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Benedita Pereira: “Quero ser uma pessoa boa, mas o que é isso?”

O ano de 2022 acaba com Benedita Pereira em palco, no Teatro Meridional. Uma peça – ‘Pulmão’, do britânico Duncan Macmillan – e uma actriz confrontam-nos com as pequenas e as grandes questões do mundo, como esta: “Somos pessoas boas?”

Joana Moreira
Escrito por
Joana Moreira
Jornalista
Benedita Pereira
Francisco Romão Pereira
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Nasceu e cresceu no Porto, estreou-se no teatro, e pôs o seu rosto na memória colectiva com Joana, a primeira protagonista da série Morangos com Açúcar (2003). Benedita Pereira viveu em Nova Iorque, sem nunca tirar o pé do palco, fez muita televisão e algum cinema, embora “menos do que gostaria”. De gargalhada fácil, séria, crítica, disposta a aprender e a falhar, só quer “ser uma pessoa boa”. E fazer rir. 

O domínio perfeito da língua inglesa perpetua em si até hoje, não o “sonho americano”, mas antes o “sonho global” – e um novo manager americano ajudará com isso. Enquanto a cinematografia de outros países não a leva, a actriz de 37 anos faz carreira no seu, desbravando caminho e criando oportunidades. Pulmão, peça do dramaturgo britânico Duncan Macmillan, em cena de 7 a 18 de Dezembro no Teatro Meridional, em Lisboa, é disso exemplo. É o resultado da persistência da actriz, que viu a peça no Old Vic Theatre, em Londres, se emocionou e não descansou até a mostrar em Portugal. “É uma peça em que estamos a ver os outros e estamos a ver-nos a nós”, diz à Time Out sobre o texto que é uma montanha russa emocional desencadeada pela questão de ter ou não um bebé. 

As banalidades sobrepõem-se, o discurso atropela-se, as questões levantam-se, os assuntos misturam-se, das alterações climáticas às dúvidas existenciais. A encenação é de Ana Nave e a produção é da Arte 33, Causas Comuns e Teatro Municipal de Vila Real.

Tiveste a tentação de encenar esta peça?
Não. Sabia que queria fazer [esta peça] como actriz. Acho que se algum dia começar a encenar prefiro só estar como encenadora. Esse papel duplo de estar a encenar e a representar ao mesmo tempo, tenho muito respeito e acho incrível quem consegue, mas acho que não conseguiria.

E só te fazia sentido seres tu a encarnar esta personagem.
Sim. Identifiquei-me com a personagem, identifiquei-me com a linguagem. É uma conversa que começa no Ikea, mas que rapidamente vai saltando no espaço e no tempo. Não temos cenário, não temos nada que diga que aquilo saltou, a não ser o que estamos a dizer. É um desafio muito grande, mas também é muito prazeroso para os actores porque levamos o público, e vamos nós, numa viagem que é só pelo que estamos a dizer e a fazer, não há nada à volta que nos diga que estamos naquele sítio ou naquele tempo. Adorei esse desafio. Percebi que este autor, não só pelas peças que vi como pelas que li, gosta muito de actores. Por isso é que tinha vontade de ser actriz nesta peça. Ele entende os desafios e dá-nos autênticos bombons. É difícil, mas quando acontece é mágico. 

As alterações climáticas, a maternidade, Pulmão confronta-nos com muitas questões. Dá-nos respostas?
Só nos confronta. Não nos dá grandes respostas. Faz-nos pensar muito. Em Vila Real [onde a peça se estreou], uma senhora disse-nos: “Se soubesse o que sei hoje não tinha tido filhos”, e nós “não, também não é isso!”. Ou seja, faz-nos mesmo questionar. No início parece que de uma maneira bastante leve, tem piada, revemo-nos em todas as dúvidas, no discurso entrecortado, no estar a pensar numa coisa e de repente falar de outra, nas coisas mais mundanas, como gostar dos teus pais ou não gostar, as fraldas descartáveis, a pegada carbónica, o que um bebé significa. Vamos ao micro e ao macro ao mesmo tempo. Confronta-nos com muitas coisas, com o pequenino que somos, com a nossa finitude também. Mas depois há algum entretenimento, porque o que é que o humor é? É um bocadinho isto de gozarmos connosco próprios com o ridículo que somos. Estamos a ver os outros e estamos a ver a nós. 

