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Campus do Mar: como pode ficar a frente ribeirinha que une Lisboa a Oeiras

O plano é reabilitar a frente do rio entre Pedrouços e a Cruz Quebrada, passando por Algés e Dafundo. Fomos ao atelier do arquitecto Falcão de Campos, consultor do projecto, falar sobre o Campus do Mar.

Rute Barbedo
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Rute Barbedo
Jornalista
Ocean Campus
Rita ChantreOcean Campus
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O plano de requalificação começou a ser estudado em 2017, tem andamento previsto até 2030 e todas as dúvidas que os projectos de grande monta e longo prazo suscitam. Há anos que se fala em mudar a cara à linha que une Pedrouços à foz do Jamor, passando por Algés e Dafundo. Mas o facto de o projecto envolver diferentes gestões autárquicas (Lisboa e Oeiras), comboios, estradas, Governo e o Porto de Lisboa não torna a operação simples. 

Terrenos do Ocean Campus
Rita ChantreTerrenos do Ocean Campus

Num passeio a partir da Fundação Champalimaud, na direcção de Cascais, percebe-se que há território fantasma, ou pelo menos de pouco uso. “Devolver o rio à cidade” e criar vida numa área que a partir das 17.00 fica deserta são dois dos objectivos do Campus do Mar, projecto apresentado pelo arquitecto João Pedro Falcão de Campos, consultor para a Administração do Porto de Lisboa, na Conferência Mundial de Cidades e Portos, que aconteceu em Lisboa no final de Novembro.

“Não gostava que isto fosse um conjunto de edifícios, mas que se baseasse numa estrutura que garanta o conjunto, uma unidade, tipo Expo”

Com investimento privado e público (alavancado pelo Plano de Recuperação e Resiliência - PRR, se ainda se chegar a tempo), 300 milhões de euros deverão servir para ali, numa extensão de 64 hectares, criar uma nova peça (centralidade, na gíria urbanística) na Grande Lisboa, com centros de investigação e ensino (estão planeados uma unidade da Fundação Champalimaud e o novo pólo da universidade Nova IMS) e empresas. Também poderão caber uma marina, habitação, residências e hotéis, bem como espaço público requalificado

“Não gostava que isto fosse um conjunto de edifícios, mas que se baseasse numa estrutura que garanta o conjunto, uma unidade, tipo Expo”, sublinha Falcão de Campos, que assinou projectos como a reabilitação do antigo Liceu Camões, recentemente concluída, após 15 anos de trabalho. Infelizmente, no entanto, “há essa tendência, de se fazerem quase condomínios e distribuí-los pela cidade”. Para combatê-la, o arquitecto propõe a criação de “uma avenida interior, arborizada, paralela ao rio”, que funcione como meio estruturante de toda a nova zona. Ao mesmo tempo, a Marginal seria reconfigurada, com ganho de espaço pedonal, e todo o caminho ferroviário seria modernizado, com carris sobre uma superfície permeável, de prado, e um meio de transporte mais leve e século XXI. 

Terrenos do Ocean Campus
Rita ChantreTerrenos do Ocean Campus

Demasiado ambicioso? Utópico? “Vai fazer-se”, acredita o arquitecto, sabendo das dificuldades que um projecto com a mão de diferentes entidades representa, mas habituado a afinar, adaptar, voltar a mudar, modos naturais do longo prazo. 

Ponto a ponto, acompanhados pelo arquitecto, tentamos antever o Campus do Mar ou Hub Azul.

Economia e espaço público

Ocean Campus
DR/APLOcean Campus

Em Junho de 2017, começava a desenhar-se o plano estratégico para a criação do Campus do Mar, que a Administração do Porto de Lisboa (APL) descreve como “um espaço de inovação e empreendedorismo, com “actividades ligadas à economia azul e ao mar” e “um espaço aberto a todos os cidadãos”. Em 64 hectares, da Doca de Pedrouços, em Lisboa, até à foz do rio Jamor, em Oeiras, estão previstos edifícios de referência na área da investigação e empresarial e a requalificação da frente ribeirinha ocidental, num investimento perto dos 300 milhões de euros. Mas é mais do que isso. “O objectivo central é tornar aquela zona viva, com a vida em todas as suas dimensões, ou seja, com pessoas, trabalho, dormida, lazer… A zona de Belém e Restelo tem uma densidade relativamente baixa, uma dinâmica muito frágil, e a partir das 17.00 está tudo deserto, não se passa nada”, descreve Falcão de Campos. É preciso mudar isso, defende o arquitecto.

Champalimaud de um lado, unicórnios do outro

A questão de se rentabilizar a proximidade ao mar, por via económica, sempre foi central na idealização de um projecto para esta zona da Grande Lisboa. Carlos Moedas concretizou a ideia na expressão “hub dos futuros unicórnios do mar”, falando no centro empresarial focado na economia azul pensado para a área onde está hoje a Doca de Pedrouços. A ideia é que fique junto ao centro de investigação com foco nas neurociências, inteligência artificial e nos impactos das alterações climáticas da Fundação Champalimaud (a Gulbenkian também tinha entrado no projecto, mas desistiu em 2022, tendo ficado o pavilhão de Pedrouços para a CML). 

