a ideia de que é um selo de “música urbana”. É uma associação natural, dado que distribui artistas como T-Rex, Profjam, Ivandro, Bispo ou Van Zee, entre outros na mesma linha. Contudo, o elenco começa a diversificar-se. E os Bandidos do Cante são a mais recente adição e este elenco.
O mais velho destes Bandidos tem 30 anos, o mais novo ainda não fez 24, e só agora estão a lançar a segunda canção em nome próprio, na senda de colaborações com Buba Espinho, seu conterrâneo de Beja, e os D.A.M.A. No entanto, já somam alguns milhões de reproduções online, todos os meses mais de cem mil almas os ouvem no Spotify, pisaram os palcos da MEO Arena e do Coliseu de Lisboa – e os concertos com os D.A.M.A, na histórica sala, quando os jovens ainda eram só “os amigos do Alentejo” de Buba Espinho, foram gravados e editados há um par de anos, em 2023.
Os dados e números listados no parágrafo anterior ajudam a explicar porque é que são uma das grandes apostas da Virgin. E porque é que o selo da Universal convidou um bando de jornalistas para ir ouvi-los cantar o novo single, “Já Não Há Pardais No Céu”, e mais duas ou três canções, ao Solar dos Presuntos, enquanto era servido um cozido à portuguesa e o vinho (alentejano, como eles) alegrava os copos e os corpos. Porém, é só enquanto bebemos os cafés e falamos, depois das cantorias, que as razões deste casamento começam a ficar mais aparentes.
“Quando os D.A.M.A lançaram a ‘Casa’, pensámos a quem é que isto pode chegar? Nunca sabes, é uma incógnita”, afirma Francisco Raposo – que se apresenta como Kiko, para não se confundir com o outro Francisco do grupo, de apelido Pestana. Não tardaram a encontrar a resposta. “Nós éramos formadores de cante alentejano, em Beja, nas escolas, e os miúdos adoravam as modas [tradicionais], mas não podíamos sair das aulas sem cantar a ‘Casa’ com eles. Sabiam-na de cor.”
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“E com o [single de estreia] ‘Amigos Coloridos’ também aconteceu muito isso”, prossegue. “Tens as crianças todas a cantar os ‘Amigos Coloridos’, que é uma história mais…” Adulta? “Sim. Mas eles identificam-se com a melodia, com os nossos timbres e com as voltinhas que fazemos.” Estas crianças brevemente vão ser os adolescentes com quem a Virgin está mais habituada a comunicar do que a editora-mãe.
Cante, mas pouco
Apesar do nome, porém, estes bandidos dedicam-se pouco ao cante. Só ouvimos as suas cinco vozes tornarem-se uma só, farinha do mesmo saco, com a força e entrega das massas proletárias a quem associamos este canto coral, muito de vez em quando, nalguns refrães. Lembram mais outros baladeiros alentejanos que se fazem acompanhar por uma viola, como António Zambujo ou Buba Espinho – “ele é nosso irmão, diz-nos o que está bem e o que está mal”, reconhece Kiko. Outra influência são Os Quatro e Meia. “Eles gostam muito da nossa cultura. Falamos muito e até já cantámos com eles no Festival do Crato”, continua.
“Independentemente daquilo que cantemos, o cante vai estar sempre presente nas nossas vozes”, assegura Luís Aleixo, o mais velho e uma das principais influências dos restantes membros. “Ele teve um grupo coral, com malta quatro ou cinco anos mais velha do que nós. E formámos um grupo por causa deles”, conta o jovem Raposo. “Eles eram ‘Os Bubedanas’, e nós éramos o Grupo Coral ‘Os Discípulos’. Porque éramos discípulos de ‘Os Bubedanas’”, desenvolve. Buba Espinho, contemporâneo do Aleixo, também pertenceu a este grupo.
É por este legado partilhado que “o cante vai permanecer” nas suas vozes. “Olha para a Ana Moura”, aponta Francisco. “Faça o que fizer, ela tem o fado na voz. E nós também: as nossas voltas, as nossas formas de nos expressar, têm sempre qualquer coisa do cante. Não é o cante puro, até porque essa não é a nossa ideia. As pessoas têm que perceber que esta cultura existe e deve-se preservar”, defende. “E renovar. Está em constante evolução.”
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“Deves sempre preservar as raízes”, adiciona Luís. “E esses segmentos muito pequeninos que existem, dos grupos corais, dos jovens, são importantes para isso. Mas a nossa ideia mesmo é pegar naquilo que é a essência do cante alentejano e tentar transformá-la em algo que faça sentido hoje, no quotidiano que vivemos, nas experiências que temos – até sociais – e tentar passar isso para as pessoas.”
É uma maneira de trazer o cante para o presente. Mas não é a única. Desde 2022 que, no Cantexto do Festival Futurama – que se realiza todos os anos em Beja, entre outras terras alentejanas, e já foi apresentado em Lisboa, no Teatro São Luiz –, grupos corais de todas as idades colaboram com escritores contemporâneos, de José Luís Peixoto a Margarida Vale de Gato, Richard Zimler, Ondjaki e muitos outros, para dar novas palavras e ideias ao cante. Casando novos poemas a velhas modas, como acontece nos fados tradicionais.
A abordagem destes Bandidos é outra. “O cante era uma canção muito profunda e de sofrimento, porque as pessoas naquela altura sofriam muito com o trabalho e com a vida que tinham. Nós fomos beber isso, eu sei cantar isso e até sinto isso, porque os meus avós passaram por isso”, assume Luís. “Mas não sentimos o sofrimento na totalidade”, reconhece o outro Francisco, Pestana. “O desafio é pegar naquilo que nós vivemos e tentar tornar o cante actual”, acrescenta o Aleixo. “Acho que essa é a nossa maior força”, remata Kiko Raposo. “É a nossa maneira de preservar a tradição.”
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