É um rir para não chorar?
Exactamente.

O percurso dos actores é muitas vezes movido através de convites ou de um casting. Aqui a lógica inverte-se. És tu a criares o teu próprio caminho?
Sim. Tive a sorte de ter pessoas a querer trabalhar comigo, porque eu podia ter imensa vontade e depois não ter a produção certa, ou não ter um encenador de que gostasse ou que quisesse trabalhar comigo. A minha carreira fez-se de oportunidades que foram criadas por outras pessoas, foram convites e tal, mas também tenho coisas que quero fazer e achei que esta era possível – e foi. Custou, mas foi. A minha esperança é que isto não acabe por aqui. É um espectáculo que é muito fácil de [fazer] viajar. É um tema que toca a toda a gente. Mesmo pessoas que nunca tiveram filhos ou que nem pensaram em ter filhos têm outras questões, de relação, com as alterações climáticas, se são pessoas que estão a fazer o suficiente. Todos nós.

Partindo do princípio de que todas as pessoas se questionam.
Claro.

Dizes que há coisas que ainda queres fazer. Escrever é uma delas?
É. Quer dizer, está assim super numa gaveta.

Porquê?
Porque a vida [risos]. Acho que é preciso ter muita disciplina. Tenho muita consideração, respeito e amor por quem escreve e bem. Sei que custa imenso e há dias que não lhes apetece. Ainda não tive essa obrigação, tenho de sentir um impulso muito grande para ter essa disciplina de escrever todos os dias. Sempre que escrevi foi porque me pediram qualquer coisa, porque tinha aquele deadline e tinha de escrever. Não se vive só disso, vive-se também de nós próprios irmos treinando e escrevendo. E se calhar muito daquilo que vamos escrever vai ser uma porcaria, porque é assim. Tenho esse gosto, mas está muito enferrujado. Uma vez escrevi um monólogo que fez parte de umas leituras encenadas, e nunca o vi feito porque não estava cá quando foi feito. Deram-me um tema e aquilo saiu-me. Acho que ficou giro e as pessoas que foram ver gostaram do texto, mas ficou por ali porque… [suspiro] a vida. Tenho outras profissões.

Então a escrita virá quando encontrares um método, mais do que uma inspiração.
As duas coisas. Como os actores não vivem só de inspiração, as coisas vão melhorando, vamos falhando e evoluindo, é assim que tento ver. Se olhar para uma coisa que fiz há 20 anos ou uma coisa que estou a fazer agora sinto “ok, aqui há toda uma evolução”. O talento, a inspiração pode ser a mesma, mas não tem nada a ver.

Benedita Pereira
Francisco Romão Pereira

É cumulativo, somos melhores com o passar do tempo?
Claro que há coisas que nos correm pior, é uma linha que não é ascendente sempre. Pode haver quedas pelo caminho. Mas, no geral, se estamos empenhados e tendo a humildade de perceber os erros e a vontade de melhorar, absorvendo o que vamos aprendendo com pessoas diferentes, acho que a tendência, é a esperança que tenho, é que a curva seja ascendente. Por muito que haja para lá uns fossos pelo caminho, porque nem tudo corre bem.

Há quem ache que a idade dá legitimidade para escrever.
Percebo e sinto isso. Mas acho que há pessoas incríveis a escrever com 20 anos. Preciso da experiência, sinto que já estou a ganhar alguma densidade como pessoa, como artista, para depois o poder passar para o papel. Houve uma altura que tive um blogue, que escrevia e-mails para amigos, tinha algum prazer em escrever. Escrevi para revistas, há muitos anos, acho que tinha piada, mas era uma coisa bastante superficial. A minha voz a escrever é até parecida com a minha voz falada, mas faltava-me alguma densidade. Com os actores é a mesma coisa, também vamos ganhando densidade. Uma pessoa pode ter 20 anos e uma grande densidade. Mas acho que vamos ganhando... e estou à espera disso.

