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Carta aberta à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista

A Time Out faz jornalismo local, cultural, gastronómico e, sim, de lifestyle. Fá-lo de forma séria e não é pelo seu tom leve que é menos rigorosa.

Vera Moura
Hugo Torres
Escrito por
Vera Moura
e
Hugo Torres
Time Out Lisboa
Fotografia: Mariana Valle Lima
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Este sábado a Time Out Lisboa voltou às bancas e estamos particularmente orgulhosos desta edição. Além de tudo o mais, que é tanto, traz a primeira entrevista formal a Carlos Moedas desde que este foi eleito presidente da Câmara de Lisboa. Esperamos que os elementos do Secretariado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) tenham oportunidade de a ler, e que essa seja uma porta de entrada para o resto da revista e para a informação que produz esta redacção.

Há alguns meses, ficámos a saber, através do indeferimento de um pedido de emissão de um título provisório de estagiária, que o Secretariado da CCPJ não reconhece como jornalismo o trabalho feito pelos jornalistas da Time Out. Nunca os jornalistas da Time Out haviam sido confrontados com tal avaliação da CCPJ, tendo pedido e renovado carteiras de jornalista como em qualquer outro meio desde que a revista existe em Portugal, há 14 anos. Uma prática claramente descontinuada: entretanto, uma outra jornalista viu o seu pedido de renovação ser posto sob avaliação e indeferido na sexta-feira. O Secretariado da CCPJ descobriu a Time Out. No fim do mandato, mas descobriu.

A Time Out faz jornalismo local, cultural, gastronómico e, sim, de lifestyle. Fá-lo de forma séria (não confundir com sisuda ou pretensiosa) e não é por se focar no que de melhor a cidade de Lisboa tem para oferecer, nem por ter uma linguagem leve e a tentar a graça, que é menos rigorosa. Fá-lo num campo minado pelas agências de comunicação e marketing – que fazem um trabalho honesto, mas têm cada vez mais força para se impor às redacções mirradas –, pelo clickbait, pelos product placements, pelos subterfúgios e pelas trocas e baldrocas. Suspeitamos que o Secretariado da CCPJ não o saiba porque suspeitamos que os elementos que o compõem não leiam este segmento dos media, incluindo títulos que se encontram encartados em publicações nacionais e de referência.

Durante o primeiro processo de indeferimento, o Secretariado da CCPJ reiterou sempre estar a avaliar um pedido em particular, embora usando argumentos gerais. Em concreto, questionavam-se os artigos sobre restaurantes e lojas que a aspirante a estagiária (!) havia escrito e que estavam no seu perfil no site da Time Out. Objectou o Secretariado da CCPJ que a requerente, através desses artigos, em vez de reportar o acontecimento, ajudava a “fazer o acontecimento”. O problema, contudo, não era tanto esse. Era o facto de se tratarem de “marcas”, isto é, estabelecimentos comerciais com porta aberta e nome na tabuleta. Porque “fazer o acontecimento” é coisa de todos os dias no jornalismo e não consta que tal provoque qualquer alarme junto do Secretariado da CCPJ.

Seja na política, promovendo e replicando espaços de “comentário”, amiúde sem contraditório – e anunciados nas televisões como autênticas marcas –, ou levando ao prelo artigos construídos em cima de opiniões ou posições de fontes anónimas, numa prática nefasta sobre a qual Pacheco Pereira escreveu recentemente e com incisiva pertinência; seja na cultura, vendendo bilhetes para a coqueluche do momento; seja no desporto, especulando com negócios de milhões nos mercados de transferências do futebol, onde não faltam alçapões e esquemas e favores, alguns dos quais têm sido escalpelizados pelo Ministério Público. Vendilhões do templo, sim; donos de restaurantes a venderem o seu peixe, literalmente o seu peixe, não. Pulhices partidárias, sim; lojas de loiça, não. Grandes empresas a dar nome a eventos culturais em sucessivas e destacadas notícias? Também sim. Novo bar da esquina? Não. Supomos que seja este o entendimento do Secretariado da CCPJ.

