[title]
Costuma chamar-se “contraprogramação”, e não é a primeira nem a última vez que é feita em Hollywood. Mas hoje as redes sociais criam modas e fenómenos, e foi assim que surgiu “Barbenheimer”, uma expressão que refere a estreia estival, e ao mesmo tempo, de duas grandes produções de estúdios rivais, dois filmes nos antípodas um do outro: Oppenheimer, de Christopher Nolan (Universal), e Barbie, de Greta Gerwig (Warner Bros., o antigo estúdio de Nolan).
O primeiro filme é uma pesada, grave e longa (três horas) biografia do físico J. Robert Oppenheimer, criador da bomba atómica, que recria também o fabrico do engenho no Laboratório de Los Alamos, durante a II Guerra Mundial, e explora o tema do inventor ultrapassado pela sua invenção e angustiado pelo gigantesco potencial de destruição desta. O segundo, produção de estreia da Mattel baseada na sua linha de brinquedos clássicos, para lhes dar novo fôlego comercial, é um insólito híbrido de escapismo e activismo, uma comédia kitsch em redor da boneca mais vendida do planeta, de comentário satírico e feminista sobre a mesma, e de escancarada operação de merchandising.
A origem de “Barbenheimer” é, alegadamente, um tweet brincalhão do jornalista Matt Neglia, editor do site Next Best Picture, que afirma não se lembrar de o ter escrito, tendo logo a seguir começado a aparecer posters e T-shirts com a expressão. Mas, por extensão, esta passou também a designar o inusitado fenómeno de massas associado às duas fitas.
Apesar de estarem cada qual no seu canto e serem diferentes como o ovo do espeto, os filmes saíram ambos vencedores do “Barbenheimer”. O estardalhaço (vulgo hype) criado em seu redor bem antes de se terem estreado, o marketing dos respectivos estúdios, a ideia que surgiu na internet e fora dela de os espectadores irem vê-los (até no mesmo dia) como se fossem complementares (houve salas que os programaram em sessões duplas), a propaganda para esse efeito em que participaram membros de ambos os elencos e celebridades várias (Tom Cruise, cujo Missão: Impossível – Ajuste de Contas Parte Um já estava nos cinemas, foi filmado pelas televisões exibindo bilhetes para Oppenheimer e Barbie, ao lado do seu realizador, Christopher McQuarrie), fizeram com que as duas produções prosperassem nas bilheteiras, excedendo as previsões dos especialistas. Barbie está a render mais do que Oppenheimer, que dura mais uma hora e tem um tema de abordagem mais exigente – nas primeiras duas semanas em cartaz, um fez 824 milhões de dólares nas bilheteiras de todo o mundo; o outro, no mesmo período, 419 milhões de dólares.
As receitas combinadas proporcionaram à indústria cinematográfica norte-americana o segundo fim-de-semana mais lucrativo de sempre, entre mais um ou dois recordes. Os opostos afinal atraíram-se. O “Barbenheimer” foi uma bênção para as bilheteiras, particularmente nos EUA (cerca de metade da receita registou-se no país de origem dos filmes). Estas estavam ainda a recuperar dos efeitos da pandemia, numa temporada que viu The Flash tornar-se o maior desastre comercial até agora de um filme de super-heróis, a que acrescem decepções com o derradeiro Indiana Jones e com a nova animação da Pixar, Elemental. Em Portugal, os números da dupla de fitas são também excepcionalmente bons.
Mas ao programar estas duas produções de muito peso para estrear no mesmo dia, Hollywood ficou sem filmes de grande impacto para o resto do Verão. Não vão ser Blue Beetle, Meg 2: O Regresso do Tubarão Gigante ou Tartarugas Ninja: Caos Mutante que vão pedir meças a Oppenheimer e Barbie em termos de receitas. Uma situação agravada pela greve dos argumentistas e actores que vai atrasar a estreia de muitos títulos. Por seu lado, as críticas às fitas de Nolan e Gerwig foram muito positivas, mas não unânimes no entusiasmo. Richard Brody, da The New Yorker, por exemplo, opinou que Oppenheimer parece um “filme do Canal História”, enquanto que o Guardian escreveu que Greta Gerwig se tinha “vendido ao capitalismo” ao fazer Barbie para a Mattel, mesmo gozando abundantemente com a empresa no filme. Há também bastante gente (o autor destas linhas incluído) que acha que o melhor filme deste Verão é Missão: Impossível – Ajuste de Contas Parte Um, que tem todas as qualidades dos últimos filmes de James Bond sem nenhum dos defeitos. E em que Tom Cruise continua a seguir a grande tradição das “estrelas” que não usam duplos, nem nas sequências mais espectaculares e perigosas, substituindo os efeitos digitais de que os filmes de super-heróis usam e abusam, pelo trabalho físico árduo “à antiga”.
E não esqueçamos o “patinho feio” feito cisne milionário deste Verão cinematográfico, Sound of Freedom, de Alejandro Monteverde (ainda inédito em Portugal). É um thriller sobre o tráfico de crianças baseado em factos reais, a produção independente em que nenhum estúdio ou distribuidora queria tocar nem com um pau, intensamente hostilizada e condenada pelas elites mediáticas, culturais e do mundo do cinema, e pela classe política nos EUA, que chegaram a associá-lo ao movimento de ultradireita e de teorias da conspiração QAnon. Mas nada disso cancelou o interesse dos espectadores, que estão a fazer de Sound of Freedom o sucesso inesperado da estação do calor, e deste ano. O filme já vai nos 130 milhões de dólares de receitas, e continua firme no terceiro lugar da tabela dos mais lucrativos por dia. Só antecedido, bem visto, pelo “Barbenheimer”.