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Canaletto ou Guardi? Gulbenkian abre portas aos mestres da pintura veneziana

Até Janeiro, o Museu Calouste Gulbenkian recorda o século XVIII em Veneza pelo olhar dos seus virtuosos pintores. Uma exposição feita em colaboração com o Museo Thyssen-Bornemisza de Madrid.

Mauro Gonçalves
Escrito por
Mauro Gonçalves
Editor Executivo, Time Out Lisboa
O Grande Canal de Veneza, pintado por Francesco Guardi
Catarina Gomes FerreiraO Grande Canal de Veneza, pintado por Francesco Guardi, c. 1775
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De um lado, a ordem e o rigor geométrico. Do outro, a atmosfera da cidade e o movimento conferido pelo traço. Canaletto (1697-1768) e Francesco Guardi (1712-1793) são os mais proeminentes nomes da pintura veneziana do século XVIII e dividem o protagonismo na mais recente exposição do Museu Calouste Gulbenkian. Em "Veneza em Festa. De Canaletto a Guardi" recorda-se a época dourada da cidade italiana, em temos Rainha do Adriático, nas formas (distintas) como foi retratada pelos seus dois grandes virtuosos.

São mais de 50 obras, numa exposição feita em colaboração com o Museo Thyssen-Bornemisza de Madrid, que cedeu pinturas assinadas pelo mestre Canaletto, mas também de nomes como Michele Marieschi, Bellotto, Pietro Longhi, Giambattista Piazzetta e Tiepolo. Um importante complemento àquela que é a maior colecção de pinturas de Francesco Guardi – são 19 obras no total e pertencem ao Museu Gulbenkian.

"O Bucentauro", de Canaletto
Museo Nacional Thyssen-Bornemisza, Madrid"O Bucentauro", de Canaletto, c. 1745-1750

Outrora conhecida como Sereníssima Republica de Veneza, este estado abastado, sobretudo devido ao comércio intercontinental que aqui se cruzava, podia facilmente resumir-se numa única palavra – festa. "Veneza foi, talvez, a cidade mais reproduzida em termos festivos na história da pintura", afirma Luísa Sampaio, curadora da exposição. Dos trajes engalanados na Praça de São Marcos às embarcações de recreio que enchiam o Grande Canal, é essencialmente através da pintura que os momentos solenes do calendário veneziano perduram até hoje.

Amplas e panorâmicas, as vistas sobre a cidade criaram um género pictórico específico, a veduta. O holandês Gaspar van Wittel terá sido o primeiro a retratar a cidade nesta perspectiva de grande angular, mas foi o veneziano Luca Carlevarijs quem sistematizou o estilo através de mais de cem gravuras, onde os edifícios mais importantes da cidade surgem organizados em função da sua tipologia. "Nasce aí o que designamos pela veduta veneziana. Mas o grande protagonista deste género é Canaletto. Ele vai pintar geometricamente, dando muita atenção ao desenho. E depois vamos ter Guardi, seu contemporâneo, que vai interpretar Veneza de outra forma, preocupado com o efeito atmosférico, com a vivacidade das figuras e com a criação do movimento. Enquanto Canaletto é mais rigoroso, geométrico, preocupado com o desenho, Guardi é um homem que está muito mais atento à atmosfera da cidade, ao seu lado festivo e ao movimento das figuras. Portanto, cada pintor especializa-se numa determinada forma de olhar para Veneza", continua a curadora.

"A Festa da Ascensão na Praça de São Marcos", de Guardi
Catarina Gomes Ferreira"A Festa da Ascensão na Praça de São Marcos", de Guardi, c. 1755

O olhar divide-se essencialmente entre os dois pintores setecentistas, mas com espaço para outros. Afinal, no centro da exposição está, nas palavras de Luísa Sampaio, "a veduta veneziana e a entourage artística que a rodeia." Regatas no Grande Canal são uma visão frequente, tal como o bucentauro, embarcação cerimonial super-ornamentada usada em festividades da cidade. O último exemplar foi desmantelado por Napoleão, aquando a ocupação francesa em 1797. A exposição conta com uma fiel réplica – de muito menor escala, no entanto.

Além das feste, subconjunto dentro das vedute que retrata as grandes celebrações venezianas, à medida que avançamos por esta "little Venice", como lhe chama Sampaio (com direito a uma sonoplastia que inclui sinos e gaivotas), descobrimos outras nuances deste género tão peculiar. Entre elas, os caprichos, paisagens reais às quais os pintores adicionavam elementos arquitectónicos inexistentes. Exemplo disso é uma das vistas de Guardi sobre o Grande Canal, em que a Ponte de Rialto é a projectada pelo arquitecto renascentista Andrea Palladio e não a erigida no século XVI.

Outras curiosidades circundam a arte – como a súbita popularidade de Canaletto em Inglaterra. Um fenómeno alavancado por Joseph Smith, cônsul britânico em Veneza, através da importação de gravuras feitas a partir de pinturas do italiano. As vistas da cidade disseminaram-se entre a aristocracia e o próprio rei Jorge III tornou-se um generoso e exigente cliente – não é por acaso que a Royal Collection mantém até hoje um conjunto expressivo de obras do autor.

'A Praça de São Marcos em Veneza', de Canaletto
Museo Nacional Thyssen-Bornemisza, Madrid'A Praça de São Marcos em Veneza', de Canaletto, c. 1723-1724

A viagem proposta pelo Museu Calouste Gulbenkian vai além do século XVIII. No final da exposição, três quadros do século XIX mostram outros olhares sobre a mais cenográfica das cidades – uma aguarela do americano John Singer Sargent e dois óleos sobre tela dos franceses Félix Ziem e Jean-Baptiste-Camille Corot. Três bons pretextos para se demorar mais um pouco nas pinceladas de outros mestres ou para dar meia volta e voltar aos bons italianos. Nas palavras de Luísa Sampaio: "A exposição é pequena, escolham o caminho. Façam como se faz em Veneza."

Avenida de Berna, 45 (Praça de Espanha). Qua-Sex, Dom 10.00-18.00. Sáb 10.00-21.00. Até 13 de Janeiro. 6€

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