A Time Out escreve sobre restaurantes e lojas e outros espaços comerciais, é verdade e não é de agora. Sempre foi assim. A aspirante a estagiária não chegou à Time Out e decidiu sozinha sobre o que haveria de escrever. Daí que as considerações do Secretariado da CCPJ não se dirijam à candidata, mas à direcção editorial da Time Out, que é, pasme-se, constituída por dois jornalistas em Lisboa (e mais uma no Porto). Daí que isto não seja sobre essa candidata. É sobre o que é e o que não é jornalismo, e sobre quem o faz e como faz. É sobre poder vender tranquilamente o novo iPhone nas páginas de um jornal, mas não poder noticiar nas páginas de uma revista uma nova padaria porque esta notícia beneficiará os interesses comerciais do padeiro. Sobre poder noticiar sem sobressalto promoções e pechinchas de transportadoras aéreas, também num jornal generalista, mas uma revista não poder escrever sobre o novo menu de um restaurante. Qual é a diferença, então? O problema, ficou dito numa “audiência de interessados”, é fazer só isso. Embora talvez se estivessem a referir apenas àquela candidata a estagiária em particular, porque para indeferir a renovação da carteira de uma das mais prolíficas e ecléticas jornalistas da Time Out, o Secretariado da CCPJ decidiu ir à procura dos textos que encaixavam na narrativa construída para o primeiro processo. Afinal, o problema não era fazer só aquilo. Apesar de o Secretariado da CCPJ conceder que parte do que a Time Out faz até pode, no seu entender, ser considerado jornalismo.

Pouca importa que camaradas no Expresso, no Público, no Observador, no Diário de Notícias, no Jornal de Notícias, na Visão ou na Sábado façam, e bem, exactamente o mesmo para secções e suplementos equivalentes. Suponho que as candidaturas que daí provenham não levantem sobrolhos no Secretariado da CCPJ. É claro que o que se faz no Expresso, no Público, no Observador, no Diário de Notícias, no Jornal de Notícias, na Visão ou na Sábado é jornalismo. A Time Out obriga a escrutínio. Talvez seja o nome inglês. Tudo bem. Desde que as mesmas regras sejam aplicadas da mesma forma a todos, inclusive que o Secretariado da CCPJ exija saber quem escreve os artigos assinados de forma genérica, como Redacção ou equivalente, em publicações generalistas. Na Time Out, cada jornalista assina o que faz. Não tem vergonha. Não esconde a cara nem a mão.

Uma nuvem que paira sobre o jornalismo da Time Out – inclusive nas secções culturais, hélas! – é que os artigos são pagos, de uma forma ou de outra, pelos sujeitos das notícias, das reportagens, das críticas. Os elementos do Secretariado da CCPJ não tiveram a ousadia de o perguntar abertamente. Mas essa nuvem ensombrou muitas das perguntas feitas na “audiência de interessados”. Deixem-nos responder directamente: não são. O que é pago é publicidade, conteúdo patrocinado ou, como veiculam agora as redes sociais, “parceria remunerada”. Tudo o que é pago está assinalado como tal. Como em toda a imprensa séria.

A Time Out escreve sobre restaurantes e sobre lojas, sobre a vida na cidade, sobre as pequenas e as grandes coisas – como é o caso da inesperada mudança nos Paços do Concelho. Permitam-nos por isso que nos sintamos especialmente orgulhosos desta edição trimestral, em que a Time Out, numa altura em que está a ser posta em causa enquanto meio jornalístico, é a primeira a publicar uma conversa longa com Carlos Moedas, cuja eleição é o fenómeno político deste ano. A Time Out tem as costas largas e leva com todo o tipo de acusações quanto ao seu papel na transformação da cidade, quando a Time Out é a primeira a dar voz aos mais pequenos dos pequenos. Faz parte. Agora mais esta. Mas não se deixem enganar pelo nosso tom jovial. Continuaremos a fazer o nosso trabalho de forma isenta e rigorosa, de consciência tranquila.

Por fim, resta dizer que esta decisão do Secretariado da CCPJ, além de revelar um entendimento truncado do jornalismo, é extemporânea. A CCPJ está a desenvolver com outras entidades um trabalho de fundo para a alteração do Estatuto do Jornalista, como a presidente do Secretariado da CCPJ revelou na sexta-feira na RTP. Posto isto, e dado que o Secretariado da CCPJ está em fim de mandato, esta e outras decisões equivalentes, que alteram uma prática corrente de tantos anos, deveriam aguardar momento mais oportuno. Estamos de acordo que o jornalismo deve ter regras claras e actuais, também para este segmento dos media. Mas parece-nos um erro de cálculo que o objectivo do Secretariado da CCPJ seja, ao invés, aliviar os jornalistas que o compõem dos deveres a que estão obrigados.

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