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Calma, Larry! começou em 2000, ainda as emissões de televisão funcionavam no formato 4:3. Mais de duas décadas depois, embora com interregnos pelo meio, a série que apresenta uma versão ficcionalizada de Larry David chega ao fim. A 12.ª e última temporada estreia nesta segunda-feira, 5 de Fevereiro, na HBO Max. Ou melhor, o primeiro de dez episódios: os restantes estreiam nas segundas-feiras seguintes, até ao grande final, a 8 de Abril.
Larry David é, antes de mais, o criador de Seinfeld, série de comédia e de culto, famosa por falar sobre nada em particular e, talvez esticando a corda, sobre tudo no geral. Larry começou nos palcos do stand-up, e passou pelas cadeiras giratórias dos argumentistas de Saturday Night Live (o mais popular programa norte-americano de sketches), mas foi Seinfeld que o tornou num dos grandes nomes da comédia – e lançou Jerry Seinfeld, outro comediante que durante largos anos interpretou uma versão ficcionalizada dele próprio.
Ora, foi esse o ponto de partida para Calma, Larry! (Curb Your Enthusiasm, no original), produção que segue os dias de Larry David, na companhia de personagens fictícios e de pessoas bem reais – Richard Lewis, Wanda Sykes, Ted Danson –, que também assumem versões alternativas delas próprias. A diferença é que, neste universo paralelo, a consciência e a sensibilidade social, em particular do protagonista, podem ser postas na beira do prato.
Num comunicado da HBO, Larry começa a despedida a brincar precisamente com isso. “Agora que Calma, Larry! está a chegar ao fim, terei finalmente a oportunidade de abandonar esta personagem de ‘Larry David’ e tornar-me na pessoa que Deus queria que eu fosse: o ser humano atencioso, gentil, amoroso e atencioso que eu era até sair dos trilhos ao interpretar esta personagem maligna”, diz. “Larry David, despeço-me de ti. Não vamos sentir falta da tua misantropia. E para quem quiser entrar em contacto comigo, pode fazê-lo nos Médicos Sem Fronteiras.”
Os fãs Salvador Martinha e Filipe Melo
Criada sem um guião convencional, deixando espaço para a improvisação, Calma, Larry! também demonstra como pequenos detalhes da vida podem originar uma cadeia catastrófica de eventos, qual efeito borboleta que se desenrola em pequenos episódios de meia hora. Salvador Martinha – actor, comediante e autor das peças de teatro em torno da sua personagem PLIM – explica melhor à Time Out isto da construção narrativa em comédia. “Isso de não haver guião não é bem assim. Há um guião com princípio, meio e fim. Parece-me que os diálogos, isso sim, são improvisados, o que torna tudo mais real e ajuda a maquilhar as fragilidades de Larry enquanto actor. Eu sei porque é uma coisa de humorista. Regra geral, temos mais jeito para improvisar diálogos do que a interpretar textos. Se resulta, é aproveitar e não seguir fórmulas”.
Salvador Martinha, para quem “Larry vai ter sempre graça”, faz ainda uma ligação extra a Seinfeld: “Com o tempo percebemos que Larry David era a força criativa de Seinfeld. Com a série, percebemos que Larry David era na realidade George Constanza [personagem de Seinfeld]. O meu personagem preferido e o de muita gente. Calma, Larry! é uma continuação da vida de George, mas agora interpretado pelo verdadeiro George”.
Em Portugal, temos alguns exemplos de comediantes que desenham histórias nas quais participam em nome próprio. Bruno Nogueira (com Frederico Pombares e João Quadros) fez isso e foi mais longe em O Último a Sair, uma sátira aos reality shows em que um considerável grupo de famosos se tranca na mesma casa (a fingir, a fingir). Mais recentemente, o comediante Guilherme Geirinhas abriu o livro da sua saúde mental na websérie semi-biográfica Vai Correr Tudo Bem, disponível no YouTube. E há muito, muito tempo, no ano de 2007, Filipe Melo e Jorge Leitão escreveram e realizaram Um Mundo Catita, minissérie em formato mockumentary (emitido então pela RTP2) sobre Manuel João Vieira, artista plástico e criador de bandas como Irmãos Catita e Ena Pá 2000. Que ele próprio, no mundo real, vai vestindo alter-egos.
À Time Out, Melo confessa ter uma relação bastante próxima com Calma, Larry!, que acompanha desde o início, um “ritual” que não falha “há duas décadas”. “É talvez a única coisa no mundo que nunca me desapontou”, começa por escrever numa mensagem. “Aliás, estou a escrever isto a despachar, porque estou ansioso para ver o novo episódio. O Larry David é a pessoa a quem devo mais gargalhadas e a série encontra sempre novas formas de mostrar o quão absurda é a nossa sociedade. Precisávamos de um guia, de alguém que nos ajudasse a perceber como agir neste mundo estranho. Essa pessoa é o Larry David. Acho incrível que o próprio tenha exactamente a mesma energia (e aspecto físico) desde o início da série, é quase um milagre, uma lição de vida. Posso dizer que a minha maior relutância em relação à morte tem a ver exactamente com a inevitabilidade do fim desta série, que devia continuar para todo o sempre.”
HBO Max. Estreia a 5 de Fevereiro (T12)
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