Este regresso ao palco no último par de anos foi uma casualidade ou um objectivo bem traçado?
Foi uma decisão consciente de fazer mais teatro e depois foi um conjunto de factores externos, de convites. Há essa abertura, as pessoas vêem que estamos com vontade. Já surgiram convites para outras coisas, televisão e não sei quê, que não pude fazer porque estava comprometida com o teatro. Esta [peça] foi uma delas. Está marcada há muito tempo, é uma coisa que quero fazer. É chato para o meu bolso, mas gosto de honrar os compromissos. Claro que não digo que se viesse aí um Steven Spielberg a pedir para eu ir fazer um filme… As coisas pesam diferente na balança.

Mas não te tentas facilmente.
Não. Quando é óbvio que quero fazer uma coisa e a outra a razão é mais financeira, não. Claro que tenho saudades de fazer televisão, e vou fazer em breve, espero, mas agora foi o meu tempo de fazer teatro. Também coincidiu com ter sido mãe e a pandemia, acabou por correr bem. Os horários de teatro, apesar de nos consumirem muito intelectualmente, estudar para uma peça e ensaiar, o horário em si não é tão pesado como 12 horas a gravar seja o que for. Para mim até acabou por calhar bem.

O teatro é o teu lugar de conforto?
De conforto e aprendizagem. Não há sítio onde aprenda mais. É mesmo um sítio de ir ao fundo. Engraçado, agora parece que estava a dizer o texto [da peça], “de ir ao fundo e escavar”. No teatro não nos podemos mesmo contentar com a superfície das coisas. Quando estamos a fazer televisão, novelas então, há mesmo muito pouco tempo. Acabamos por ficar num sítio de superficialidade. Às vezes acontece que aquela cena corre muito bem e vai a um sítio diferente, mais denso e mais profundo. Acontece, não é todos os dias. No teatro estamos dois meses, dois meses e meio, o que for, a ir ao fundo das questões. Não há maior aprendizagem sobre teatro, sobre nós próprios, sobre como somos como actores, sobre as nossas falhas comuns. Temos muito espaço para falhar.

Pulmão
DRTomás Alves e Benedita Pereira.

O teatro faz-te conheceres-te melhor?
Era isso que estava a dizer. Como pessoa e como actriz, como intérprete. Cada vez mais. Aquela curva ascendente que falávamos está a acontecer comigo, quanto mais faço personagens completamente diferentes. A última personagem que fiz não tinha nada a ver com esta, esta é mais parecida comigo, mas depois o desafio em palco é tremendo.

O que é que mais te desafia? A diferença?
Isso é uma coisa. De repente consegues modelar a tua voz a uma coisa diferente ou discutir não ter de ser uma coisa lá para cima. Esse tipo de controlo, estou a trabalhá-lo mais. Neste caso é a quantidade de texto e a maneira veloz como o fazemos, o ritmo, o facto de não termos mais nada a que nos agarrar, não termos um cenário, as transições muito rápidas, essa agilidade. É o desafio desta peça. Na peça anterior era uma personagem que tinha um lado muito negro, de repente era ao contrário, tinha muita coisa para fazer em cena e tinha de coordenar tudo com o texto. Nesta já tenho saudades de ter chávenas de café e coisas para fazer. Não ter nada dá medo, é uma vertigem.

Os olhos estão só sobre ti.
Exacto. Sobre mim e sobre o Tomás [Alves, que contracena com Benedita].

Estás a fazer os teus melhores trabalhos?
Acho que sim. E espero vir a fazer ainda melhor. Na minha curva sim.

