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Café Vavá, em Alvalade, vai entrar em obras e mudar de equipa (novamente)

Sem data de reabertura, histórico Vavá vai sofrer obras nos "bastidores" e equipa vai sofrer "reestruturação". Proprietária garante que pintura cerâmica de Menez será preservada.

Rute Barbedo
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Rute Barbedo
Jornalista
Café Vavá
DR/Lojas com HistóriaCafé Vavá
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O Vavá fechou para férias deixando o aviso numa folha A4, assinado pelo gerente Pedro Ferreira, de que reabriria no início de Setembro. Mas os dias passaram e as portas do café histórico não voltaram a abrir, fazendo disparar rumores e temores sobre o futuro do estabelecimento da Avenida dos Estados Unidos da América, em Alvalade. Habituados a perder património, os lisboetas ficam atentos ao mínimo sinal de alerta. "Este espaço não pode ir para pessoas sem sensibilidade. O Vavá acolheu, desde o seu nascimento, muitos intelectuais e artistas que mudaram a cultura da época. O último foi o Lauro António [realizador e crítico de cinema, que morreu em 2022]. Os painéis têm de ser mantidos. Eu, que vivi ali toda a minha juventude, estou muito apreensiva com o que poderá acontecer", partilha Filipa Rodrigues, residente no bairro e frequentadora do café. 

Café Vavá
DR/Lojas com HistóriaCafé Vavá

Contactada pela Time Out, a proprietária, Teresa Ferreira, esclarece a situação, sem adiantar pormenores: "Vamos fazer obras e uma reestruturação da equipa". Quanto aos painéis da pintora Menez, assegura estarem fora de perigo, avançando que as obras serão sobretudo ao nível dos "bastidores". "Foi bastante cara a recuperação que lhes fiz para agora não os preservar", afirma. Ainda não há data para a reabertura do estabelecimento nem se sabe que equipa estará, no futuro, à frente do Vavá, cuja aura se perdeu em parte depois de várias intervenções, que alteraram o projecto original de 1958, de Eduardo Anahory. A última, em 2017, trouxe um reposicionamento do balcão e de um dos painéis cerâmicos de Menez, na sequência do seu restauro. "O café restaurante sofreu uma profunda remodelação, mantendo e reabilitando o espólio artístico (as obras de Menez foram todas restauradas por especialistas), tarefa levada a cabo por familiares dos gerentes, a designer Mafalda Ferreira e o arquitecto paisagista Filipe Pedro. A inauguração aconteceu a 21 de Julho de 2017 e, não muito depois, a casa foi considerada Loja com História pela Câmara Municipal de Lisboa", deu conta Lauro António, reconhecido habituée do espaço, num artigo publicado em 2021 na Mensagem de Lisboa.

"Descaracterização" ao longo dos anos

Baptizado em honra do futebolista brasileiro Edvaldo Izídio Neto, conhecido por Vavá, o café inaugurado naquele que era o novo e moderno bairro de Lisboa contou, ao longo dos anos, com "sucessivas remodelações" e os interiores "foram, infelizmente, totalmente descaracterizados, sofrendo com intervenções pouco pensadas, ainda que bem intencionadas", na perspectiva de Rita Gomes Ferrão, historiadora de arte especializada no movimento modernista"Do Vavá de Verdes Anos já praticamente nada reconhecemos, além dos painéis de Menez. Ficam como dado arqueológico, testemunho de um passado recente quase todo destruído, os desaparecidos cafés modernistas de Lisboa", continua a historiadora. A visão é, porém, diferente da do programa Lojas com História, que assim partilha na sua página: "Quem entrar hoje no Vavá encontra uma pastelaria com um ambiente muito diferente mas na espacialidade essencialmente preservado." 

O Vavá no filme 'Os Verdes Anos' (1963)
DRO Vavá no filme 'Os Verdes Anos' (1963)

No final de 2016, antes da reabertura do café com nova cara, o jornal Público dava conta dos problemas inerentes ao Vavá, relacionados com o aumento das rendas na zona de Alvalade e em toda a cidade, que tornavam difícil investir num negócio como aquele, então "parado nos anos 80". Na altura, um dos sócios, Fernando Eusébio, explicava que o espaço estava "velho", precisava “de um conceito novo”. O conceito veio, uns gostaram, outros nem tanto. Mas durante a semana era normal encontrar o espaço lotado em horário de refeição e com uma clientela fiel nos restantes períodos.

A importância dos cafés de bairro

O Vavá mudou. Não há dúvida. Entre as décadas de 50 e 80, sobretudo, foi lugar de tertúlia, de encontro de intelectuais, estudantes, artistas plásticos, músicos, opositores do regime, muitos deles ligados ao cinema, como Paulo Rocha (que morava no mesmo edifício e realizou Os Verdes Anos, filme-símbolo do Novo Cinema português, revisitado em 2023 por Guerra da Mata e João Pedro Rodrigues, com passagem precisamente pelo café histórico de Alvalade) ou João César Monteiro.

O Vavá mudou, mas "continua a ser um elemento agregador de gerações e de movimentos", nas palavras recentes (2021) de Lauro António, e também um lugar das pessoas do bairro e da memória colectiva, como constata a alvaladense Filipa Rodrigues: "O Vavá fazia parte de todos nós naquela zona das avenidas de Roma e EUA. Ali, vários cafés ficaram para a história. Um, infelizmente, virou um restaurante de hambúrgueres, que era a antiga Sul América, mesmo ao lado do Liceu Rainha D. Leonor. Nós, muito jovens, estávamos lá caídos muitas vezes. O Vavá foi frequentado por pessoas muito ligadas à cultura e muito críticos do regime da altura. Para nós, eram os nossos ídolos. E, apesar de miúdos, aqueles painéis fascinavam-nos." Também Aquilino Machado, professor no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território e residente em Alvalade, recorda as marcas do Vavá: "Foi o meu lugar de encontro quando vivia fascinado pelas miúdas punks de Alvalade. Mesmo agora, não indo com a frequência que desejava, gosto de olhar para a esplanada e saber que aquele lugar foi tudo o que o salazarismo não quis que fosse: um lugar livre, de resistência e modernidade."

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