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São quase 10.40 da manhã quando entramos no 1716, que parte do Marquês de Pombal, em Lisboa, para a Urbanização de Campinas, em Idanha. Nas primeiras três paragens — Rua Joaquim António Aguiar, Amoreiras e Viaduto Duarte Pacheco —, a porta de trás, por onde os passageiros devem sair, não se abre. Já acontecia em qualquer um dos antigos operadores privados com serviço na capital, mas esperava-se que a anunciada “unificação” significasse de facto considerar, pelo menos no que à mobilidade diz respeito, a área metropolitana como um todo. Mantendo-se tudo na mesma, não só um utilizador ocasional corre o risco de ser surpreendido durante a viagem, como qualquer imprevisto (e zero flexibilidade) se torna uma dor de cabeça. Sentada ao nosso lado, Maria, de 75 anos, confirma: “Já vi acontecer, pessoas quererem sair e não conseguem”, diz-nos, antes de nos mostrar os horários impressos, que guarda na sua carteira. Mais tarde, já depois de experimentarmos outras rotas, questionamos um motorista da Carris Metropolitana, que — sem se identificar, por medo de represálias — desabafa: “A Carris é dona e senhora de Lisboa.”
Não se deixe enganar. Apesar das semelhanças, no nome e no visual, uma e outra são marcas e entidades distintas, e a Carris Metropolitana — criada pela Transportes Metropolitanos de Lisboa, sob a qual agora operam os transportes públicos rodoviários nos 18 municípios da área metropolitana — tem-se confrontado com restrições de âmbito geográfico. O regime de exclusividade da Carris impede os passageiros de utilizar o novo serviço dentro da cidade. Quem entra num autocarro da Metropolitana em Lisboa, só poderá sair dele fora do concelho. No sentido inverso, os autocarros não recebem passageiros, só os largam. Não há qualquer indicação desta restrição nas paragens.
“Estamos na paragem do 1725, que sai do Marquês de Pombal para o terminal rodoviário de Oeiras, e de vez em quando há pessoas que querem sair, por exemplo, nas Amoreiras, e vêm apanhar este autocarro, em vez de irem para a paragem da Carris. Às vezes perguntam ao motorista, outras entram sem saber [se é possível sair]”, diz-nos Paula, 58 anos. Marta, de 56, acrescenta: “Já acontecia com a Vimeca [uma das antigas empresas privadas que operam agora sob a marca Carris Metropolitana], mas acho uma estupidez. Os motoristas têm, logicamente, de fazer cumprir o regulamento, e é muito desagradável. Havendo esta fusão entre as várias empresas — não é só a Vimeca, é a Scotturb e outras —, acreditei que realmente [o serviço] viesse a ter melhorias a todos os níveis.”
Em 2019, três anos antes do lançamento da Carris Metropolitana, o novo tarifário Navegante — que permite aceder a qualquer operador, a qualquer hora do dia e as vezes que quisermos, com um único passe (30-40€/mês) — surgiu como uma lufada de ar fresco, e um prenúncio de que seria de facto possível viajar de uma ponta à outra da área metropolitana. Agora, sabemos que não é bem assim. Se por um lado a oferta aumentou e os autocarros estão mais modernos, por outro a promessa de unidade não está a ser cumprida. Pelo menos na capital. Em Cascais e no Barreiro, onde as autarquias também têm serviços próprios — a MobiCascais e a Transportes Colectivos do Barreiro respectivamente —, o problema não se coloca e tem sido possível entrar ou sair livremente dos autocarros da Carris Metropolitana, sem ter de se ultrapassar os limites de cada concelho.
“Uma vez recebi um telefonema urgente e precisava de sair ainda em Lisboa, mas o motorista disse-me que não me abria a porta [de trás] e eu tive de fugir pela da frente [por onde entram os passageiros]”, recorda Teresa, de 55 anos, que costuma apanhar o 1716 para ir para Belas. Não é a primeira nem a última passageira a vivenciar o mesmo. No terminal de autocarros do Colégio Militar, onde há paragens da Carris e da Carris Metropolitana lado a lado, também é frequente. “Há pessoas que apanham [o autocarro] nesta zona e querem sair antes de chegar ao concelho da Amadora e não é permitido, por causa das concessões”, conta Sara, de 49 anos, que viaja regularmente no 1706, que parte do Colégio Militar para Casal da Mira, na Amadora. José Carlos, de 54, está prestes a fazer o mesmo percurso pela primeira vez e confessa que achava que a Carris e a Carris Metropolitana “era tudo a mesma coisa”. “Por acaso vou para a Brandoa, mas pensei que estivesse a apanhar o transporte da mesma empresa.”
De mal a pior
As expectativas em relação à “unificação” de todo o território metropolitano não foram, contudo, as únicas a ser defraudadas. A Carris Metropolitana anunciou mais linhas para se chegar a qualquer lado “de uma forma mais rápida e prática”, mas o início das operações tem sido marcado por bastantes perturbações e queixas. Por exemplo, a mudança de numeração. As carreiras passaram a ter números de quatro algarismos, para indicar a área geográfica onde a linha circula, o município e o tipo de circulação, o que tem gerado alguma confusão, já que a possibilidade de consultar todos os horários e percursos no planeador de viagens da Google é recente.
Há ainda rumores de não haver motoristas suficientes, o que poderá explicar o incumprimento de horários. “No mês passado, estive uma hora e tal no Marquês de Pombal, para apanhar um autocarro para a Idanha. Noutro dia, como não consegui apanhar no Marquês, fui para o Colégio Militar, onde havia imensas filas. Já eram 19.00 e na Eduardo Pacheco apanha-se imenso trânsito. Nunca mais chegava a casa”, reclama Isabel, de 72 anos. Maria da Luz, de 62, também tem uma história semelhante para partilhar: “Há dias, estive duas horas em Alfragide, perto da Força Área, à espera do 1718 [que parte da estação de Belém], e tive de desistir e ir a pé para a Amadora. Os horários estão lá, mas não são cumpridos. Dizem que não têm motoristas, mas quer dizer, se não há nem horários nem ordenados dignos, é normal.”
Há uma página de notícias no site da Carris Metropolitana na qual têm sido divulgadas várias informações e actualizações sobre o serviço, mas não há boas intenções que compensem as falhas que se têm verificado. “Está uma desgraça total. Como vê, olhe, [o 1725] devia ter passado às 16.30, são dez para as cinco e nada, zero. Era para ir a casa da minha filha e já não vou. Está tudo muito pior, mas muito pior, não há mesmo qualquer sombra de dúvida”, denuncia José, de 73 anos. Paula, com quem falámos ainda antes das 16.30, já nos tinha dito o mesmo: “Esta camioneta, a 1725, que faz o percurso do Marquês a Oeiras, só existe da parte da tarde, às 16.30, às 17.30 e às 18.30, e há uma semana que não existe sequer esse transporte. Todos os dias faço reclamações mas as respostas são um copy paste para toda a gente.”
Este artigo foi originalmente publicado na edição de Fevereiro do jornal Lisbon by Time Out
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