Gastas muito tempo a pensar no que já fizeste?
Às vezes faço assim uma visão geral, de olhar de fora e perceber o percurso e as coisas. Hoje vemos muitas coisas do passado, dos Morangos [com Açúcar], ou porque nos enviam ou porque nos aparece na internet. Faz-nos pensar “ei, que novinha, ei, que canastrona” [risos]. É bom para pôr em perspectiva. Às vezes há um personagem que penso “teria feito isto de maneira diferente”. Mas foi há dez anos. Não gasto muito tempo a pensar nisso.

Falaste nos Morangos. A Joana [protagonista da série] foi uma sina ou uma bênção?
Agora já é uma bênção. Já passaram 20 anos, faço outras coisas, continuei a minha vida, já fiz tanta coisa depois disso. É super-bonito as pessoas continuarem a ver hoje em dia, acho aquilo completamente fora. Estava a comentar isso com o Pedro [Mendes, agente da actriz] há bocado. Como é que é possível, 20 anos depois, uma coisa tão naïf… As coisas mudaram muito em 20 anos.

Reconheces-te?
Sim, reconheço, mas vejo cenas e não me lembro de as fazer. Tenho uma memória super-feliz desse tempo. Ultimamente tive essa noção de que as pessoas continuam a ver e põem os filhos a ver. Se calhar penso que tenho de pôr o meu filho a ver, mas… não [risos]. No outro dia, com os meus pais, estava a dar na televisão e ele reconheceu-me. Começou a chamar por mim. Achei genial.

Pensaste “a minha pele está óptima”.
Sim, há aquela malta que diz que estou igual. Acho engraçado. Hoje em dia acho [que a Joana é] uma bênção. Na altura, uns anos depois, a pessoa está a querer afirmar-se como actriz e de repente não consegue livrar-se de um rótulo de uma coisa. Nunca sofri muito com isso, mas percebo que era um peso. Eu não sou só isso, sou mais. Hoje em dia penso que marquei – aliás, eu não –, nós marcámos uma geração. Isto é incrível. As pessoas são super-carinhosas.

Pulmão
DRAntes de chegar a Lisboa, a peça estreou-se em Vila Real.

Falaste na primeira pessoa e corrigiste para o plural. Em muitas entrevistas, quando falas dos projectos, tendes a falar muito dos outros. Num meio que é tantas vezes acusado de crueldade e falta de companheirismo, rodeaste-te de um núcleo de pessoas que vem desse mesmo universo. Como é que as encontraste?
É super-fixe teres reparado nisso. De facto sou muito da equipa e de vestir a camisola e acho que as coisas não se fazem sozinhas, nem um monólogo. O sucesso dos projectos, não só comercial como o sucesso de as pessoas terem gostado de fazer uma coisa, mesmo que depois comercialmente até não tenha muito sucesso...

Isso é uma coisa em que pensas, o poder comercial dos projectos?
Não. Penso mais agora no teatro, em que temos mesmo de vender bilhetes para o teatro existir. Acho muito importante a comunicação e acho que não se faz muito bem comunicação de teatro. É uma das minhas lutas que ainda não comecei, [a de] haver um sítio centralizado onde temos a informação toda do que se passa em teatro no país inteiro. Na era da informação, não temos um sítio onde estejam as peças todas. Lisboa ou Porto ou Vila Real, o que é que está a dar hoje? Não existe isso. Acho isso completamente fora, porque o teatro sem as pessoas não existe. Há vontade de ir ao teatro. Nós vemos salas cheias quando as coisas são bem comunicadas. Não é porque é uma coisa comercial onde os bilhetes até são mais caros e as coisas estão cheias. A peça que estou a fazer hoje, ou a última, teriam tido sucesso comercial, mas as coisas não são comunicadas. E teve sucesso comercial, quer dizer, mas podia ter estado muito mais tempo em cena. Nem percebo assim tanto de política cultural e é uma vontade que tenho, de começar a perceber mais. Acho que os canais não estão certos, as coisas não estão alinhadas, as informações, o básico não existe.