Ocean Campus
DR/APLOcean Campus

Em Outubro passado, os pescadores da Doca de Pedrouços receberam um ultimato para abandonar as instalações da antiga DocaPesca, no sentido de se conseguir avançar com a obra, noticiou o Público. O projecto do Hub do Mar integra a valência da pesca e prevê a garantia de instalações definitivas adequadas para os pescadores e armadores que ali desenvolvem a actividade. “A solução adiantada pela APL, de instalação de módulos pré-fabricados na zona do molhe do porto, não se afigura como tendo qualquer sustentabilidade, porquanto são conhecidos os riscos de galgamento das águas naquele espaço”, criticou o PCP, num comunicado enviado no final de Novembro às redacções.

A mudança necessária na Marginal

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Mexer na Estrada Nacional 6, a Marginal, seria também essencial para aumentar a segurança e o espaço dedicado ao peão no território. No Dafundo, a imagem dos passeios exíguos entre uma fileira de edifícios e a estrada é característica de uma cidade feita a pensar no automóvel. A ideia de Falcão de Campos seria desfazer isso. Perto da estação elevatória de Algés, das quatro faixas que compõem a rodovia principal, uma passaria para mais perto do rio, através de um túnel. Isso permitiria alargar o passeio e tornar o local mais circulável a pé, além de mitigar a probabilidade de acidentes. Depois, seria necessário “requalificar as linhas ferroviárias de forma ecológica, com zonas porosas, de prado” e recorrendo a um meio de deslocação mais suave do que “o comboio pesadíssimo que lá está hoje”.

Nem o deserto nem um porto asiático

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DR/APLOcean Campus

A ideia de construir na frente ribeirinha vem quase sempre com vozes de oposição atrás, como aconteceu com os projectos do Centro Cultural de Belém ou da Fundação Champalimaud, considerados por muitos mastodontes arquitectónicos numa linha de património histórico e amplitude natural dada pelo rio. No entanto, a zona de Pedrouços, Algés e Dafundo, na margem do Tejo, é “um activo da cidade que não se deve perder”, considera Falcão de Campos. Mas, calma: também não deve ser sobrecarregada. O facto de este eixo portuário se manter inexplorado pode ser visto como “uma fragilidade”, mas “é uma fragilidade que permite manter muita coisa”, crê o arquitecto. “Num país asiático, por exemplo, já estaria tudo explorado”, compara.

Frente ribeirinha: só turismo?

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DR/APLOcean Campus

Antes de se transformar o eixo entre o Cais do Sodré e o Terreiro do Paço, na Baixa, e a zona ribeirinha de Marvila, dizia-se que a cidade vivia de costas voltadas para o Tejo. O mesmo se passa para lá de Belém? “A centralidade da cidade está a ir para o interior, para a zona de Entrecampos, que é bem servida de transportes”, responde Falcão de Campos, temendo que, se não se agir no sentido de diversificar os usos e os pontos de interesse da Grande Lisboa (investindo-se, claro, nos transportes públicos), o plano ribeirinho “se transforme simplesmente numa zona de turismo”. Por outro lado, “ a zona do Dafundo, Cruz Quebrada, Algés tem muito potencial mas é muito desqualificada”, pressionada pela linha do comboio, pela marginal e pelas cotas baixas. “Fazia todo o sentido um terrapleno entre a ribeira de Algés e a do Jamor”, sugere o arquitecto. Mas também criar motivos de estadia e não apenas de lazer na zona. 

Do financiamento ao risco de cheias

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DR/APLOcean Campus

Duas das questões sobre as quais se levantam dúvidas quanto ao projecto têm que ver com finanças e ambiente. “Dos vários municípios com candidaturas ao Hub Azul, Lisboa é o único que não está a avançar”, apontava a deputada do PS, Inês Drummond, numa reunião da autarquia, a 6 de Novembro. “Na informação que nos está vedada estão, por exemplo, os relatórios de execução do PRR, que a gestão de Moedas tem desperdiçado de forma incompreensível. O Hub do Mar é só mais um exemplo”, denunciou a autarca nas redes sociais, céptica quanto à concretização do plano.

Por outro lado, a localização do hub é contestada. O novo pólo da Nova IMS, em particular, situa-se numa área sob a ameaça de cheias, reserva ecológica nacional (REN) (nas tipologias de “Faixas de Protecção ao Estuário” e “Zonas Ameaçadas pelas Cheias”). “A longo prazo, daqui a mais de 80 anos”, declarou ao jornal Público Carlos Antunes, engenheiro geógrafo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, “será uma zona de vulnerabilidade extrema à subida do nível médio do mar, com elevada frequência de galgamento e inundação costeira”. Também na Câmara de Oeiras, parte da oposição acredita que “o empreendimento vai aumentar a impermeabilização da foz da ribeira de Algés, aumentando o risco de cheia”, referiu Carla Castelo, citada no mesmo artigo.

Falcão de Campos acredita que esta não é uma zona complexa de se intervir, desde que se cumpra o recomendado pela Agência Portuguesa do Ambiente. “Estamos a trabalhar no sentido de garantir que esta estrutura verde seja contínua, com bacias de retenção, zonas permeáveis, respeito pela cota 5, como mandam as boas práticas”, diz o arquitecto.

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