O teatro precisa de ir ter com as pessoas?
Sim. Os bilhetes de muitos dos espectáculos, a não ser os comerciais, são baratíssimos, cinco euros, sete euros, não é por isso que as pessoas não vão ao teatro. Claro que não estou a dizer que para muitas famílias não é dinheiro, mas para muitas sei que podiam ir, não vão porque não sabem e porque a informação não lhes chega. Vejo isso pelos meus pais. Eles até têm uma filha artista, mas se não lhes disser as coisas, não vêem. Voltando ao assunto anterior, acho que o sucesso das coisas tem a ver com as pessoas, como as pessoas se dão, com as dinâmicas, com as memórias que se criam. Tenho as melhores memórias de quase todos os trabalhos. Claro que não podemos ficar amigos de toda a gente, somos adultos para perceber isso, mas os meus melhores amigos ainda são malta dos Morangos. Depois fui fazendo mais. Tenho um grupo de amigas actrizes e ainda ontem fomos almoçar. Não há essa competição. Até há o contrário. “Olha, preciso de fazer um casting, preciso de fazer uma self-tape, ajuda-me aqui, dá-me a contracena.” A toda a hora. Às vezes até estamos a fazer o mesmo casting.

Isso é que é sororidade?
Claro. Isso da competitividade… não a vejo.

Que imagem é que achas que as pessoas têm de ti?
[Suspiro.] Ora bem, uma pessoa como tu que viste as minhas entrevistas diria uma coisa, quem não viu nada e quem só me vê esporadicamente diria outra. No outro dia fui a um podcast, da Rita Ferro Alvim, e ela disse-me “achava que eras uma pessoa muito mais séria”, e eu acho que não tenho essa imagem. Não sei bem, acho que a maior parte das pessoas sabe que tenho uma gargalhada fácil e que sou... divertida, vá.

Porquê o pudor em dizeres que és divertida?
É que o que é para uns não é para outros. Pode haver quem não me ache graça nenhuma. Tenho um bocadinho essa necessidade, mesmo quando estou a trabalhar, de ver toda a gente feliz e contente. Estou sempre a dizer piadas e a pôr o ambiente para cima. Se as coisas estiverem assim a resvalar e alguém está de mau humor, que acontece a todos…

O humor é um desbloqueador?
Sim, é um bocadinho esta coisa de: “ok, está tudo controlado porque as pessoas estão todas bem.” Não gosto de sentir que as pessoas estão infelizes ou chateadas. Tento sempre animar. No fundo eu devia ter sido animadora [risos].

Já usaste o humor para fugir de situações desconfortáveis?
Claro. Faço isso a toda a hora. Uma pessoa nem sabe muito bem se é a sério, se é a brincar. Acho que toda a gente faz isso, na verdade.

No caso das mulheres é frequente para evitar ocasiões que podem resvalar para o assédio.
Exactamente. Ainda ontem estávamos a falar sobre isso. Tenho amigas que passaram por coisas super-chatas e outras que dizem “nunca me aconteceu nada”. Sou uma das que diz que nunca me aconteceu nada, mas também acho que se calhar aconteceu, eu é que [gesticula]. Ou seja, nunca deixei chegar sequer [aí] porque fui para o humor.

Abafaste sempre com uma piada?
Sim. Com uma piada, sempre. Estava a rever umas histórias ontem e eu, miúda, com 20 anos, já não tinha medo de dizer o que pensava, até de ser um bocadinho bruta, aos chefões. Não tenho muito pudor em dizer aquilo que penso. Provavelmente já me prejudiquei. Quando põem horários malucos, ou pessoas sem descanso, tudo o que tem a ver com esse tipo de abusos, sempre bati o pé. Isso não vai acontecer. No que depender de mim, não. Mas normalmente refugio-me no humor, sim. 

Benedita Pereira
Francisco Romão Pereira

És a primeira a falar, dizes, mas tens uma grande audiência online a ouvir-te. Preocupas-te com o que dizes e com a mensagem?
Sim, mas a minha frontalidade, esse não ter medo de dizer as coisas, tem a ver com situações profissionais, não é público, vir cá para fora e fazer queixas, não é isso. A persona pública, o que dizemos nos Instagrams da vida, isso é porreiro, é o nosso canal, porque antigamente tínhamos o jornalismo cor-de-rosa, que era muito pior. Hoje em dia temos o microfone. Tenho de ter cuidado com as coisas que digo, não quero ferir ninguém. Já me aconteceu. Fiz um comentário na fotografia da Bumba na Fofinha [a humorista Mariana Cabral] porque estava muito contente por ela estar na capa [de uma revista] e disse qualquer coisa como “finalmente, um corpo normal”, e caíram-me em cima: “um corpo normal, e os outros?”. E eu disse: “Pois é, têm razão, não era bem isso que eu queria dizer, era que a maior parte das mulheres é assim, como eu, temos umas coisinhas, não somos nem gordas nem magras.” A internet é um sítio muito complicado de gerir e não me ponho muito a jeito, verdade seja dita. Há coisas sobre as quais tenho opiniões bastante fortes e não uso o Instagram para isso porque não quero entrar nesse bate-boca, arrependo-me logo. Portanto, acaba por ser um sítio onde falo dos meus projectos, desvendo um bocadinho da minha vida, mas o que quero. É um sítio de boa disposição, sem muitas coisas negativas. Há uma coisa ou outra em que uma pessoa quer ser mais activista e há coisas que são inegáveis e que queremos expressar, mas não sou de todo quem mais se expressa nem sou super-activista no Instagram. Na vida sou mais, nas minhas conversas com pessoas, no frente-a-frente. É complicado. Quando escolhemos esse caminho temos depois de dar o corpo às balas. Se calhar não tenho tanta disponibilidade e, se calhar, nem tenho essa carapaça tão grande. Prefiro manter-me mais discreta.

Dizes isso com um suspiro. Estás em paz com o assunto?
Mais ou menos, não é uma decisão. Estou a falar sobre isto agora, nunca falei sobre isto, mas é uma coisa que vai acontecendo. Às vezes fica só feio e as coisas perdem o propósito. Quando foi da Bumba percebi isso. Queria fazer uma coisa boa e acabei por dizer merda. Se calhar vou ser mais parca nas palavras em relação a certos temas e vou fazer aquilo que sou mesmo boa a fazer, que é animar as pessoas, fazer rir, fazer disparates. Sou actriz e sou muito séria no meu trabalho, mas em termos do que as pessoas têm de ver de mim, que vejam o melhor de mim, também não têm de ver o pior [risos].

Tens um propósito enquanto actriz?
Não sei muito bem. Vou tendo propósitos. Cada um decidiu ser actor ou actriz em momentos diferentes, eu era muito nova. Mas ser actor ou actriz é para satisfazer uma coisa pessoal, não venham cá com coisas. Fazemos porque gostamos de o fazer, há qualquer coisa que nos satisfaz, que nos dá prazer. Claro que depois disso vem a camada seguinte que é “o que é que eu estou a dizer, que histórias é que estou a contar?”. Há muita coisa que se pode fazer enquanto actor. Neste momento estou a fazer este espectáculo. Isto foi um propósito muito grande, foram três anos à espera de fazer um espectáculo que acho que tem coisas a dizer e que vai fazer as pessoas pensar, divertirem-se e chorar, talvez. Tem o propósito que as pessoas vejam. Quero muito que isto vá além do que temos marcado. Mas este acaba aqui. Depois há-de haver outra coisa.

E o propósito da Benedita?
Quando vires a peça vais-te rir porque uma das coisas que eles se questionam é: “Somos pessoas boas?” Uma pessoa quer ser uma pessoa boa. Eu quero ser uma pessoa boa, mas o que é que é isso? 

Teatro Meridional (Lisboa). 7-18 Dez. Qua-Sáb 20.00, Dom 16.00. 6€-12€

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